Os jornais de sexta-feira (31/8) desmentem a si próprios ao publicar troca de bilhetes entre a presidente Dilma Rousseff e as ministras Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, e Izabella Teixeira, do Meio Ambiente. No texto, reproduzido por fotografia tirada durante reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a presidente cobra das ministras explicações sobre as notícias dos jornais dando conta de um suposto acordo entre o governo e a bancada ruralista para reduzir as exigências de proteção de rios na futura versão do Código Florestal (ver “Mais um retrocesso”).
A resposta da ministra Izabella Teixeira, escrita no bilhete que foi possível registrar com as lentes dos fotógrafos, diz que “não houve acordo”.
Na véspera, com fotos de comemorações entre integrantes da bancada ruralista, os jornais haviam publicado que um acordo entre o governo e esses parlamentares garantia benefícios maiores para propriedades rurais de grande e médio portes.
Com a cobrança da presidente e a negação da ministra do Meio Ambiente, cria-se uma dúvida nos leitores: qual edição estava certa? A de quinta-feira ou a de sexta-feira?
A questão, que é objeto de uma Medida Provisória com validade até o dia 8 de outubro, segue, portanto, em aberto, a se julgar pela resposta da ministra. Por determinação da presidente, a bancada governista no Senado deverá retomar a versão original da MP, que resultou de longas negociações finalmente concluídas.
Agentes incendiários
O ponto central da nova discórdia é o conceito de “escadinha” proposto pelo Executivo, estabelecendo um escalonamento para a obrigatoriedade de recuperar áreas desmatadas em margens de rios: assim, pequenos proprietários teriam de recuperar um mínimo de matas ciliares, os donos de propriedades médias seriam obrigados a recuperar faixas um pouco maiores e os imóveis de grande porte teriam que restaurar a vegetação em faixas plenas.
Pelo que se pode entender das contradições entre os jornais de quinta e os de sexta-feira, o entendimento foi apenas entre o relator, senador Luiz Henrique, e parlamentares que são donos de grandes propriedades em território da Amazônia Legal. Portanto, a discussão vai para o plenário.
Resta saber por que razão, mais uma vez, a imprensa compra como decisão oficial, resultante de entendimento entre governo e ruralistas, a versão de que teria havido um recuo oficial em benefício dos grandes proprietários de terras na Amazônia.
Por sua própria experiência, os jornalistas que acompanham a tramitação do projeto de mudança no Código Florestal deveriam saber que os parlamentares que representam os grandes desmatadores não costumam se destacar pelo alto nível de consciência quanto ao interesse nacional. Seus mandatos servem apenas ao propósito de reduzir o poder de controle do Estado sobre suas atividades privadas.
Por sua vontade, os integrantes da bancada ruralista simplesmente teriam suprimido o Código Florestal, abrindo espaço para seus tratores e seus agentes incendiários devastarem o que resta do patrimônio ambiental do país.
O limite do papel
Atuando nas regiões distantes dos grandes centros urbanos, onde a diversidade de interesses ensina na prática a necessidade da tolerância, eles representam os rincões mais obscuros do país, onde o limite da civilidade é mais curto e com frequência as divergências de opinião são resolvidas a bala.
Os números da violência contra ambientalistas e líderes de comunidades rurais que se opõem à expansão ilimitada dos desmatamentos autorizam a reduzir a confiança na palavra que empenham nas negociações oficiais.
Além disso, há outra questão rondando permanentemente o sistema de renovação diária de atualidades: embora contem com o recurso da internet para complementar, corrigir ou esclarecer dúvidas que ficam pendentes no momento de concluir a edição de papel, em geral os jornais não costumam avançar muito nos esforços de reportagens após o fechamento da edição diária. Assim, pode-se observar que mesmo as notícias postadas em horas avançadas nos sites e portais jornalísticos costumam manter a versão que vai sair no papel na manhã seguinte.
Essa dificuldade para mudar o processo de decisão decorre do temor de que uma versão da notícia publicada na madrugada pelo portal venha a desmentir antecipadamente aquilo que foi definido para a edição de papel.
Como resolver esse dilema?