Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ataque às crianças e adolescentes

Em fevereiro deste ano, o jornal O Globo deu publicidade à sua posição a favor da redução da maioridade penal. Na ocasião, o editorial sob o título “ECA não recupera menor infrator e desprotege sociedade” desferiu ataques frontais às crianças e adolescentes com argumentos periféricos à centralidade da proteção integral de crianças e adolescentes com prioridade absoluta. Em seguida, no inicio de abril deste ano, atualizou sua posição no editorial “Destravar o debate” pelo qual apresenta novos dados para subsidiar sua posição favorável à redução da maioridade penal mantendo a falta de objetividade e pluralidade preconizadas como guias técnicas para o exercício do jornalismo de qualidade.

Criticando o editorial publicado em fevereiro pelo O Globo, publiquei na edição 841 do Observatório da Imprensa o artigo “Um editorial contra crianças e adolescentes” tratando da precariedade dos dados utilizados fornecidos pelo Novo Degase (Rio de Janeiro) para ilustrar uma posição institucional a favor da redução da maioridade penal. Já em abril, o jornal preferiu ignorar os números do editorial anterior (Degase) e utilizou apenas os dados do Ministério da Justiça, mas apenas para ilustrar os mesmos argumentos apresentados anteriormente que prescreve a necessidade de “adequar a lei aos novos tempos”.

O título e subtítulo do editorial “Destravar o debate: aprovação da redução da maioridade penal em comissão da Câmara dos Deputados” indica que será feita uma discussão diferente da anterior, mas nada feito. O editorial adjetiva como sectarismo a posição contrária à alteração da idade de inimputabilidade na CCJ, assim um parecer favorável à alteração da lei seria um avanço que destravaria o debate necessário, preconizando cinicamente (sendo o único objetivo a alteração da lei) a Câmara dos Deputados como único local legítimo deste debate.

Responsabilizar e esclarecer a sociedade

As premissas do editorial como adequar a lei aos novos tempos e reduzir a maioridade penal para diminuir a criminalidade são evidências pelas quais a objetividade jornalística (técnica/científica), neste caso, é praticada no seu sentido mais datado possível, a partir da autoridade de quem fala e de onde fala, soando saudosamente de maneira autoritária. E na visão de outros, apenas atuando como partido político, no sentido de reunir pessoas numa instituição a fim de atingir certos objetivos.

De fato, para O Globo atender aos seus princípios editoriais, fazer jornalismo na direção da objetividade, precisa pluralizar sua discussão, sua produção, o debate, seus resultados, garantindo mais argumentos possíveis sobre o assunto tratado. Não estou aqui defendendo que o jornal não tenha sua posição, é que para esta ter validade, segundo seus próprios preceitos técnicos, precisa “nestes novos tempos de vastidão informacional” ser menos ansioso pelo momento de declarar sua opinião, por mais contraditória que seja, esta precisa emergir com certa autonomia atendendo aos novos rituais de autoridade.

O debate que está travado é o da proteção integral e o de criança e adolescente como prioridade absoluta no Brasil. Responsabilizar e esclarecer a sociedade sobre a proteção integral seria uma tarefa imprescindível a ser cumprida pela imprensa, mas está travado desde 1988. Como diz o editorial, o país precisa discutir, sem hipocrisia e salvaguardando a sociedade, a efetividade dos direitos da criança e do adolescente do orçamento público ao reconhecimento destes como sujeitos de direitos.

Um mero panfleto partidário

Nas abordagens seguintes no jornal sobre o tema é possível observar outros exemplos da falta de pluralidade como tratar como especialista em direitos da criança e do adolescente delegados (agentes da lei e do judiciário) ou trazer ao debate de maioridade penal apenas o “exemplo inglês” (onde a maioridade penal é aos 10 anos) ou trazendo uma pesquisa de opinião pública (DataFolha/2015) atribuindo a 87% da população brasileira favorável a redução da maioridade penal. Alguns exemplos de atores e abordagens ignorados no exercício da pluralidade seletiva são juízes, promotores de justiça, defensores públicos, conselheiros, sociedade civil, os exemplos de legislação da França, Noruega, Espanha, Suíça e Uruguai (maioridade penal aos 18 ou mais) e pesquisa de opinião pública sobre o nível informacional da população sobre direitos da criança e do adolescente e se a imprensa vem cumprindo seu papel na democracia fazendo circular informações de relevância deliberativa.

Contrapondo a posição do “novo” editorial de O Globo, a favor da redução da maioridade penal, motivado pelo impulso de sobrevivência, seria mais adequado que a grande imprensa ultrapassasse o seu antigo/atual papel de partido político e radicalizasse sua produção na objetividade a partir da pluralidade admitindo seu único papel possível numa democracia. No caso de O Globo, mesmo sendo resultado de um composto orgânico de autoritarismo militar, clientelismo, sociedade de massas, sonegação fiscal etc., para sobreviver como imprensa deveria se reinventar pela pluralidade em vez de se travar conservando-se ano após ano a um mero panfleto partidário.

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Juliano Sebastian é consultor de Comunicação Política e militante dos Direitos da Criança e do Adolescente