Não passou despercebido a muitos setores da atividade audiovisual o fato de que três filmes estrangeiros ocuparam sozinhos, nos últimos dias, cerca de 80% de todas as salas de exibição do país. Na semana passada, Shreck 3 estava em 705 salas, Piratas do Caribe 3 em 582 e O Homem Aranha 3, em 325. Considerando-se que o país tem 2.050 salas de exibição, isto significa que para todos os demais filmes (brasileiros e estrangeiros) restavam apenas 438 salas.
Ao mesmo tempo, o desempenho nas telas da maior parte dos filmes brasileiros tem sido pífio. Já não se fala dos chamados filmes ‘médios’ e ‘pequenos’ (documentários voltados para nichos estreitos etc). Tome-se uma produção de grande porte, com participação maciça da Globo Filmes, como Inesquecível. A distribuidora contava com 1,5 milhão de espectadores. O filme foi visto por 40 mil.
Não falta quem cobre neste momento uma mobilização maior por parte do setor cinematográfico para que esta situação seja revertida. Muito se tem discutido sobre isso na esfera das entidades cinematográficas e também no âmbito do governo. A questão de fundo, no entanto, está mais além e apenas ganha certa visibilidade com essa distorção. O que está por ser convenientemente entendido é a rápida modificação nos modelos de negócio que derivam da multifacetação do produto audiovisual.
Cachorros grandes
Não é mera coincidência, por exemplo, que os três blockbusters citados tenham em comum o fato de serem ‘parte 3’. Em Hollywood, o termo ‘filme’ está rapidamente sendo substituído por ‘franchise’. É neste, muito mais do que naquele, que pensa hoje a indústria. Treze Homens e Um Novo Segredo, a terceira parte de Ocean’s Eleven, é o exemplo desta semana.
Claro que essa não é uma boa notícia para a criação cinematográfica e muito menos para a produção audiovisual em geral, incluindo-se a televisão. Nem do ponto de vista artístico, nem industrial. A produção audiovisual tornou-se refém de mitos criados e propagados por marqueteiros, que na maioria das vezes não entendem nem de arte nem de indústria, mas sabem como vender os seus serviços. Não se deve a outra razão os meros 40 mil espectadores de Inesquecível, nem à mediocridade generalizada das ‘partes 3’.
A indústria cinematográfica não está sabendo como se comportar, por exemplo, em relação à pirataria que pode ser estimulada pelas transmissões de televisão digital terrestre, que começam dia 2 de dezembro no Brasil. Tem razões de sobra para estar atormentada. A indústria fonográfica não conseguiu combater a pirataria e está definhando por causa disso.
Na quarta-feira (20/6), o ministro Hélio Costa, das Comunicações, chegou a dizer, em coletiva à imprensa, que o governo brasileiro estava tomando providências para bloquear a gravação de conteúdo veiculado pela TV Digital, para conter a pirataria. No dia seguinte, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, encarregou-se de desmenti-lo. O assunto será tratado na próxima reunião do Comitê de Desenvolvimento do SBTVD, e a briga vai ser de cachorro grande. A primeira coisa que o governo terá que fazer é tomar medidas impopulares no momento em que está pedindo à sociedade para aderir ao novo sistema.
Sem erro
As produtoras internacionais estão pressionando as emissoras brasileiras por garantias de que o seu produto não seja pirateado e as emissoras repassam esta pressão para o governo. A verdade, porém, é que ninguém tem a menor idéia – nem no Brasil nem em qualquer outro país – de como evitar a generalização da copiagem e distribuição não-autorizada do conteúdo audiovisual com qualidade digital.
A eventual descoberta de uma solução para isso pode ser decisiva para evitar que ao cinema esteja reservado o triste destino da indústria fonográfica. O que existe de seguro é que não se pode agir digitalmente pensando analogicamente. Tudo o que era possível fazer para se evitar a pirataria no mundo analógico – controlando a circulação de cópias, até evitando a entrada de câmeras cinematográficas nos cinemas – já não faz o menor sentido. Assim como não faz sentido pensar na produção e distribuição de filmes da mesma maneira como isso era feito vinte anos atrás.
Se o presidente da República fosse falar sobre o assunto, poderia dizer, sem medo de errar, que jamais na história deste país o conhecimento da tecnologia esteve tão distante do conhecimento dos modelos de negócio que ela impõe e da adequação ao conteúdo à sua maneira de comercializá-lo.
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Jornalista e diretor de TV