O Estado brasileiro, desde 1891, com a instituição da República, deixou de ser um Estado confessional, sendo, há mais de um século, laico. Ou seja, os poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, em todos os seus níveis, estão constitucionalmente – como contido nos artigos 5º, Inciso VI, e 19º, inciso I, da Carta Magna de 1988 – proibidos de professar, influenciar, ser influenciados, favorecer, prejudicar, financiar qualquer vertente religiosa, pois não existe religião oficial em nosso país. É este, entre outros, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Desta forma, independentemente da quantidade de fiéis, tempo de existência ou do patrimônio que uma religião possua, todas as manifestações de religiosidade ou credo – seja evangélico, católico, espírita, judaico, oriental, muçulmano etc., bem como ateus, humanistas e agnósticos etc. – gozam nas questões de fé de igual proteção do Estado laico.
O fato ocorrido em Goiás envolvendo a Primeira Igreja Batista de Goiânia, que é uma instituição privada, fruto da expressão de fé de seus integrantes, associados eclesiásticos, sendo por estes mantida, é sintomático na medida em que o Judiciário, em nosso entender, interveio numa questão interna da organização religiosa, interna corporis, quando determinou a realização de cerimônia de casamento de uma integrante que não atendia aos preceitos religiosos com relação ao pacto divino que é o casamento, defendidos pela igreja, à luz das Sagradas Escrituras.
Enfatize-se o prisma espiritual da realização do enlace matrimonial religioso pela igreja, que também é uma manifestação de fé integrante de seu corpo de doutrinas, as quais todos os fiéis se submetem ao adentrar a membresia de uma comunidade religiosa, como contido no Estatuto Social, e expresso na Bíblia Sagrada, que é regra de fé e prática dos cristãos.
Alerta à imprensa
Desta forma, a igreja, ao não autorizar o casamento de um membro que descumpriu sua normatização interna, exerceu seu direito enquanto organização religiosa. Por outro lado, o Judiciário, ao contrariar essa deliberação eclesiástica impondo, no exercício legal de sua autoridade, a realização da cerimônia, data venia, extrapolou seus limites constitucionais.
Entendimento também expresso, na mídia nacional, pelo ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, maior instância do Poder Judiciário infraconstitucional do país, ao comentar o caso declarou que, ‘O Estado brasileiro não pode interferir em normas da igreja, porque é laico, não tem religião.’.
Adicione-se que o Novo Código Civil estabelece que é direito da organização religiosa, na condição de pessoa jurídica de direito privado, auto-regulamentar-se, criando normas internas de funcionamento, sobretudo regramentos que atinem especificamente sobre questões eclesiásticas, religiosas, espirituais, de fé, que devem estar contidas no Estatuto Social da Igreja, sendo que estas não podem contrariar a ordem jurídica vigente, respeitando a dignidade da pessoa humana, à qual estão sujeitos todos os fiéis, membros, congregados e freqüentadores.
Daí a imperiosa necessidade de usufruir da prerrogativa legal da auto-regulamentação e proceder com brevidade, ainda que não haja prazo obrigatório, a adequação do Estatuto Social da Igreja, eis que os antigos foram elaborados sob a égide do Código Civil de 1916, que está revogado.
Alertamos a imprensa e nossos irmãos: como os cidadãos da pátria terrestre, estamos todos submetidos à ordem jurídica vigente. Por isso, as igrejas, com exceção das questões eclesiásticas, religiosas, espirituais, de fé, como qualquer instituição que congrega pessoas, nos assuntos associativos, financeiros, patrimoniais e administrativos permanecem, como sempre estiveram, sob o crivo do Estado, munus (prerrogativa) concedido pela sociedade civil organizada, em que todos estamos inseridos, no exercício de nossos direitos e cumprimentos de nossos deveres, sobretudo nós, os cristãos.
‘Bem aventurados os que observam o direito, que praticam a justiça em todos os tempos’. (Sal. 106:3)
******
Advogado, professor universitário e do STBSB, autor de O direito nosso de cada dia; site (www.direitonosso.com.br)