O que a imprensa pode fazer – além de noticiar – para ajudar a diminuir o número de crianças recém-nascidas abandonas pelas mães? Essa é a pergunta que fica depois da leitura de um longo artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo (15/5):
‘Foi mais uma semana de crianças abandonadas, inclusive por grande parte da mídia. Na quarta-feira, um catador de lixo encontrou um bebê morto perto de um hipermercado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Ele procurava latinhas de alumínio quando se deparou com um embrulho de pano inerte entre uma dezena de sacolas não recicláveis. Já na quinta-feira, um homem que cochilava numa igreja evangélica de Manaus foi acordado por outro que ouvira um choro de criança vindo do palco. Os dois acharam uma menina com menos de 12 horas de vida e mais de 3 quilos de peso, também envolta em manta de algodão, que, uma vez na Maternidade Ana Braga, referência em gestações de alto risco, foi batizada de Felícia. Felícia Ana Braga’ (O Estado de S. Paulo, 15/5/2011).
Ao dedicar uma página inteira para que a demógrafa Elza Berquó discutisse o abandono de crianças recém-nascidas, o Estadão ainda não tinha recebido mais uma notícia de abandono, registrada pelo UOL no mesmo domingo (15):
‘Um bebê foi abandonado na noite de ontem (14/5) dentro de uma sacola plástica, na rua Diadema, em Rio Grande da Serra, na Grande São Paulo. A mãe da criança não foi encontrada. O bebê foi encontrado por uma moradora, por volta das 22h40. Segundo a Polícia Militar, a mulher afirmou que ouviu o choro da criança quando chegou em sua residência e passava pelo quintal. Ela então seguiu o som e encontrou o bebê – do sexo masculino – dentro de uma sacola. A moradora chamou a PM, que encaminhou o menino para o Hospital São Lucas, em Ribeirão Pires, também na Grande São Paulo. A criança, que ainda estava com o cordão umbilical, foi medicada. O Conselho Tutelar também foi acionado.’
‘Mulher desalmada’
A verdade é que o abandono de crianças recém-nascidas sempre cria comoção, especialmente quando explorado pelos programas policiais vespertinos na televisão. Apresentadores sensacionalistas tentam comover o público com sua indignação, condenam as mães e esquecem o assunto até acontecer de novo. E, como se viu na abertura do artigo publicado pelo Estado de S. Paulo, tiveram muito que falar na semana passada.
Poucas emissoras de TV e jornais, no entanto, reservam espaço para discutir o assunto com seriedade, buscando causas e tentando descobrir soluções para evitar que as mulheres – as grandes culpadas (por engravidar e depois por abandonar o bebê) voltem a agir de forma tão bárbara. Claro que a imprensa não está aí para resolver problemas de saúde pública, educação sexual e assistência materna. Mas poderia, sem dúvida, cobrar soluções do poder público, começando por abrir um sério debate sobre o tema.
Foi isso que fez o Estadão ao dar espaço para a demógrafa Elza Berquó:
‘O abandono de crianças no Brasil tem um nome: desespero. Seguido de uma extensa gama de sobrenomes, entre eles falta de escolaridade, falta de informação, falta de acesso aos métodos contraceptivos, falta de apoio e falta de humanidade… Não tenho informação sobre a idade dessas mães que abandonaram os filhos nem sobre o número de crianças que já possuem. Certamente são pessoas mais desfavorecidas socialmente, mas não é só a questão financeira. É uma constelação de fatores. Considero este um momento de total desespero, de não saber o que fazer. É com grande sofrimento que as mulheres praticam esse abandono. Claro que, na hora, a gente se liga àquela criança. Mas onde essa mãe vai deixar o filho? No Conselho Tutelar? Não é assim. Esbravejam: é uma mulher desalmada. Isso é uma forma muito pouco humana de olhar para a situação dela.’
Funções da imprensa
Uma coisa é certa: a imprensa sensacionalista não tem direito de explorar esse tipo de situação – condenando sem perguntar antes – em nome do ibope. Se não há espaço para debate, para tentar ajudar, não deveria haver espaço para a exploração da miséria alheia. Essas mães desesperadas deveriam merecer da mídia o mesmo tratamento dado ao casal de Curitiba – o dos trigêmeos – que não queria levar os três filhos para casa e acabou, até onde foi divulgado, ficando sem nenhum. Com dinheiro para contratar um advogado, o casal virou notícia, mas conseguiu manter sua identidade protegida. Bem mais do que acontece com as mulheres pobres que acabam detidas ou obrigadas prestar depoimento em delegacias – vistas e condenadas pelo público espectador de programas sensacionalistas.
Se os programas sensacionalistas – que têm boa aceitação entre o público mais carente – dedicassem mais espaço ao esclarecimento sobre os serviços à disposição de todos (como o fornecimento de pílulas do dia seguinte pelo SUS, ou acompanhamento de futuras mães) poderiam até perder ibope com casos de bebês abandonados, mas estariam cumprindo pelo menos uma das funções da imprensa, que é a de informar.
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Jornalista