O noticiário sobre casos de corrupção parece, no sentido invertido, uma cornucópia, o mito greco-romano da fertilidade e abundância eternas. Só que em vez de derramar riqueza, alimentos e felicidade, esparrama continuamente sobre a sociedade seu conteúdo de delinquências que deterioram a reputação da democracia representativa, transformando em regra a impunidade.
O caso mais recente, que corre paralelo a tantos outros, envolve um obscuro funcionário da prefeitura de São Paulo. Obscuro até ser descoberto pelos jornais, porque depois de seu afastamento desenrola-se mais um fio a lembrar outro mito grego, o de Teseu e Ariadne.
Tudo isso para lembrar que a corrupção é tão antiga como o mundo, mas ninguém perde por apostar na criatividade daqueles que estão dispostos a sacar do patrimônio público para resolver sua vida particular.
Preços módicos
O caso trazido pelos jornais nos últimos dias se refere ao cidadão chamado Hussaim Aref Saab, que foi até recentemente responsável por aprovar obras de médio e grande porte na capital paulista. Segundo os jornais, o senhor Saab costumava distribuir licenças de construção em troca de bons negócios para si.
Durante os sete anos em que foi encarregado de disciplinar os novos empreendimentos imobiliários na cidade, tornou-se proprietário de nada menos do que 118 imóveis, que valem no mínimo R$ 50 milhões.
O prefeito Gilberto Kassab, que o manteve no cargo durante quase todo o tempo em que administra o município, vem a público para se declarar surpreso com a instigante capacidade do ex-assessor para fazer crescer seu patrimônio. A cada dia, os jornais trazem uma nova conquista desse verdadeiro paladino da iniciativa privada com capital público.
A rigor, pelo que se noticia, o senhor Saab não demonstra outro talento que o de negociar com as atribuições que lhe deu o prefeito. Portanto, não deveria ser o único a ser investigado e questionado. Em outras circunstâncias e diferentes instâncias, a imprensa sempre tem buscado identificar a linha de comando quando investiga denúncias de corrupção. No caso do senhor Aref Saab, parece que ele agiu isoladamente durante dois mandatos, sem nunca ter chamado a atenção de seu chefe.
A mais recente descoberta dos jornais, publicada na quarta-feira (16/5), conta que o aplicado funcionário praticava o velho golpe de criar dificuldades para vender facilidades: demonstrava grande interesse por empreendimentos imobiliários em situação problemática, como terrenos contaminados e áreas destinadas a preservação ambiental.
Em troca da legalização, gostava de receber imóveis, que formalmente “adquiria” por preços módicos. Assim, pode “comprar” por R$ 200 mil apartamentos avaliados em mais de R$ 1 milhão. Exonerado quando a história estava prestes a ser denunciada pela imprensa, ele agora é apresentado como o delinquente solitário que se aproveitou da confiança do prefeito.
Pessoas jurídicas
Mas há muito ainda a ser investigado. Os jornais revelam, por exemplo, que pelo menos uma grande empresa do setor imobiliário fez negócios com ele. A Servcenter, proprietária de megaempreendimentos como o World Trade Center de São Paulo, teria remunerado o senhor Aref Saab, no ano de 2006, por “prestação de serviços de assessoria empresarial” em nome de uma consultoria que só veio a ser criada em 2008.
Evidentemente, segundo dizem os jornais, a “empresa” do senhor Saab foi constituída posteriormente para “lavar” a operação de propina.
A Servcenter teria pago em imóveis, repassando ao diligente funcionário público seis apartamentos na valorizada região do Parque Ibirapuera. Um dos favores prestados por Saab teria sido a renovação do alvará de funcionamento do complexo conhecido como World Trade Center, que abriga um grande número de empresas, um hotel e um centro de lojas e conveniências na zona sul da cidade.
Representantes da empresa beneficiada afirmam, obviamente, que uma coisa nada tem a ver com a outra e seus advogados estão certamente correndo para justificar o pagamento por “serviços de consultoria”. Mas não precisam se dar tanto trabalho. A imprensa costuma ser tolerante com pessoas jurídicas, em especial aquelas do setor imobiliário, que alimentam os cadernos de anúncios.
Para o bem de todos, a cadeia de responsabilidades deve mesmo iniciar-se e terminar no senhor Aref Saab.