Bastou que seu projeto político fosse ameaçado pelo movimento de boicote ao IPTU, que uniu moradores de oito barros da Zona Sul, um da Zona Norte e um da Zona Oeste, para o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (DEM) admitir o que, até então, apenas setores das forças democráticas afirmavam explicitamente: a imprensa está estruturada como partido e atua com tal.
Embora com ingredientes folhetinescos, a trama que nos interessa envolve mídia e poder. A ação se passa em terras cariocas e seus protagonistas têm origens distintas e propósitos inconfessos. São dois aliados que, já há algum tempo, trocavam escaramuças: a direção regional do DEM (ex-PFL) e a TV Globo.
César Maia, dublê de regente de vaias e prefeito blogueiro, vinha acusando a emissora de promover uma campanha direcionada, com objetivos de atacar sua imagem pessoal junto à classe média, estrato que sempre lhe deu sustentação político-eleitoral. As queixas remontam à cobertura dada à intervenção que o governo federal fez na área de saúde, em março de 2005. Ano passado, Maia voltou a reclamar do foco dado ao tema favela. Segundo ele o alvo era sua administração.
Para ele, ‘a diversidade de matérias, de uso de imagens fortes com até fotomontagem na capa, o que não há caso no jornalismo internacional de ponta, a personalização de responsabilidade na figura do prefeito, exatamente quando a taxa de crescimento das favelas no Rio se aproxima da taxa de natalidade tinha por objetivo servir a uma campanha política e, portanto, destrutiva e criminalizar a população favelada’.
Ação entre amigos
Mas a gota d´água para ‘o imperador dos factóides’ ainda estava por vir. O protesto, motivado pela situação calamitosa em que se encontra a cidade, e que pode comprometer 34% da arrecadação da prefeitura com o IPTU. Ameaçando só pagar em novembro ou dezembro, os representantes do movimento deixam claro seus objetivos: reduzir o caixa do município em ano eleitoral e chamar a atenção do Ministério Público quanto ao gasto dos recursos. Um ato público foi marcado para domingo (20/1), na orla do Leblon, bairro da Zona Sul.
Com o líder do governo na Câmara Municipal, Paulo Cerri, chamando os moradores que aderiram ao protesto de ‘cidadãos de segunda classe’, o desespero bateu forte nas hostes dos demos. Após anos de uma gestão de total descaso com a saúde e educação públicas, o prefeito, acuado, contra-atacou em seu ‘ex-blog’, boletim eletrônico distribuído diariamente:
‘Os estudiosos dizem que a `doença infantil do jornalismo´ é não entender qual seu campo de atuação e sua função, e atuar como um partido político. Ou seja, disputando poder pelo poder, apoiando ou denegrindo. O Globo atua como um partido político no Rio. Não aceita um governante com autonomia e independência. Gosta de governantes submissos, reativos à suas matérias, que se sentem à mesa com intimidade.’
Há coisas que só acontecem em brigas de quadrilha ou durante separações litigiosas. O que temos acima é algo inédito e impensável: o DEM denuncia o PIG (Partido da Imprensa Golpista). Ainda que, cautelosamente, lhe defina como agremiação regional. Que as arestas serão aparadas não há dúvidas. Mas que a partidarização da imprensa foi explicada didaticamente, ninguém pode negar. E por um aliado que fez dela sua cabeça-de-ponte em várias ações entre amigos. Só podia ser da Globo…
***
Aos leitores do Observatório: O objetivo desse pequeno artigo é tão-somente demonstrar que a partidarização da imprensa não é algo que seja percebido exclusivamente pela base de apoio ao governo, que chegou a adotar o acróstico (PIG), criado por um leitor do site Conversa Afiada e adotada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim. Basta que interesses sejam contrariados para que atores políticos dos mais variados matizes admitam o óbvio. Mas não sejamos nós os ‘inocentes do Leblon’. O que leva O Globo a essa cruzada é, antes de tudo, impedir que favelas sejam urbanizadas. Prefere, juntamente com seus leitores, vizinhos ao Morro dos Cabritos, a velha política de remoção de inspiração lacerdista. É preciso muito cuidado na hora de separar o joio do joio.
******
Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ