Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

VENEZUELA
Editorial

Chávez golpeia as liberdades

‘Neste domingo, o coronel Hugo Chávez consuma mais um atentado às liberdades na Venezuela, fechando a RCTV, a única rede de televisão que ainda faz oposição a seu governo. Na terça-feira, o Tribunal Supremo de Justiça, inteiramente controlado por Chávez – que também domina o Legislativo -, decidiu que o presidente da República pode não renovar a licença de funcionamento da emissora de televisão. A corte não tomou conhecimento do fato, levantado pelos proprietários da RCTV, de que a licença de funcionamento só expira dentro de dois anos – e assim ficou valendo a interpretação do coronel Chávez, de que o prazo expira hoje. Numa sentença subserviente, o Tribunal decidiu ainda que o fechamento da RCTV não representa cerceamento do direito de expressão.

A RCTV, fundada há 53 anos, é a emissora de maior audiência na Venezuela, graças a uma programação equilibrada de novelas, programas de variedades e um jornalismo independente. Não foi à toa que uma pesquisa de opinião feita em abril pela Datanalisis revelou que 70% dos venezuelanos se opunham ao fechamento da emissora, e 40% das pessoas consultadas se declararam chavistas. Sindicatos e organizações não-governamentais organizaram manifestações de rua, com a presença de milhares de pessoas, contra o fechamento. A Organização dos Estados Americanos, o Senado chileno, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Sociedade Interamericana de Imprensa, além de organizações ligadas à União Européia, protestaram contra mais esse atentado à liberdade de expressão e pediram ao presidente Hugo Chávez que reconsiderasse sua decisão.

Mas Chávez foi irredutível. ‘Digam o que disserem, façam o que fizerem, urrem o quanto quiserem, a licença não será renovada’, garantiu. De fato, a decisão de Chávez é monocrática e autoritária. Ele acusa a RCTV de ter apoiado o golpe que o tirou do poder por 48 horas, em 2002. Naqueles dois dias a emissora transmitiu apenas filmes e vídeos musicais. Chávez nunca processou a emissora e seus diretores e todo o caso montado contra a RCTV baseia-se em declarações feitas por ele em seus programas semanais em rede nacional de rádio e televisão.

A RCTV paga o preço de ser independente. As outras emissoras privadas de rádio e televisão há anos chegaram a bons termos com o coronel Chávez e, por isso, não são incomodadas. Mas a RCTV, dirigida por Marcel Granier, continuou fazendo um jornalismo objetivo, chocando-se, por isso mesmo, com o projeto bolivariano. Num primeiro momento, Chávez tentou cooptar a direção da rede. Como isso não funcionou, passou para o método da coação financeira e da intimidação física. Cerca de 150 funcionários da RCTV – denuncia Granier – já foram agredidos por integrantes dos Círculos Bolivarianos. No pior atentado, um caminhão em chamas foi projetado contra a entrada principal do prédio da RCTV. Os autores desses atentados nunca foram identificados.

Agora, o coronel Hugo Chávez cala a RCTV fazendo uso dos imensos e arbitrários poderes que acumulou, entre eles o de editar leis delegadas, que não passam pelo Congresso.

No lugar da RCTV, nas mesmas freqüências, irá ao ar, ainda hoje, a Teves, da recém-criada Fundação Televisora Venezuelana Social, que se somará às três redes estatais já existentes.

O coronel Hugo Chávez, que já controla as instituições do Estado venezuelano, agora se dedica a ampliar e consolidar o controle da sociedade. Na terça-feira anunciou a criação de uma polícia comunitária, formada por militantes bolivarianos. Essa polícia de bairro deverá integrar os Conselhos Comunitários, organizações chavistas concebidas para esvaziar as funções dos prefeitos municipais.

O pretexto para a formação da polícia comunitária é o combate à criminalidade. Mas o modelo de Chávez, para variar, é Cuba. Segundo ele, o problema da segurança pública é explosivo em toda parte. ‘Agora, se você vai para Havana, é muito raro que se registre algum homicídio, porque tem outro modo de vida, que não é esse modo consumista.’ Pois à moda dos Comitês de Defesa da Revolução do companheiro Fidel, ele cria a sua polícia de bairro, que não é para combater o crime, mas para impor lealdade à ‘revolução’.’

Ruth Costas

Chávez tira hoje do ar TV opositora

‘Às 23h59 minutos de hoje o governo venezuelano promete tirar do ar a rede de televisão de maior audiência do país. Com uma história de 54 anos e cerca de 40% da audiência, a Rádio Caracas Televisão (RCTV) é a única emissora aberta de alcance nacional que ainda fazia oposição ao presidente Hugo Chávez, mas em dezembro o líder venezuelano anunciou que não iria renovar a concessão que permite à TV transmitir pelo canal 2. Segundo o governo, a medida faz parte de um projeto para ‘socializar o espectro radioelétrico’. Na sexta-feira, a Suprema Corte venezuelana determinou que todo o equipamento e a infra-estrutura da RCTV sejam repassados à emissora estatal que a substituirá.

A decisão de silenciar a RCTV motivou críticas de organizações e países de diversas partes do mundo e, ao longo da semana passada, levou milhares de pessoas às ruas para protestar. Muitos não se conformam também porque não poderão continuar vendo seus programas favoritos – como a popular novela Minha Prima Ciela e o humorístico Rádio Rochela, que ficou 48 anos n ar.

‘O fechamento da RCTV não será o fim da liberdade de expressão no país, mas limitará consideravelmente o espaço para o debate’, disse ao Estado Teodoro Petkoff, diretor do jornal Tal Cual e uma das figuras mais destacadas da oposição.

As justificativas para fechar a TV foram muitas. Primeiro, Chávez acusou os diretores da RCTV (em especial o executivo Marcel Granier) de ter protagonismo no golpe que lhe afastou do poder por 48 horas em 2002 – fato que, a bem da verdade, é admitido até por setores da oposição. Nesse aspecto, o que provocou críticas da comunidade internacional foi que a alegada participação no golpe deveria ter sido esclarecida na Justiça, não com um canetaço para fechar a TV. O argumento seria a prova de que o motivo da decisão foi basicamente político.

Em seguida, o governo passou a acusar a emissora de evasão fiscal e, por fim, aderiu aos argumentos de cunho moralista – de que sua programação ‘deturpa’ a mente dos venezuelanos com pornografia, violência e consumismo. Esse problema, diz o ministro de Telecomunicações, Jesse Chacón, será resolvido com a substituição da RCTV pela Televisão Venezuelana Social (Teves), uma emissora de ‘serviço público’ supostamente moldada ‘aos gostos e necessidades verdadeiros’ dos venezuelanos, que entrará no ar na primeira hora de segunda-feira.

Chávez diz que o novo veículo será independente, mas 100% do seu capital será aportado pelo Estado e 5 dos 7 integrantes de seu conselho diretor serão apontados pelo governo. Segundo Chacón, a nova emissora terá um leque de programas variados, de notícias a novelas. ‘Mas serão novelas históricas, que discutam e ajudem a resolver os problemas da sociedade venezuelana’, explicou.

A programação da RCTV é majoritariamente composta por humorísticos de gosto duvidoso, programas de auditórios, desenhos infantis, novelas latinas e séries americanas. Os noticiários e programas de opinião – o que na Venezuela é praticamente a mesma coisa – ficam limitados a dois horários: meio-dia e 23h30, quando de fato carregam nas críticas ao governo.

OUTROS CANAIS

Além dessa emissora, se mantém na oposição o canal Globovisión, especializado em notícias, mas com alcance de sinal limitado à capital e arredores ( na noite de sexta-feira, vândalos pró-governo picharam a fachada da emissora). A rede Venevisión, do magnata Gustavo Cisneros (que também é dono da Directv), no passado também foi acusada de golpista pelo presidente. Mas desde 2005 vem moderando suas críticas juntamente com a Televen, do grupo Camero. O quinto canal da televisão aberta é a Venezuelana de Televisão, a emissora pública que o governo utiliza para atacar a oposição e difundir a propaganda de seus programas sociais.

Chacón nega que a proposta da nova emissora seja parecida e lembra que durante o golpe de 2002, liderado por empresários e militares, os canais da oposição exibiram desenhos animados e filmes enquanto multidões de partidários de Chávez se mobilizavam para o contra-ataque.’

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Milhares fazem passeata pela RCTV

‘Dezenas de milhares de venezuelanos participaram ontem, em Caracas, de um protesto contra a decisão do governo de não renovar a concessão da RCTV. Carregando cartazes clamando por liberdade de expressão, a multidão saiu da Praça Murilo, no centro da cidade, até a sede da RCTV, onde foi montado um palanque para artistas, jornalistas e diretores da emissora. ‘Cresci com essa TV. É absurdo que Chávez queira me tirar até o meu direito de ver a novela’, disse ao ‘Estado’ a professora Mercedes Blanco, de 49 anos. ‘O presidente quer que todas as emissoras transmitam seu discurso socialista, que ninguém agüenta mais’, opinou a administradora Mabel Torres, de 33 anos. A decisão de fechar a emissora é rejeitada por 80% da população, segundo a consultoria Hinterlaces. Chávez acusou ‘as oligarquias’ de tramar um plano para sabotar o canal que tomará o lugar da RCTV. Ele justificou a decisão da Justiça de confiscar os transmissores da emissora privada. ‘Até agora eu só não quis renovar a concessão, mas se eles responderem com sabotagem teremos de aplicar o peso da lei’, ameaçou.’

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Bolívia e Equador seguem modelo

‘Substituir a RCTV por uma emissora financiada pelo Estado faz parte de um projeto para ‘socializar’ os sistemas de rádio e televisão que o presidente Hugo Chávez já está tratando de exportar para os países aliados na América Latina. Além de criar a Televisão Venezuelana Social (Teves) para tomar o lugar da emissora privada no canal 2, o governo anunciou há dez dias que pretende financiar só este ano a criação de 30 rádios e 5 televisões comunitárias em todo o país. Um projeto semelhante está sendo apoiado na Bolívia, do colega Evo Morales, onde recentemente foi criada uma rede de 25 rádios e em 2008 o governo pretende inaugurar uma TV comunitária.

Segundo a organização Grupos de Diários da América, que reúne 11 jornais latino-americanos, os venezuelanos também dão assessoria para melhorar a programação da TV estatal boliviana e adquiriram recentemente o semanário gratuito ‘La Época’, com o objetivo de influir na imprensa da Bolívia.

No que diz respeito ao conflito direto com os meios de comunicação privados, quem parece seguir os passos do venezuelano é o presidente do Equador, o esquerdista Rafael Correa. Há cerca de 15 dias ele anunciou que iria processar por injúria o jornal ‘La Hora’, que publicou um editorial criticando o modo como foi convocado o referendo sobre a Assembléia Constituinte – sua promessa de campanha – e na segunda-feira passada disse ver ‘miséria humana’ no jornalismo. Os três presidentes se dizem perseguidos pela imprensa.’

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‘Medidas chavistas mostram caráter totalitário do regime’

Entrevista

Marcel Granier: diretor da Rádio Caracas Televisão

‘Diretor da Rádio Caracas Televisão (RCTV), Marcel Granier é uma figura polêmica. De um lado, sua principal bandeira hoje – o direito de a RCTV continuar a transmitir no canal 2 – agrega a simpatia de ONGs, entidades internacionais e governos de diversos cantos do mundo, além de largas parcelas da população de seu país. Do outro, seu protagonismo no golpe de 2002 contra o presidente Hugo Chávez é admitido até por setores da oposição venezuelana. Em meio a preparativos das manifestações para protestar contra a decisão do governo de fechar a emissora, ele concedeu na semana passada a seguinte entrevista ao Estado:

O que o sr. espera para a noite de domingo (hoje), quando o governo diz que tirará a RCTV do ar?

Ainda tenho esperança de que se imponha o direito e a justiça. Ou seja, que o presidente volte atrás nessa medida inconstitucional ou haja uma decisão favorável nos tribunais competentes.

O governo não dá sinais de que possa voltar atrás…

Nesse caso, ele estará transitando em um caminho muito perigoso em direção a mais autoritarismo e concentração de poder. Se somarmos essa medida com outras decisões tomadas recentemente – a Lei Habilitante (que permite a Hugo Chávez governar por decreto), a criação de um partido único e a exigência de que os militares façam um juramento à ‘pátria, socialismo ou morte’ -, não restará dúvida em relação ao caráter totalitário desse regime.

A RCTV tem um plano B?

O plano B é seguir lutando por nossos direitos.

A emissora passará a ser uma TV a cabo?

O problema é que é impossível fazer qualquer plano de negócio racional partindo do pressuposto de que o governo pode nos atropelar a qualquer instante com medidas ilegais como essa. Não temos nenhuma segurança jurídica.

O sr. é acusado de ter participado do golpe em 2002.

Se o argumento é esse, o presidente deveria prová-lo perante os tribunais. É esse o caminho a ser seguido num Estado democrático – há leis e regras sobre o direito à defesa, à presunção de inocência, etc. O governo passou por cima de tudo isso.

Como tem sido a relação com o governo Hugo Chávez nos últimos anos?

As relações entre os meios de comunicação e o poder sempre são difíceis. A diferença é que um governo democrático escuta a crítica e até aprende com ela. Aqui, o presidente está cada dia mais intolerante com qualquer pessoa, empresa ou organização que tenha opinião distinta à dele, mesmo se for de um partido aliado. Primeiro, converteu todos os meios de comunicação do Estado em um aparato de propaganda. Depois, aprovou as leis de desacato, que permitem a qualquer funcionário que se sinta ofendido por um jornalista processá-lo e mandá-lo para a cadeia. A Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão facilita a imposição de sanções aos meios de comunicação por infrações definidas de forma ambígua. Por fim, há as ameaças físicas. Mais de 150 de nossos trabalhadores foram agredidos e muitos equipamentos acabaram destruídos por simpatizantes ou pessoas pagas pelo governo.

Mas também se costuma dizer que a mídia é quase um partido de oposição na Venezuela.

Não acredito. Temos uma posição crítica, mas a crítica deve ser tolerada numa democracia. A oposição política ainda tem um papel central. Apesar do medo que está incutido na população, mais de 4 milhões de pessoas votaram no candidato de oposição nas eleições presidenciais de dezembro.

Por que o governo investe justo contra a RCTV, se outras emissoras também foram acusadas de golpistas?

Nós somos a emissora de maior audiência. O governo quer passar um recado para toda a imprensa, de modo a cultivar o medo e estimular a autocensura.

O que acontecerá com os funcionários da TV?

Essa é uma pergunta que deveria ser feita ao presidente da república. Na Venezuela há 8 milhões de pessoas sem emprego e esta empresa triplicou o número de funcionários nos últimos dez anos. Hoje nós temos cerca de 3 mil empregados.’

TV PÚBLICA
Ethevaldo Siqueira

Será que Franklin Martins não sabia disso?

‘Sempre considerei meu colega Franklin Martins um dos jornalistas mais bem informados do País, em especial em política e em áreas afins, como a comunicação de massa. De repente, ouço dele as afirmativas mais surpreendentes sobre TV pública, como se o conceito e o tema fossem totalmente novos.

Ao explicar as razões da criação da TV Executivo, ele revela que o governo não tinha até aqui uma clara idéia do modelo e das características da nova emissora, mas que pretendia definir suas linhas gerais a partir de um grande debate com a sociedade.

Ou seja: o governo criou uma nova emissora sem saber para quê nem como iria conduzi-la. Na linguagem popular, isso significa colocar o carro adiante dos bois. Na linguagem erudita, seria uma espécie de gestão democrática a priori. Mas a verba de R$ 250 milhões – já ampliada para R$ 450 milhões – foi anunciada sem nenhuma discussão.

Antes de qualquer decisão, teria sido muito melhor abrir o debate e responder a quatro questões essenciais: 1) Que é uma TV pública? 2) O Brasil já dispõe de alguma TV pública? 3) Que fazer diante da experiência brasileira? 4) Que significará a chegada da TV digital para o Brasil?

Eu supunha também que Franklin Martins tivesse acompanhado de perto a experiência concreta de pelo menos duas emissoras brasileiras – a Radiobrás e a TV Cultura de São Paulo – que são as duas melhores experiências de TV pública no Brasil.

Na realidade, se o governo Lula tivesse a intenção de implantar uma Rede Nacional de TV pública não precisaria criar nenhuma nova emissora. Bastaria investir nas 21 emissoras públicas, educativas e culturais existentes no País, com o objetivo de modernizá-las e aprimorar seu trabalho.

MAS QUE É TV PÚBLICA?

O melhor exemplo de TV pública no mundo talvez seja a British Broadcasting Corporation (BBC), por sua independência editorial em relação ao próprio governo e por sua defesa intransigente dos interesses públicos.

A programação de uma TV pública é capaz de aprofundar temas que, regra geral, nenhuma TV comercial ou estatal é capaz de fazê-lo com a mesma isenção e eqüidistância. Aliás, como têm feito em muitas oportunidades a Radiobrás e TV Cultura. Uma TV pública conduz debates políticos ou de grande interesse social com amplitude e transparência, tratando temas polêmicos com seriedade e equilíbrio, como o do aborto, da educação sexual, da eutanásia ou das reformas política ou tributária.

É claro que até uma emissora comercial independente, se quiser, poderá se comportar como TV pública. Não é um comportamento fácil nem freqüente, mas existem emissoras européias que o têm conseguido. Como? Preocupando-se mais com a vida do cidadão do que com o imediatismo dos índices de audiência. Ou reduzindo o sensacionalismo em favor da informação objetiva e de sua significação política e social. Oferecendo em sua grade de programação mais informação de qualidade, mais conhecimento, mais cultura, melhores programas infantis e horários específicos para cursos de alto nível.

Não é, portanto, a propriedade da emissora – estatal ou privada – que define e determina seu estilo ou sua filosofia, mas sua postura, sua independência em relação ao governo e aos interesses de mercado.

INCLUSÃO DIGITAL

Diferentemente do que muitos pensam, a programação de uma TV pública pode ser atraente, interessante, agradável e desenvolver o senso crítico. Pode ainda contribuir para a inclusão digital e promover o processo de convergência.

Esperava que Franklin Martins houvesse acompanhado com maior atenção e interesse a gestão de Eugênio Bucci, como presidente da Radiobrás, para conhecer e avaliar uma experiência bem sucedida de TV pública, ao longo do primeiro mandato do presidente Lula.

No melhor estilo das TV públicas, Bucci deu nova dignidade à Radiobrás e impediu que a emissora se transformasse em agência de propaganda do governo e do PT. É claro que sofreu pressões até para que os noticiários da emissora não divulgassem ‘fatos negativos, como os aumentos do preço da gasolina’. Mas, sob sua direção, a Radiobrás jamais se curvou.

E a TV Cultura de São Paulo? Mais do que ninguém, o leitor é testemunha das qualidades dessa emissora, de sua excelente programação infantil, de grandes entrevistas como as do Roda Viva, de seus concertos, documentários e outros programas. É claro que a Cultura também tem sofrido todos os tipos de pressão ao longo de seus 38 anos de existência. Mas nem a ditadura, nem os ex-governadores Paulo Maluf e Orestes Quércia conseguiram transformá-la em agência de propaganda de seus governos. Bem que tentaram.

Diante desse quadro, não tenho dúvida de que Franklin Martins pode convencer o presidente Lula a reformular seu projeto e consolidar a Rede Nacional de TVs Públicas, a partir das 21 emissoras governamentais existentes, com base na experiência de emissoras como a Radiobrás e a TV Cultura. E-mail: esiqueira@telequest.com.br

TELEVISÃO
Renata Gallo

Manual de sobrevivência em casa

‘Deve ser a tal da boa vontade. Por que no dia em que um canal decidiu fazer um programa decente sobre mães ele conseguiu? Conseguiu duplicar o número de telespectadores no horário de exibição, conseguiu patrocinadores de peso, conseguiu perdurar e fazer com que 99% das mães não se sentissem mais tão ETs. A nova temporada de Mothern já está no ar no GNT, com 13 novos episódios e temas como perda, separação, segunda gestação – e muita crise existencial.

‘Acho que o sucesso se explica porque existia uma carência de programas voltados para a mãe contemporânea, de programas que contassem a verdade, que os bebês têm uma pilha que nunca acaba, que quando você está prontinha ele pode arrotar no seu terninho’, diz Carla Esteves, gerente de Marketing do GNT e mãe de Marina, de 4 anos.

A idéia de fazer um programa que levasse as mães a sério, no entanto, surgiu de um pai, Luca Paiva Mello, da produtora Mixer, criador e diretor da série, pai de três meninos – um de 4 anos e um casal de gêmeos de 1 ano. ‘Sempre tive vontade de fazer algo sobre o tema, ficava vendo minha mulher grávida, atuando em diversas áreas, e ficava pensando que o HD da mulher é muito mais poderoso que o nosso’, diz. Foi um dia, ao ler o blog das mineiras Juliana Sampaio e Laura Guimarães, o www.mothern.blogspot.com, que Mello encontrou o tom que procurava. ‘Nunca quis fazer algo como S.O.S. Babá, com especialistas e dicas de auto-ajuda, não queria nada fofinho, nada rosinha porque via em casa que ser mãe é luminoso, mas também é punk. No blog tinha o ângulo que eu procurava e o nome, uma síntese muito feliz’, conta.

O ângulo em questão fala da mulher moderna, que tenta conciliar a educação dos filhos, a carreira profissional, a vida amorosa e a TPM. Para transpor a idéia do blog para a tela foram criados quatro personagens: Beatriz, Raquel, Luiza e Mariana. Mas, se na primeira temporada elas divagavam sobre a primeira escola e consumo, agora irão tratar de assuntos sérios, como separação e perda. Beatriz, vivida por Juliana Araripe, mãe de Felipe, mulher de Zé, terá sua primeira crise conjugal. Raquel (Camila Raffanti), mãe de Laura e Pedro, também entrará em crise e Luiza (Melissa Vettore), mãe de Nina e madrasta de Martin, irá encarar sua segunda gravidez. Mariana (Fernanda D’Umbra) irá namorar a sério.

Mães na vida real – a única exceção é Fernanda D’Umbra, que tem uma enteada -, as protagonistas não só interpretam como auxiliam os roteiristas e a direção nos temas abordados. ‘E essa é a parte bacana. É como no teatro, onde a gente contribui, produz, participa. E acho que é isso que faz com que o Mothern fique mais autêntico’, diz Melissa, casada na vida real com Zé (Alexandre Freitas), seu próprio marido na ficção, e mãe de Calú, de 2 anos.

Clube da Luluzinha

Se no início da série o blog era a principal fonte, agora a direção se apóia em grupos de discussão de mães de diferentes perfis. ‘Temos hoje uma massa crítica. Temos as mães que nos dão idéias de histórias e a opinião de todos da equipe. Evoluímos muito. Se este disco tivesse um nome, não seria Mothern, segunda temporada, seria Mothern 2.0!’, diz Luca Paiva Mello.

Além de ter um upgrade na construção dramatúrgica, hoje mais sofisticada, a segunda temporada também sofreu avanços na produção. ‘Com o sucesso da primeira temporada, ficou claro que era preciso avaliar o resultado internamente e encontrar formas para melhorar todos os aspectos da produção’, explica.

Isso quer dizer que as casas dos amigos, usadas algumas vezes como cenário na primeira temporada, deram lugar a locações sofisticadas. E existe um porquê. ‘Nossos patrocinadores não investem só na mídia, mas também na produção. É um modelo inovador’, diz a gerente de Marketing Carla Esteves. Na carteira de patrocinadores do Mothern há empresas poderosas como Unilever e McDonald’s, mas isso não quer dizer que o custo do programa seja alto. ‘O orçamento de Mothern é alto para os padrões da TV paga, mas bastante modesto para um projeto de dramaturgia’, diz Mello, sem revelar cifras.

Modesto e pioneiro. ‘Mothern não se assemelha nem aos sitcoms americanos (ele não tem cenários fixos, tampouco claque, não é rodado em estúdio) nem às séries superproduzidas (não é feito em película, tem orçamento modesto). Mas tem um pouco dos dois: tem os pés na realidade, como as grandes séries, e situações absurdas de humor, como os sitcoms’, explica Mello. ‘É um case fora dos padrões americanos, tem o padrão do público do GNT’, diz Carla.

Além disso, Mothern é a prova de que o Brasil pode ser feliz não só fazendo novelas. O mulherio agradece.

As mães da criança

É praticamente a mesma coisa, com algumas diferenças: ‘Elas são mais ricas, mais finas, têm muitos móveis brancos e a casa muito mais organizada que a nossa’, define Juliana Sampaio, mãe de Alice, de 7 anos, e madrasta de André, de 14, que, ao lado de Laura Guimarães – mãe de Nina, de 11 anos, e Gabriela, de 8 -, criou em 2002 um blog para compartilhar as delícias e frustrações de uma mãe moderna.

O primeiro encontro das duas amigas ocorreu uma década antes, em 1992, na faculdade de Comunicação Social em Belo Horizonte. Anos mais tarde, se encontraram em um emprego. ‘A Laura estava grávida e, logo depois, eu fiquei. Trocamos roupas de grávida, de filho e percebemos que tudo o que era relacionado à maternidade tratava a mãe como boba’, diz Juliana. ‘Queríamos falar que mãe não tem obrigação de ser santa e deste cotidiano que é difícil, mas que fica mais leve quando compartilhado’, completa Laura. Desde então o blog já virou dois livros Mothern – Manual da Mãe Moderna e, mais recentemente, As 500 melhores coisas de ser mãe, ambos da Editora Matrix. Por dia, em média, são mais de 700 acessos e o Livro de Visitas, um espaço aberto no blog, tem mais de 1,2 milhão de participações. São mães do Brasil todo que se encontram ali diariamente para trocar dicas – de pomada de assaduras até desenhos infantis bacanas na TV.

Apesar de não serem as roteiristas da série do GNT, elas recebem as sinopses, dão palpites que, na maioria das vezes, são aceitos. ‘A única coisa que não conseguimos mudar foi a babá vestida de branco. Acho isso uma coisa tão senhorzinho do engenho!’, diz Juliana.

* Frases retiradas do www.mothern.blogspot.com’

Leila Reis

Experiência na tela

‘Há duas semanas, o domingão ganhou uma certa diversidade com a estréia da série Direções (21h), na TV Cultura. Co-produzido com o SescTV, o programa leva para o vídeo experimentações entregues aos cuidados de 16 diretores paulistanos.

A Cultura retoma assim uma experiência teleteatral bem-sucedida nos anos 70, reembalada e apresentada recentemente como Antunes Filho em Branco e Preto. Antunes, que não perde uma oportunidade em externar sua notória aversão à teledramaturgia contemporânea, adaptou 16 textos clássicos para a Cultura – de Nelson Rodrigues a Dostoievski – e agora volta a supervisionar o projeto, que guarda muitas semelhanças com o do passado.

O mundo é bem diferente da época em que Antunes teve a oportunidade de testar uma linguagem (que não era nem cinema nem teatro) e que influenciou decisivamente a teledramaturgia que está em operação hoje, goste ou não Antunes Filho.

A ambição de Direções é criar um ambiente de experimentação que seja um contraponto ‘à estética pasteurizada e medíocre da telenovela’. Mas o resultado pesa mais em outra direção: a da abertura da possibilidade de diretores lidarem com um veículo que não conhecem, de experimentarem-se. Isso é valorizado pelo making of que abre cada edição, cuja tônica é uma mistura de crítica e encantamento. Dá a sensação de compartilhar com o diretor o conhecimento de como funciona o veículo.

Desse ponto de vista, Direções abre um leque interessante ao expor processos de criadores de consistência indubitável (avalizados pelo mestre Antunes) a uma platéia maior.

A outra parte de Direções é mais teatro televisado do que qualquer outra coisa. Os programas iniciais – O Vento na Janela, escrito e dirigido por Rodolfo García Vázquez, do grupo Os Satyros, Vestígios, de Samir Yazbek, e Hoje Sou Um; e Amanhã Outro, de Qorpo Santo e dirigido por Georgette Fadel – denotam o quanto esses diretores ainda são reféns da linguagem teatral.

Os Vestígios, de Samir Yazbek, tem uma narrativa mais próxima de tevê/cinema. O personagem vai descobrindo o pai por meio de vestígios que capta de figuras que conviveram com ele pouco antes de sua morte. A marcação das falas é muito rígida.

O claro e o escuro marcam o caminho do evangélico de O Vento na Janela pelas ruas da cidade grande depois de deixar o apartamento do travesti. A câmera passeia entre figuras estáticas que representam a ‘fauna’ da noite metropolitana. Os diálogos quase declamados na casa do protagonista são puro teatro.

Assim como os delírios de Qorpo Santo que Georgette Fadel levou para o estúdio e imediações da emissora, envolvendo até funcionários da portaria. Em Hoje Sou Um; e Amanhã Outro, Georgette revela a televisão que há por trás daquele teatro ao enquadrar bastidores, cabos e cameramen.

É natural que fosse assim, experimentação é para isso mesmo. Tanto que o projeto prevê uma outra fase, em que os que se entenderem melhor com o veículo serão convidados a produzir um espetáculo/programa mais longo. Sérgio Ferrara, Débora Dubois, André Garolli, Beth Lopes, Eduardo Tolentino estão entre os que ainda mostrarão serviço e podem surpreender.

Direções não é programa para todos os paladares. Mas existe uma parcela da grande platéia da TV interessada em teatro e processos. Por isso ele cabe perfeitamente dentro da programação da rede aberta. E a Cultura e SescTV têm o perfil ideal para ser agente da pluralidade que o telespectador merece.’

Bruna Fioreti

‘Não sou só um corpinho’

‘Serjão Loroza, de 40 anos, é o que parece: piadista, divertido, um carioca suburbano, em sua própria definição. Mas não quer ser reconhecido apenas como humorista, e sim como cantor e, agora, dançarino. É que o intérprete de Figueirinha, patrão de Marinete no seriado A Diarista, acaba de lançar um CD e está bem cotado na Dança dos Famosos, do Domingão do Faustão. Ele contou ao Estado seus planos para a carreira e como encara o assédio do público.

Você se considera um humorista?

Eu sou artista. Eu não me considero um comediante, não mesmo. Eu sou um ator que pode fazer comédia, mas não só. Antigamente eu sentia cobrança, até por passear pelas duas artes, música e artes cênicas. As pessoas diziam: ‘Você é ator ou cantor?’. Hoje não acham que só posso fazer bem uma coisa.

Quer continuar com as duas carreiras?

Duas não, que agora eu tenho a terceira, também sou bailarino e coreógrafo (risos). Quando me chamaram para a Dança dos Famosos, eu ri, achei que era zoeira. Mas depois pensei: ‘vou pagar esse mico, com tranqüilidade’. E dá para se divertir bastante.

Ser gordinho ajuda a fazer humor?

Eu tenho 185 quilos, sempre fui gordo, o baleia, o rolha de poço. Então demorou para os diretores e o público entenderem que eu não sou engraçado só porque eu sou gordo. Eu fazia um certo esforço para isso e o grande lance de A Diarista é justamente ser um programa que me permite fazer humor independente da coisa da gordura. Evidentemente que eu posso explorar a gordura. Mas eu e o Rodrigo Santoro padecemos do mesmo mal, nós somos escravos do nosso biótipo. Quando seu corpo fala muito forte por você, é difícil te levarem a sério. Eu agradeço ao José Alvarenga Júnior, diretor de A Diarista, que está me dando a oportunidade de mostrar que eu não sou apenas um corpinho (risos).

E você pretende continuar em ‘A Diarista’?

A Diarista continuando, eu quero muito continuar, porque é um programa pelo qual tenho muito apreço. E quero também desenvolver meu trabalho como músico concomitantemente com a TV, o cinema.

Como é o retorno do público?

É muito legal. Está no imaginário das pessoas que estou ali para alegrar, por conta do programa. Tanto que, você encontra um cara na rua, com a cara amarrada, e quando você passa, ele abre aquele sorriso. E como eu sou um artista um pouco popular é diferente, é como se as pessoas me conhecessem há muito tempo. Essa semana mesmo um cara me deu umas pancadas nas costas: ‘negão, tu é muito bom, tu arrebenta’, e eu quase apanhando ali, mas é com carinho, sabe? As pessoas pensam: ‘é negão, gordão, não deve sentir nada’ (risos).

Como você começou a carreira?

Minha carreira começou quando comecei a tocar violão, em 1982. E percebi que tinha jeito para a coisa, tinha sensibilidade, que é a matéria-prima do artista. Mas virei profissional mesmo acho que a partir do primeiro cachê. Fiz cinema, teatro, participações, a minissérie Hilda Furacão. Mas A Diarista há de ser um antes e depois na minha carreira. Desde quando fui fazer a primeira participação, eu senti que o clima era muito bom.

Você já ficou sem trabalho?

Já, claro. Sempre conciliei com a arte, mas tive emprego careta. Num deles, fazia promoção de vendas. Até que me casei, há 13 anos, e decidi que ia fazer uma escola de artes, mas até engrenar, demorou, viu?’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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