Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

INTERNET
Patrícia Campos Mello

Blogueira vira referência na campanha

‘Seja para arrecadar recursos de campanha, espalhar boatos sobre adversários ou fazer a chamada propaganda viral, os blogs prometem esquentar as eleições americanas de 2008. E a superblogueira Arianna Huffington, dona do popular blog de esquerda Huffington Post, já se prepara para a briga cibernética que vem por aí. O Huffington Post surgiu em maio de 2005 como a resposta da esquerda, ou dos liberais, como se diz por aqui, para o altamente visitado blog conservador Drudge Report.

Mas Arianna fez mais que isso – tirou os blogs do domínio de anônimos e os trouxe para a esfera das supercelebridades e insiders políticos. A começar por ela mesma, socialite convertida numa das mais famosas comentaristas políticas nos EUA e eleita pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do país no ano passado.

O que dizer de uma mulher que se casou com um multimilionário gay, concorreu ao governo da Califórnia e passou por uma transformação radical – de conservadora renhida, que aconselhava o republicano Newt Gingrich, para ‘liberal’, que defende temas ambientais e se alinha com os democratas?

Arianna nasceu na Grécia há 57 anos, foi morar em Londres quando tinha 16 anos e formou-se na Universidade de Cambridge. Ela publicou seu primeiro livro, uma pioneira crítica ao feminismo chamada A Mulher Feminina, aos 22 anos. O livro fez um enorme sucesso na Europa e catapultou Arianna para o centro da cena intelectual de Londres. Arianna namorou por muitos anos o endeusado jornalista inglês Bernard Levin, que foi um dos principais colunistas do jornal britânico The Times. Levin tinha ‘metade da altura de Arianna e o dobro de sua idade’, como diziam as más línguas. Mas o intelectual inglês foi a grande paixão de Arianna. Solteirão convicto, não quis casar com ela.

Depois da decepção amorosa, a grega mudou para os EUA, onde se tornou figurinha fácil em festas da alta sociedade nova-iorquina. Continuou escrevendo livros, entre eles a biografia de Maria Callas. Em 1986, ela se casou com o multimilionário do petróleo Michael Huffington, que foi deputado pelo Partido Republicano. Na época, Arianna começou a escrever comentários políticos, de inclinação bastante conservadora.

Em 1997, Arianna e Huffington se separaram e, um ano depois, o milionário saiu do armário. Huffington afirmou, até mesmo, que Arianna já sabia que ele era gay desde o dia em que eles casaram. Ela nega.

Arianna divorciou-se de Huffington e também do conservadorismo. Mudou-se para Los Angeles com as duas filhas, onde passou a ser vista ao lado de políticos do calibre do reverendo Jesse Jackson. Ela organizou o Projeto Detroit, uma campanha ambientalista que ganhou ressonância com uma série de propagandas na TV contra o uso dos utilitários esportivos, os SUVs. Em um dos comerciais, donos de utilitários diziam: ‘Eu mandei nosso soldados para a guerra’.

Em 2003, Arianna lançou-se candidata independente ao governo da Califórnia, disputando o cargo com Arnold Schwarzenegger, mas seu desempenho foi pífio. Desistiu antes da eleição, com intenções de voto abaixo de 2%.

Para esta habitué dos holofotes, críticas nunca faltaram. Durante as campanhas políticas do marido, nas quais ela era a coordenadora de facto, Arianna foi chamada de ‘Lady MacBeth da direita’. A grega foi apontada como uma das maiores alpinistas sociais de todos os tempos. Depois, quando se tornou colunista liberal, jornais disseram que ‘ela troca de ideologia como troca de roupa’.

Com seu blog não foi diferente. O Huffington Post recebeu críticas duras quando estreou. Foi tachado de site fútil, desvirtuador do perfil alternativo dos blogs, símbolo da ‘blogosfera das vaidades’. Mas hoje tem 2,3 milhões de visitantes por mês.

Entre os blogueiros do Huffington Post estão o escritor Norman Mailer, Nora Ephron, Larry David (criador do Seinfeld), Katrina Vanden Heuvel, editora da revista de esquerda The Nation, o jornalista James Fallows, a ex-New Yorker Tina Brown, insiders políticos como Harry Reid, líder da maioria no Senado, além de vários deputados e lobistas.

O site deu vários furos – no caso Scooter Libby, por exemplo, levantou a lebre para a atuação da jornalista do New York Times Judith Miller, que se fez de mártir e foi para a prisão para não revelar sua fonte, mas descobriu-se depois que seu papel na história do vazamento da agente da CIA Valery Plame não era tão inocente assim.

O Huffington Post acaba de receber um investimento de US$ 5 milhões de um grupo de capital de risco e está montando uma equipe para cobrir as eleições de 2008. De alvo de chacota, Arianna e o Huffington Post se transformaram em ponto de referência. Um dos segredos de Arianna é que ela não tem papas na língua. Em entrevista à revista Time no ano passado, disse sobre Hillary Clinton: ‘O cheiro do medo é como perfume barato em volta dela: ‘Eau de não deixe eu estragar tudo e jogar minhas chances pela janela’….por isso, com medo de perder e tentando agradar a todos, Hillary ficou pasteurizada. Cada palavra que sai de sua boca passa por – o que os assessores vão pensar disso? Como será visto nas pesquisas? Será que as mulheres de 25-35 no leste de Ohio vão aprovar?’

A camaleoa Arianna promete não descansar a língua ferina nestas eleições.’

Emilio Sant’Anna e Fábio Brito

‘Second Life’ já tem 4 milhões de usuários, 100 mil deles brasileiros

‘No sábado de carnaval, uma festa reuniu cerca de 150 pessoas em uma ilha paradisíaca, com direito a trio elétrico, abadá e telões mostrando ao vivo a folia em Salvador. Se você perdeu, fique tranqüilo. Não foi nenhum evento vip freqüentado apenas por celebridades, mas um encontro num ambiente virtual, criado num jogo de computador chamado Second Life (SL).

Na internet (www.secondlife.com) desde 2003, o simulador tem hoje cerca de 4 milhões de usuários e chama a atenção de especialistas, alertas quanto a possíveis abusos.

Composto por diversas ilhas onde as pessoas compram ou constroem suas casas, o jogo tem até moeda própria, o linden dollar (L$). Já existe um mercado em que pessoas compram créditos no jogo – pagando com dinheiro de verdade.

Não demorou muito até o sucesso do SL chegar ao Brasil, onde estima-se que existam quase 100 mil jogadores. Ali, podem viver uma existência paralela, interagindo com pessoas de diferentes culturas.

Mas, assim como na vida real, sexo, apologia das drogas e violência também encontram seu lugar no jogo. Basta um rápido passeio por algumas das ilhas do SL para se deparar com ofertas de sexo, personagens consumindo entorpecentes e andando armados.

Há quatro meses, Bernard e Thaís, ambos de 22 anos, vivem a experiência de ter uma vida dupla. Namorando a distância (Bernard mora em Ribeirão Preto e Thaís em São Paulo), o casal encontrou no jogo uma forma de ganhar dinheiro bastante conhecida na vida real.

O personagem de Bernard no jogo é cafetão do personagem de Thaís, que se prostitui por até L$ 3 mil na vida virtual.

As inspirações vindas do mundo real não param por aí. Preocupado em aumentar seus ganhos, que prefere não revelar, Bernard resolveu incrementar seu negócio: vendeu drogas. Virtuais, é claro. Os efeitos do ‘entorpecente virtual’ deixam os personagens do jogo com movimentos descontrolados.

EXTRAVASAR NA INTERNET

Para o psicólogo Erick Itakura, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em internet e estudioso do jogo, as atitudes de Bernard e Thaís podem ser uma forma de o casal lidar com suas fantasias. ‘O ambiente pode dar mais segurança para a pessoa se soltar’, diz.

Itakura, no entanto, alerta para alguns problemas, como o uso abusivo do jogo. ‘Em 2000 começaram a aparecer os primeiros casos de pessoas viciadas em chats’, revela. ‘Quando interfere na vida da pessoa e ela deixa de ir à aula ou ao trabalho após passar a noite jogando, torna -se um problema.’

Apesar de tratar ainda um pequeno número de dependentes em internet, o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad/Unifesp), acredita que a tendência é de aumento acentuado. ‘Daqui a algum tempo teremos um boom de pessoas em tratamento’, diz.

O fato de o sexo ser um dos componentes de maior atração em jogos desse tipo, para o psiquiatra, é uma forma de as pessoas realizarem o que não conseguem em seu cotidiano.

ABALOS NA ‘FIRST LIFE’

O realismo das cenas de sexo no jogo acaba estremecendo relacionamentos reais. Foi o caso do militar P., de 40 anos, que prefere se identificar como seu personagem, ‘P. Hush’.

Casado, pai de duas filhas, diz que sua mulher teve ciúmes de suas atitudes dentro do SL, principalmente depois de saber que ele fazia sexo virtual. ‘Isso ocorreu no jogo umas seis vezes’, diz. ‘Expliquei para a minha mulher como funcionava e dei a garantia de que tudo o que acontecer lá ficará só no jogo. Não é uma coisa que fico procurando direto. Se surgir a gente brinca. Não pega aids mesmo.’

No Second Life também há quem procure abrigo na máfia. Uma cafetina, identificada apenas como Cicciolina, afirma levar a vida do crime virtual a sério. Além de comandar 20 meninas, ela conta ter negócios em outras áreas, como tráfico de armas e segurança particular. ‘Mas aqui no SL, depois da venda e aluguel de terrenos e das lojas de roupas, o que mais dá lucro é a indústria do sexo.’

Ainda há, porém, coisas proibidas no SL. A Linden Lab, empresa que administra o jogo, pune com expulsão do mundo virtual quem cometer discriminação e preconceito.’

Ethevaldo Siqueira

A magia da virtualização a serviço do homem

‘A natureza nos proporciona poucas situações de contato com o virtual. Por isso, o homem primitivo se encantava com a própria imagem refletida nas águas tranqüilas de um lago, com o mesmo fascínio que o selvagem revela diante de um espelhinho.

Que é virtual? Leio num dicionário de tecnologia que ‘virtual é a qualidade daquilo que tem a mesma essência, aparência ou produz os mesmos efeitos de outra coisa’. A realidade virtual, por exemplo, cria ambientes ou situações que nos permitem caminhar, mudar de direção e de perspectiva, dando-nos a perfeita sensação de estarmos num espaço tridimensional e simulando de forma quase perfeita o mundo real.

A tecnologia tem diversos caminhos e opções para criar esse mundo virtual no computador. Mais do que isso: o potencial da virtualização é tão grande, com tantas vantagens práticas, que chega a constituir um novo campo da informática, simulando máquinas e ferramentas, aplicativos e recursos jamais sonhados no passado.

Por sua abrangência, contudo, o conceito de virtualização ainda não é bem compreendido pelo usuário comum. E, pior, as definições, na linguagem cifrada dos especialistas, não ajudam muito. Vejam esta pérola: ‘Virtualização pode ser o modo de apresentação ou agrupamento de um subconjunto lógico de recursos computacionais de tal forma que possam ser alcançados resultados e benefícios como se o sistema estivesse sobre a configuração nativa’.

MÁQUINAS VIRTUAIS

Fiquemos, então, com o lado essencialmente prático da virtualização e, em especial, de suas aplicações mais interessantes. Uma delas consiste em se criar uma máquina virtual dentro de nossos computadores ou servidores, permitindo que o microprocessador simule a existência de outro processador capaz de rodar sistemas operacionais iguais ou diferentes. Não é uma tecnologia multitarefa ou hyper-threading, que simula dois processadores para o mesmo sistema operacional.

O mundo enfrenta hoje o problema da subutilização de computadores, servidores e data centers. Daí o grande valor prático da virtualização. Com ela, podemos usar esses recursos de forma mais intensa e racional. Como usuário individual, não uso mais do que 4% ou 5% do potencial de meu desktop, mesmo trabalhando nele 10 horas por dia. Imagine quantos milhões de máquinas subutilizadas existem no mundo.

No passado, a virtualização só era aplicada em mainframes, ou seja, em máquinas de grande porte, com o objetivo de reduzir custos administrativos. Como os computadores pessoais modernos têm suficiente poder de processamento, podemos, então, usar a virtualização, para simular a existência de muitas máquinas virtuais menores, cada uma delas rodando num sistema operacional independente e separado.

Para utilização prática da virtualização, já existem programas de sucesso, como o VMware, e o KVM (que é um módulo do núcleo do Linux) e o Xen – estes dois últimos, plataformas abertas. A abreviatura VM significa Virtual Machine, ou máquina virtual, ou seja, a virtualização de hardware para rodar mais de um sistema operacional ao mesmo tempo, graças às chamadas camadas de abstração de hardware, como por exemplo o Xen.

UM EXEMPLO

Há uma grande competição entre os fornecedores de ferramentas e soluções comerciais de virtualização. Conhecer uma empresa de virtualização ajuda-nos a entender melhor o alcance dessa tecnologia. Com esse propósito, ouvi recentemente Khartik Rau, vice-presidente da Vmware Inc., de Palo Alto, Califórnia, empresa que desenvolveu o produto VMware, em seu centro de pesquisa em Cambridge, Massachusetts. O nome da empresa é uma espécie de trocadilho com a expressão Virtual Machine.

Khartik Rau lembra que, graças a esse software, os novos computadores Macintosh com chip Intel podem transformar-se em verdadeiras feras, rodando não apenas seu sistema operacional original OS X, como também Windows, Linux, NetWare ou Solaris.

Nas empresas, uma das tendências de aproveitamento máximo da infra-estrutura tem sido, até aqui, a consolidação de servidores, estratégia que consiste em utilizar equipamentos mais robustos, que disponham de mais recursos de processamento e espaço em disco para hospedar as mais variadas aplicações corporativas.

A virtualização oferece mais vantagens do que a consolidação de servidores, cujo grande risco está na centralização. Se um grande servidor pára, tudo pára. Além disso, a virtualização proporciona diversidade de sistemas operacionais nas mesmas máquinas, otimiza recursos, economiza energia e eleva a produtividade. Por essas qualidades, ela já é utilizada por 40% das empresas nos EUA.

Rau recorda que a virtualização, associada à consolidação de servidores, reduz em mais de 50% os custos com hardware e em quase 80% os custos operacionais. A economia média é da ordem de 64%.

Com a evolução dos microprocessadores, de dual para quadriprocessadores ou mais núcleos, crescem também as perspectivas da virtualização, tanto nas aplicações corporativas quanto individuais.’



REVISTA PIAUÍ
Sérgio Augusto

A ressurreição do Piauí

‘Houve uma época em que quase todos os brasileiros debochavam do Piauí. Se São Paulo era a ‘locomotiva que puxava o Brasil’, Piauí era o último vagão, além do que lento e sem restaurante. Sua capital, Teresina, só era invocada por ser ‘a mais quente do País’, sobretudo em setembro, outubro e novembro. De tempos em tempos, as revistas Manchete e O Cruzeiro, carecendo de assunto e numerário, exaltavam as belezas paisagísticas do Estado, acrescentando-lhe virtudes fictícias em multicoloridas reportagens, naturalmente pagas pelo erário e mais de uma vez agraciadas com o hiperbólico título ‘Piauí magnífico’, motivo de chacota nas redações. Magnífica a ‘filha do sol do equador’ só fora e era, dizia-se, para os mais ufanistas filhos da terra.

De repente, o último vagão descarrilou. No bom sentido. Aliás, no melhor sentido. Magnífico o Piauí ainda não ficou, mas foi na direção certa que embicou ao criar e manter a melhor escola do País e ao emprestar seu nome à revista brasileira mais comentada dos últimos meses. Piauí não é mais tão somente o berço da cajuína cristalina e o abrigo do Parque Nacional da Serra do Capivara. Piauí também é, agora, uma glória educacional e uma grife jornalística.

Vários nomes foram sugeridos à revista de João Moreira Salles, mas, desde o início, Piauí correu com alguns corpos de vantagem. Puro apreço à eufonia. João sempre adorou a palavra: uma fieira de vogais puxadas por uma solitária consoante, significando ‘peixe grande’, em tupi. Mais eufônica, enxuta e enigmática do que Rio de Janeiro (onde é feita) e São Paulo (onde mais vende). Um certo carinho pelo Estado também foi determinante. Um lugar onde se joga e leva a sério o badminton, motivo de uma nota no primeiro número da Piauí, não merece ser tratado como o patinho feio da federação.

O melhor ainda estava por vir. No dia 7 de fevereiro, o patinho feio virou manchete nacional, quando o Instituto Dom Barreto, de Teresina, obteve a melhor média geral do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): 74,17 pontos, de 100 possíveis. Estupefação geral. Como pode uma escola piauiense ser melhor do que uma escola paulistana?, cobrou, incrédula, a colunista Barbara Gancia, da Folha de S. Paulo, alvo imediato de uma saraivada de impropérios impressos e online, despachados da capital piauiense. O Instituto Dom Barreto venceu porque é, de fato, o nec plus ultra do ensino médio brasileiro. Pena que 90% dos piauienses não possam lá estudar. ‘Pensem nisso’, recomendou um blogueiro nada bairrista de Teresina.

A superioridade do instituto é fácil de explicar. Seu reformador, o matemático Marcílio Rangel de Farias, morto no ano passado, reproduziu com pleno êxito idéias que provaram ser eficientes na Finlândia e Coréia do Sul: professores bem formados e atualizados; carga horária de estudos de mais de sete horas; currículos mais abrangentes, que incluem latim, filosofia, sociologia, hebraico, grego bíblico, e até xadrez. A biblioteca do instituto tem 91.441 exemplares, entre livros didáticos, literários, e publicações locais, nacionais e até estrangeiras, como o The New York Times e a revista Newsweek. Exige-se de seus alunos que leiam 20 livros por ano. Mesmo nas melhores escolas de São Paulo, Rio e Minas, os estudantes lêem o que bem entendem, e, em geral, nada lêem.

Minha primeira surpresa com o Piauí se deu há 26 anos, ao descobrir que seus artesãos de madeira (mestres Dezinho e Expedito) viviam bem melhor e com maior apoio do governo que os ceramistas do Vale do Moura, em Caruaru, Pernambuco, Estado com muito mais recursos que o Piauí. Fiz até uma reportagem a respeito para a Isto É. Pouco conhecimento tinha das peculiaridades positivas do Piauí. Nem sequer sabia que o delta do Parnaíba era o único em mar aberto das Américas e que audazes piauienses haviam contribuído para a independência do Brasil na sangrenta Batalha do Genipapo, que daqui a nove dias comemora os seus 184 anos de veneração e há não sei quantas luas dá sentido a esta estrofe do hino do Piauí: ‘Na luta, o teu filho é o primeiro que chega.’

Antes e depois de minha primeira e única passagem por Teresina, conheci piauienses ilustres, como os poetas Mário Faustino e Torquato Neto, o escritor Assis Brasil, o comentarista político Carlos Castelo Branco, o sociólogo Clóvis Moura, além de outros, só de vista e noticiário, como os ex-ministros Reis Velloso e Petrônio Portela, o dr. Deolindo Couto, e os ex-governadores Hugo Napoleão e Mão Santa (atualmente, senador pelo PMDB). Todos eles tiveram de sair do torrão natal para vencer na vida. Teriam mofado permanecendo no ‘último vagão’.

Hoje, sei não; mas o Instituto Dom Barreto é um sopro de esperança, um exemplo de afirmação, como promete ser o avançadíssimo centro de estudos neurológicos que o internacionalmente famoso neurocientista Miguel Nicolelis, paulistano da Mooca, com 20 anos de experiência nos EUA, cismou de montar em Teresina.

Embora ainda muito distante da magnificência, o Piauí vem se esforçando para virar um peixe grande de verdade. Em diversos âmbitos e de variadas formas. Foi o terceiro Estado no cumprimento à lei de responsabilidade fiscal, em 2006, e o primeiro a lançar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), na segunda-feira, com a presença do ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, que foi a Teresina anunciar pessoalmente a liberação de R$ 117,4 milhões para obras rodoviárias no Estado. Também na segunda-feira, saiu para um piauiense o primeiro prêmio (R$ 300 mil) da Loto Fácil.

Ninguém segurou o Piauí na semana passada. Até na Internet, sua gente morena mostrou seu valor. A modelo Tchesca Monteiro, ex-miss Piauí, apareceu no You Tube tirando a roupa numa banheira, formidável lição de pudor se comparada aos salários dobrados que sete deputados da Assembléia Legislativa de Teresina embolsam todo mês (a renda chega a R$ 52 mil) e aos proventos do governador Wellington Dias, que ganha mais que os governadores de oito Estados mais ricos que o seu e R$ 2,5 mil a mais que o presidente Lula.

Todas essas coisas (e nem consideramos os embalos da boate Bete Cuscuz) atestam que o Piauí é um Estado propenso a se dar bem no mundo moderno. Até a violência urbana já chegou à sua capital. Há 23 dias, três estudantes foram assaltadas na zona leste de Teresina por um bandido armado. Se você já estava pensando em mudar-se para lá, em busca de sossego e atraído pelo slogan da Secretaria de Turismo local (‘É feliz quem vive aqui’), segure as pontas. E não se esqueça de que o aquecimento global nenhum benefício trará ao Piauí.’



TELEVISÃO
Leila Reis

Páginas de sangue

‘A realidade nunca foi cor-de-rosa neste país, mas o noticiário que a TV tem despejado dentro de nossas casas cotidianamente está mais indigesto do que sempre. Crianças arrastadas na rua até a morte por assaltantes ou fulminadas por bala perdida no colo do avô, militantes de organizações não-governamentais trucidados por cidadãos que eram objeto de seu trabalho. Mulher assassinada por jovens com os quais marcou encontro pela internet, ou por afogamento, quando quis salvar a filha arrastada pela correnteza. Trabalhadores mortos porque o acaso os colocou próximos a confrontos entre policiais e criminosos ou porque passavam por cima de obras de engenharia malfeitas.

A overdose de violência real coloca o telespectador brasileiro em estado permanente de apreensão. Por isso mesmo torna-se fora de propósito a representação dessa violência urbana em espaços destinados à ficção. Coisa que tem feito a Record. A novela Vidas Opostas tem conseguindo capturar sua audiência à base de confrontos em favelas e encenação de crimes dramáticos, como o seqüestro da Linha 174, em 2000, em que a professora Geisa Gonçalves, de 20 anos, foi morta. É o caminho por onde também enveredou Páginas da Vida.

O autor Manoel Carlos já havia testado o recurso. Em Mulheres Apaixonadas, matou a personagem de Vanessa Gerbelli com uma bala perdida e até colocou uma passeata nas ruas para justificar a intenção de denunciar a violência urbana no Rio. Mas, em Páginas da Vida, o autor passou dos limites. Injetou tantas doses de realidade no seu enredo, que prejudicou a própria teledramaturgia, tradicionalmente rica nos diálogos e forte no desenho da alma feminina.

Os ‘eventos’ policiais absorvidos pela novela foram tantos que alguns não foram sequer trabalhados dramaticamente. Foram ‘irradiados’ por personagens. Tide (Tarcísio Meira) fez vários ‘pronunciamentos’ à sua numerosa prole e agregados criticando o poder público pela falta de providências em relação à violência urbana.

Uma das freiras que passeava pelo hospital – que tinha na folha de pagamento pelo menos 1/4 do elenco da novela – leu para as outras irmãs a notícia sobre o assassinato do menino João Hélio no jornal. Até a vilã Marta (Lília Cabral) deixou um pouco de lado suas maquinações para comentar com a família a cratera que formou o desabamento do metrô de Pinheiros em São Paulo. Isso sem contar os discursos indignados contra a impunidade e etc. Alguns dos quais proferidos a pretexto do atropelamento da personagem Nanda, mãe das crianças disputadas na novela.

O arrastão na praia do Leblon, exibido no começo da novela, até fazia sentido na ambientação da cidade maravilhosa que ia abrigar a história, mas a encenação do assalto e a queima do ônibus que levava duas personagens mostrou bem como o cacoete (de fazer a realidade escrever o texto) tem o poder de empobrecer qualquer teledramaturgia.

O clichê foi gritante: truculência dos bandidos e o pânico foram frenéticos. A menina racista (Carolina Oliveira) foi salva pelo casal de negros de quem recusou um biscoito, enquanto a mãe (Cláudia Mauro) que criou o ‘monstro de preconceito’, queimou junto com outros inocentes.

Não contente, a novela sequer preservou o quadro dos depoimentos. Fez anônimos cederem sua tribuna aos pais do menino arrastado pelo carro no Rio e à mãe do cantor Zezé Di Camargo, que teve um filho seqüestrado. Enfim, perdeu totalmente a mão.’

O Estado de S. Paulo

É Brasil e cobiça na fita

‘Não necessariamente nessa ordem, esses são os focos de Gilberto Braga para ‘Paraíso Tropical’, novela que estréia amanhã, na Globo, sob o sol da paradoxal Copacabana

Copacabana: a praia paradisíaca e o submundo das drogas e da prostituição. O charme dos ricos que vivem nos prédios da Avenida Atlântica e hotéis cinco estrelas, a classe média que se espalha pelas ruas internas e a pobreza espremida em conjugados minúsculos. Todos os lados do bairro mais famoso do País estão na novela Paraíso Tropical, que estréia amanhã, às 21 horas, na Rede Globo. É a sétima edição da parceria entre o autor Gilberto Braga e o diretor Dênnis Carvalho, que começou com Dancing Days, em 1978, teve êxitos históricos, como Anos Rebeldes (1992), deslizes como Pátria Minha (1994) e, por fim, mas não por último, um sucesso retumbante, Celebridade.

Segundo Braga, que divide a autoria da novela com Ricardo Linhares, Paraíso Tropical é uma novela tradicional, por tratar da clássica história de amor entre Daniel (Fábio Assunção) e Paula (Alessandra Negrini), e de história atual, pois mostra os dois lados de Copacabana, praia mítica para brasileiros e estrangeiros. ‘Tem prostitutas, ladrões, pivetes, camelô mas tem a ciclovia, a orla, a onda de saúde, gente correndo e passeando na calçada’, diz ele, ressaltando que há muito não escrevia história tão romântica. ‘Talvez desde A Força de Um Desejo. Mas falo também da cobiça e do Brasil contemporâneo. Se Celebridade era sobre o mundo da fama e a inveja, Paraíso Tropical fala de cobiça e Brasil.’

A história valoriza os clichês do folhetim. Daniel, executivo de um grupo hoteleiro, vive um romance com Paula. Para prejudicá-lo, seu rival Olavo (Wagner Moura) arma um golpe e os separa. Daniel descobre a irmã gêmea de Paula, má, claro, que se alia a Olavo. Há ainda a trama de Antenor (Tony Ramos), patrão de Olavo e Daniel, dividido entre a mulher, Ana Luíza (Renée de Vielmond), com quem compartilha a dor da perda do filho único, a amante, Fabiana (Maria Fernanda Cândido) e mulheres ocasionais, como a prostituta Bebel (Camila Pitanga). Suzana Vieira faz participação especial em seis capítulos como Amélia, cafetina baiana, mãe das gêmeas Paula e Taís.

Gilberto Braga volta a Copacabana, cenário de Dancing’Days, após quase 30 anos. Fala que agora o bairro vai aparecer muito mais porque a televisão tem mais recursos. O diretor de núcleo, Dênnis Carvalho, acredita que, com Paraíso Tropical, ambos fecham o círculo das novelas urbanas. ‘Copacabana é o pano de fundo da excelente dramaturgia de Gilberto Braga, com seu lado bom e o ruim’, comenta. ‘Pedi aos câmeras, figurinistas, cenógrafos e produtores que filmassem o mais próximo da realidade, mas sempre com um certo glamour, que existe em toda novela do Gilberto Braga!’’

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Mocinho, sim, mas não sem reação

‘Ainda que a distância entre o Leblon de Manoel Carlos e a Copacabana de Gilberto Braga seja bem curta, o telespectador habituado a acompanhar a novela das 9 haverá de notar a troca de uma produção por outra – e não apenas pela mudança de elenco ou pela diferença de estilo entre um autor e outro. Na contramão do festival de flasbacks que tomou conta de Páginas da Vida em seus dois últimos meses (em razão do atraso na produção da novela), Paraíso Tropical estréia com 30 capítulos prontos no papel e com gravações suficientes para abastecer duas semanas no ar.

Dito isso, vamos ao mocinho da vez.

Depois de Renato Mendes, jornalista e dono de todos os adjetivos do mal, vilão que todo mundo adorou odiar em Celebridade, Fábio Assunção volta ao universo Gilberto Braga com valores bem diversos. É seu quarto personagem criado pelo autor. Além de Celebridade, protagonizou a minissérie Labirinto e a novela Força de Um Desejo, exibida na faixa das 6.

Daniel é moço do bem. Ambicioso, sim, porém ético. Só quer viver em paz com Paula (Alessandra Negrini), sua amada. Apesar desse perfil, Fábio Assunção, que vive o personagem em Paraíso Tropical, não o classifica como o mocinho tradicional. ‘Ele tem atitudes firmes, perde paciência, não é o herói clássico’, defende o ator. ‘Mas é completamente diferente do Renato, este sim, um vilão total, clássico. Isso é que vale na nossa profissão, variar bastante de um trabalho para outro.’

Eis um resumo de sua conversa com o Estado:

Como é Daniel, o herói de ‘Paraíso Tropical’?

Ele é filho do porteiro, que tem uma oportunidade de vencer na vida com muito trabalho. É ambicioso, mas quer viver dentro da ética. Não é bonzinho. Tem atitudes firmes, perde a paciência, não é o herói clássico. É uma pessoa que se encontra por aí. Apaixona-se por Paula, mas é envolvido numa trama por Olavo (Wagner Moura) e a perde de vista. Vai lutar muito para reencontrá-la e refazer sua vida.

‘Paraíso Tropical’ é seu quarto trabalho com Gilberto Braga e ele disse que não faz novela sem você. O que te atrai mais nas tramas dele?

Não sabia que ele tinha dito isso (risos). Seus personagens são humanos, nem completamente bons, nem totalmente maus. São pessoas que a gente encontra na rua, que querem viver bem, ser felizes. Passam por situações e reagem a elas de uma forma muito próxima à nossa.

Renato Mendes não tinha esse perfil…

Ele era um vilão e adorei fazê-lo porque no vilão o ator usa toda sua verve. O Daniel tem seus momentos em que o público não o aprovará, mas é completamente diferente do Renato Mendes, meu personagem anterior, um vilão total. Isso é que vale na nossa profissão, variar bastante de um trabalho para outro.

Como você evita que Daniel se torne chato, aquele que nunca reage, e revide?

Basta encará-lo como uma pessoa normal, não tentar fazer um herói. É assim que fiz meus outros personagens. E o Daniel não é um cara que não reage às provocações ou deixa de revidar quando lhe fazem mal. Esse é o grande barato.

Entre ‘Celebridade’ e ‘Paraíso Tropical’, você chegou a tirar férias?

Mais ou menos. Da televisão, praticamente, pois fiz apenas um capítulo da minissérie JK, como o pai do Juscelino. Mas fiz O Primo Basílio, de Daniel Filho e Belini e o Demônio, nova aventura do detetive criado por Tony Bellotto.

Isso quer dizer que em 2007 só vai dar você – na telinha e na telona?

Claro que não! (risos) Ainda bem que há muitos bons filmes previstos para 2007. Esses são apenas dois deles.’

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O Estado de S. Paulo – 2

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