Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nova iniciativa contra a pornografia infantil na web

Em outubro de 2009, a adolescente britânica Ashleigh Hall, de 17 anos, marcou um encontro com um rapaz de 19 que tinha conhecido recentemente pelo Facebook. O que era para ter sido mais um encontro banal entre adolescentes se tornou um dos crimes mais brutais da história recente do Reino Unido. Por trás do perfil de um jovem atlético, estava o assassino Peter Chapman, de 33 anos, que sequestrou, estuprou e assassinou Ashleigh. A morte acendeu o sinal de alerta na internet sobre a importância de se dar mais atenção e cuidado a crianças e adolescentes que navegam na rede. Nos meses que se seguiram ao crime, a rede social divulgou um alerta para todos os seus usuários para que evitem se encontrar com pessoas que não conhecem pessoalmente.

Logo em seguida, foi criada uma espécie de “botão do pânico”, para ser acionado pelos jovens que se sintam ameaçados durante conversas virtuais. Ainda é pouco, porém, e a rede continua como um perigo. Por isso, esta semana, o site anunciou uma nova iniciativa para tentar coibir a divulgação de pornografia infantil entre os usuários: passará a varrer todas as imagens – tanto fotos quanto vídeos – de seus usuários em busca de representações de crianças e adolescentes em contexto sexual.

A tecnologia utilizada foi desenvolvida pela Microsoft e já é aplicada no Bing e no SkyDrive, o armazenador de arquivos da empresa. Conhecida como Photo DNA, ela é baseada na comparação das fotos e dos vídeos postados pelos usuários com arquivos relacionados à pedofilia que já constam no banco de dados do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (Ncmec, na sigla em inglês), organização americana que monitora casos de exploração sexual infantil. Ao se detectar uma foto suspeita publicada de maneira privada ou no perfil aberto dos usuários, ela automaticamente é marcada para avaliação de equipes treinadas pelo Ncmec. “Nós estamos vendo uma explosão no problema da pornografia infantil. No ano passado, revisamos e analisamos 13 milhões de imagens e vídeos de pornografia infantil. Desde 2003, esse número chega a 50 milhões”, explicou ao Correio Ernie Allen, CEO da Ncmec.

Brechas na segurança

Depois que a imagem é eliminada das páginas da Microsoft – e agora do Facebook –, as páginas dos usuários são canceladas. “A pornografia infantil é uma violação dos termos de serviços com cada empresa. Por isso, esses perfis serão cancelados para garantir que as imagens já não serão divulgadas ou distribuídas”, relata Allen. O passo seguinte é avisar os órgãos competentes ao redor do mundo das atividades desse usuário. “Fornecemos para as instituições de controles todas as informações e os dados que possuímos e possam ser utilizados para investigação. Acreditamos que isso terá impacto positivo, ajudando a salvar vidas de crianças e evitando a revitimização das crianças”, completa o americano.

No Brasil, iniciativas semelhantes já ocorrem no Orkut, rede social que costumava ser um ambiente frequente para a divulgação de pornografia infantil. Segundo dados da ONG Safer Net, que mantém um serviço de denúncia de crimes virtuais, o número de notificações de casos de pornografia envolvendo crianças caiu 50,4% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2010. As notificações publicadas no site passaram de 6.858, no ano passado, para 3.399 este ano. “Em grande parte, isso é fruto de uma atitude mais rígida que o Google tomou em relação ao Orkut, que diminuiu a quantidade de conteúdo desse tipo”, explica Thiago Tavares, um dos diretores da organização.

Para ele, a iniciativa do Facebook é bem-intencionada, mas não é suficiente para tornar o ambiente um lugar completamente seguro. Entre as brechas na segurança que ainda persistem no site de relacionamentos sociais está a ausência de monitoramento de novas imagens. “O Photo DNA trabalha com a comparação entre as imagens publicadas e as previamente selecionadas como relacionadas à pornografia infantil. Então, se uma foto nova é publicada, até que seja descoberta e passe a fazer parte do banco da Ncmec ela não será reconhecida”, afirma Tavares. “Outra brecha é a ausência de monitoramento de textos. Isso é importante para prevenir o aliciamento de crianças e adolescentes pela internet.”

Brasil é o 2º maior consumidor de redes sociais

Embora seja aprovada por muitos pais, a nova ferramenta não é suficiente para mantê-los totalmente tranquilos. Para manter Beathriz, de 11 anos, protegida, a produtora cultural Sula Rezende aposta no controle permanente da filha no mundo virtual. “Tenho pavor que aconteça algo com ela. Sempre que a Camila está online, tento ficar por perto. Tenho no meu computador aqueles programas que bloqueiam sites pornôs e não deixo que ela entre de jeito nenhum naquelas salas de chat”, comenta a mãe. “Não sei se isso é o suficiente, mas é o que, como mãe, eu consigo fazer. Acho que em qualquer ambiente existe um certo perigo, mas tento me mobilizar para minimizá-los”, completa a brasiliense.

A atitude de Sula é endossada pela secretária-executiva Márcia Fernandez Freitas. Os gêmeos Fabrício e Gabriel, de nove anos, há muito já ganharam o mundo virtual. A mãe, entretanto, permanece aflita. “Quando eu tinha a idade deles, brincadeira de criança era correr debaixo do bloco. Hoje, eles preferem ficar na internet. Se eu deixar, passam o dia todo”, conta mãe. Além de tomar medidas semelhantes às da produtora cultural mãe de Beathriz, ela tem outra estratégia. “Pode parecer clichê. Papo de psicólogo, mas melhor que qualquer ferramenta é muito diálogo. Tento deixar eles muito cientes do perigo que correm, pois acho que é o melhor que posso fazer pelos dois”, completa a mãe.

Segundo Erika Kobayashi, coordenadora de programas da Childhood Brasil, ONG que trabalha no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no país, o papel dos pais no combate à pornografia infantil é essencial. “Costumo dizer que deixar um filho na internet sem supervisão é como deixá-lo sozinho em uma praça com 2 bilhões de pessoas. Os pais precisam lembrar que o simples fato de estar dentro de casa não quer dizer que a criança esteja segura”, afirma Erika. No Brasil, o problema é grave, pois o país é o segundo maior consumidor de redes sociais. “Além disso, 60% das crianças e dos adolescentes brasileiros têm perfis em redes sociais”, conta Erika.

Limite de idade

Mesmo elogiando a iniciativa, ela lembra que todo cuidado é pouco. “Mesmo com o desenvolvimento de estratégias tecnológicas, é importante ressaltar que as pessoas que praticam esse tipo de crime também desenvolvem formas de driblar essas ferramentas”, alerta Erika. “Assim, é extremamente importante que os pais fiquem de olho, orientem seus filhos e expliquem – sem serem alarmistas – que a internet é uma ferramenta excelente para a educação e comunicação, mas guarda os mesmos perigos do mundo real”, completa a ativista.

O papel da família é essencial, mas também é responsabilidade de toda a sociedade combater o problema, é o que acredita Casimira Benge, coordenadora de Proteção da Infância do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) no Brasil. “Acho que iniciativas como a do Facebook mostram que cada vez mais as empresas estão alinhadas com as suas responsabilidades perante a sociedade. É preciso democratizar o acesso à internet, mas também o controle a e segurança nesse acesso”, opina a especialista. “Apenas com a ação articulada, tanto das famílias quanto dos governos e das empresas, criando mecanismos de controle e promovendo as boas práticas na internet, é que problemas como a pornografia infantil serão solucionados”, conclui.

Oficialmente, a idade mínima para ingressar no Facebook é 13 anos. No entanto, não existe uma forma 100% confiável de se garantir que crianças com idades menores não ingressem na rede. Depois de uma convocação do Congresso Nacional da Austrália, a empresa precisou retirar do ar o perfil de mais de 20 mil meninos e meninas abaixo da idade mínima. A regra, baseada na legislação americana, encontra resistência, inclusive, do fundador do Facebook, Marck Zuckerberg. “Deixem os menores (de 13 anos) usarem meu site. A minha filosofia é que, para fins de educação, os usuários têm que começar cedo a usar o Facebook”, argumentou Zuckerberg.