A Constituição (artigo 210) e a Lei de Diretrizes e Bases (artigo 33) estabelecem a obrigatoriedade do ensino religioso facultativo na escola pública, respeitando a independência do Estado em relação às religiões (artigo 19 da Constituição).
Esse ensino poderá ter caráter confessional, desde que aberto à diversidade religiosa, como propõe o acordo entre o Brasil e a Santa Sé, ou deve ser obrigatoriamente não confessional, como propõe a Procuradoria-Geral da República?
Ao longo da história, as religiões têm sido o lugar de encontro entre as éticas privada e pública, em que o sentido da vida deixa de ser questão individual para se tornar uma construção social.
O ensino religioso é um direito do jovem porque favorece a reflexão sobre o sentido da realidade e também a comparação entre sua tradição cultural, suas experiências pessoais e as propostas que encontra na sociedade.
A ausência do ensino religioso na escola não aumenta a liberdade dos jovens, mas a reduz, tornando-os mais suscetíveis a uma doutrinação camuflada -praticada por Estados totalitários e pela cultura da sociedade de massa.
Numa sociedade plural, o ensino religioso deve ser um espaço de encontro que não anula as identidades, mas que ajude a responder ao desejo de sentido das pessoas.
Não deve representar a imposição de uma crença, mas a possibilidade de as várias crenças se encontrarem e se compararem, para que cada um possa -com liberdade- optar por aquilo que lhe parece mais verdadeiro.
Doutrinação e domininação
O desafio da pluralidade não pode ser resolvido por meio de um suposto ensino neutro e não confessional, pois essa neutralidade não existe. Ateísmo e agnosticismo não são alternativos à religião, mas, sim, respostas determinadas à questão religiosa.
Um ensino religioso não confessional determinado pelo Estado equivale à dominação de uma posição laicista sobre as demais.
Enquanto em nossa sociedade as religiões se reconhecem como ‘confissões’ e aceitam o direito de existência das outras, esse laicismo se considera acima das religiões, capaz de uma neutralidade que na verdade não existe.
Para respeitar a liberdade do aluno, o ensino religioso deve ser uma reflexão coletiva sobre o senso religioso de cada um e suas implicações sobre os sentidos da vida e da realidade. Como em qualquer disciplina, seu professor, para ter uma postura aberta e não doutrinária, deve reconhecer e explicitar seus pressupostos -o que, nesse caso, corresponde ao testemunho de suas convicções.
O desafio por trás dessa polêmica é o da amizade entre educador e educando como um vínculo que pode superar as barreiras ideológicas e os preconceitos, levando a um encontro com o outro e consigo mesmo. Se essa é uma utopia irrealizável, não só o ensino religioso, mas qualquer ensino, será sempre doutrinação e dominação. E a própria educação, como proposta humanista, será vã.
******
Coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP e um dos organizadores dos livros Um Diálogo Latino-Americano: Bioética & Documento de Aparecida (Difusão, 2009) e Economia e Vida na Encíclica Caritas in Veritate (Companhia Ilimitada,2010)