Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O caminho alternativo 

A Constituição brasileira de 1988, quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, garante que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’ (Art. 5°, IX). Mas o que é visto é uma contradição do que é assegurado por ela. Isto porque, os veículos midiáticos pertencem, majoritariamente, às pessoas que têm o poderio econômico e político, o que restringe a divulgação das mensagens àquela classe. 

Entretanto, em relação à produção de bens informativos e culturais, o conhecimento acerca da comunicação alternativa, ou comunitária, permitiu identificar os percalços que o público subalterno tem em se expressar e se fazer audível na sociedade contemporânea, furando o bloqueio da divulgação concentrada. E concomitante a isso, a grande mídia desempenha o seu trabalho jornalístico com um discurso autoritário, o qual ‘não abre possibilidades para que o interlocutor interprete a seu modo a realidade, pois o sentido único já está nele constituído’ (HOFMANN, 1995). É possível perceber, então que os dois grupos buscam defender as suas idéias, o que confirma que não há de modo algum1imparcialidade e neutralidade.

O atalho para a visibilidade 

O termo comunicação, segundo o Minidicionário Ediouro da língua portuguesa, de Sérgio Ximenes, significa, dentre outras definições: ‘O processo de expressão e recepção de idéias, sentimentos, etc., entre duas ou mais pessoas, do ponto de vista da qualidade e da eficiência’ (1999, p. 176). Com isso, é notória a importância de se comunicar, visto que, de acordo com Michael Traber (2004), o ser humano é o único animal que tem a capacidade do discurso. Tal peculiaridade é o que difere o humano das plantas e dos animais irracionais. Por meio da linguagem é possível, então, aproximar pessoas separadas por barreiras geográficas e culturais. 

A possibilidade de ter um acesso mais livre às informações, a fim de manter informadas todas as pessoas, e, além disso, dar a oportunidade aos cidadãos que de praxe não compõem a cúpula que faz parte da produção das notícias, é o que propõe a democratização da comunicação. Contudo, esse conto de fadas não acontece na prática. A comunicação de massa nas sociedades capitalistas resume-se a apenas privilegiar uma pequena parte, em detrimento da outra, que é a maioria. Essa segregação é evidente, especialmente quando se trata da cobertura midiática. É perceptível tão somente a veiculação de interesses e pensamentos que fazem alusão à classe média e alta, enquanto a maioria, os negros, pobres e oprimidos, são mal vistos, tornando-os, então, minoria.

Para as autoras Anabela Paiva e Sílvia Ramos (2007), esses diferentes tratamentos são decorrentes não só dos interesses defendidos pelos meios de comunicação, como também da falta de conhecimento dos profissionais que atuam na cobertura desses espaços populares, e, além disso, do distanciamento que os jornalistas têm com assuntos no que tange a realidade dos pobres. Muniz Sodré propõe, nesse caso, uma inversão desses valores com o objetivo dessa camada ser ouvida, pois, para ele, ‘minoria é uma recusa de consentimento, é uma voz de dissenso em busca de uma abertura contra-hegemônica no círculo fechado das determinações societárias’ (2005, p. 14).

Neste sentido, o trabalho desenvolvido pelos profissionais da comunicação tem um compromisso com a sociedade, a fim de despertar nela o interesse de lutar pelos seus direitos e, ao mesmo tempo, de mantê-la informada. No entanto, é notório que essa atividade nem sempre (ou quase nunca) dá a possibilidade do receptor da mensagem dialogar com os meios que lhe forneceram tais informações, expondo assim, as suas opiniões. Isto é decorrente da ideologia defendida pelos veículos de comunicação ─ tomando como base os conceitos pré-estabelecidos pela sociedade ─ que delimita todo o trabalho jornalístico. 

De acordo com Néstor Gárcia Canclini (2008), os proprietários dos meios de comunicação de massa não estão preocupados com a qualidade e muito menos em formar públicos culturais com a capacidade de indagar o que lhe está sendo imposto. Esse artifício é, portanto um meio para a preservação do poder exercido nos MCM, que ‘curiosamente, eles estão sempre na mão de quem tem mais poder econômico. Como consequência, mais poder político’ (FNDC, s/d, p. 17).

Ainda seguindo essa perspectiva, é visto que tudo o que é apresentado pela mídia impressa, televisiva, radiofônica, e tantas outras, é moldado pela linha editorial do veículo visando apenas à obtenção do lucro e a disseminação das suas idéias. Para isso, é dada uma abordagem diferenciada na cobertura dos fatos, mostrando que não existe uma verdade absoluta. Vale ressaltar, que para o jornalismo existem as versões da história, e o que é apresentado, na maioria das vezes é a verdade do grupo hegemônico.

Concatenando com as idéias discutidas anteriormente a fim de corroborar que os meios de comunicação mascaram os acontecimentos, Michel Foucault (2002), diz que o explícito nas enunciações nem sempre traduz o que de fato é, ou seja, as entrelinhas dos discursos dizem muito mais do que está evidente. Além disso, o autor de Microfísica do Poder mostra que o discurso sempre é unilateral, partindo dos intelectuais e do grupo econômico para as massas. A autora Loraci Hoffman, explica o porquê deste acontecimento: 

Apenas a uns poucos é dado o direito de interpretar a realidade e, logo, de produzir sentidos para ela. À maioria é dado tão somente o direito de concordar com essa interpretação e incluir-se no rol dos seguidores conformados ou de se auto-excluir sempre que optar pelo pensamento independente (HOFFMAN, 1995). 

Porém, o conhecimento das minorias não depende, exclusivamente, dos ensinamentos do grupo hegemônico. Para Foucault existe um poder que anula o discurso e o saber dessas massas, em detrimento daquele grupo. Tal assertiva revela que este mecanismo é ainda válido, pois a grande mídia utiliza do seu poder de persuasão para aproximar de si esses indivíduos receptores, fazendo com que eles se distanciem dos seus princípios e absorvam os valores da classe dominante.

A comunicação comunitária veio com o intuito de democratizar a difusão de informações e através disso dar vez e voz a camada que fica à margem da produção dos conteúdos midiáticos. Ela atua, ou pretende atuar, em um discurso contra-hegemônico nas fissuras da comunicação de massa em nível foucaultiano da micro-física do poder. A cartilha da Fundação Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) ratifica esse pensamento, ‘uma boa rádio comunitária é aquela na qual a comunidade está presente não só na ponta do radinho de pilha, mas também dentro do estúdio ou na assembléia da associação que decide os rumos da emissora’ (FNDC, s/d, p. 25). 

Então, é vista a possibilidade dos movimentos populares ─ representantes da camada subalterna, a qual só é retratada na grande mídia referenciando à violência e drogas ─ poder se expressar em sua comunidade mostrando o lado oculto, pouco explorado pelos mass media. Segundo Cicília Peruzzo, na década de 70 e 80 a comunicação popular:

Centrava-se na proposta de contestação ao status quo, conscientização política e organização para transformação da sociedade capitalista. Atualmente, apesar de algumas premissas continuarem vivas, a conjuntura é outra e as preocupações das pessoas também, e assim vão sendo incluídas novas temáticas e mudando as linguagens e tipos de canais adequados ao momento atual. Hoje o cerne das questões gira em torno da informação, educação, arte e cultura, com mais espaço para o entretenimento, prestação de serviços, participação plural de várias organizações (cada uma falando o que quer, embora respeitando os princípios éticos e normas de programação) e divulgação das manifestações culturais locais (PERUZZO, 1998, p.152). 

Em tese, nos veículos comunitários podem ser divulgadas notícias sobre a comunidade, além de serviços que interessem a todos aqueles que vivem naquele local. Além disso, a mensagem certamente atingirá grande parte do público, pois os assuntos tratados serão transmitidos com uma linguagem própria, familiar àquele ambiente, e com todas as suas peculiaridades.

Contudo, na prática, a disseminação das informações de interesse da comunidade faz com que o emissor caia no mesmo erro da grande mídia. Aquela postura de manipulação – objetivando divulgar assuntos sob a ótica capitalista, relegando a massa – antes criticada pela camada marginalizada, é agora também exercida por ela.

O sujeito se constitui em autor quando produz seu próprio texto, quando fala ou escreve repetindo ou interpretando (até onde é possível a interpretação) o que leu, viu ou ouviu. É enquanto autor que mostra ter incorporado outros discursos e, sem se dar conta, torna-se ele também um reprodutor e difusor de idéias, um manipulador (HOFMANN, 1995). 

Considerações finais 

Então qual é o risco que as minorias correm ao passar de receptor para produtor e emissor das mensagens? O de se tornar igual àquele grupo detentor da informação, que divulga apenas uma das vertentes dos fatos, e sempre deixa a camada subalterna marginalizada. Para que isso não ocorra, é necessário que a comunidade crie mecanismos que não validem a concentração da produção de notícias, como a disseminação de informações sem partidarismo.

Enfim, há sim a possibilidade de existir um meio de comunicação que não seja coordenado por políticos e empresários, visando apenas os lucros. Este veículo comunitário pode dar certo se tiver compromisso com o seu público e estiver disposto a manter a sua comunidade informada.

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Referências bibliográficas

Cartilha democratização da comunicação: como domar essa tal de mídia?, FNDC, s/d. Disponível em www.fndc.org.br, acesso em: 30/05/2009 às 10:31 

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder; organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 26ª ed.1979.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Latino-americanos à procura de um lugar neste século; tradução Sérgio Molina. São Paulo: Iluminuras, 2008. 

PAIVA, Anabela; RAMOS, Silvia. Mídia e Violência: Tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007 

PERUZZO, Cicília M. Krohling. ‘Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania’. Artigo. 

SODRÉ, Muniz. ‘Por um conceito de minoria’. In: BARBALHO, Alexandre; PAIVA, Raquel. Comunicação e cultura das minorias. São Paulo: Paulus, 2005.

TONUS, Loraci Hofmann. ‘Do discurso enquanto constituinte da realidade’. Artigo. 

TRABER, Michael. ‘A comunicação é parte da natureza humana: uma reflexão filosófica a respeito do direito a se comunicar’; tradução Luciano Sathler. Artigo, 2004. 

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Estudante de Jornalismo, Salvador, BA