O Globo
de segunda-feira (14/11) publica na página 8 a sentença da Justiça na ação de danos morais ajuizada contra a Infoglobo Comunicações por Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da presidência da República no governo FHC. A sentença foi publicada por ordem do Tribunal de Justiça, que acatou recurso contra a decisão do juiz que não obrigava a publicação. Abaixo, a íntegra da decisão.
Décima Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília – DF.
Processo: 2000.01.1.056243-4.
Ação: Reparação de Danos.
Cuida-se de ação de indenização, subordinada ao rito ordinário, proposta por EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA contra de INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA, visando o pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 1.824.000,00 (um milhão, oitocentos e vinte e quatro mil reais) em razão das diversas publicações veiculadas pela ré, no período do ano de 2000 a 2002, acusando o autor, dentre outras coisas, de desvio de verbas públicas para a construção do TRT de São Paulo e de enriquecimento indevido. Alega que as diversas investigações promovidas por vários órgãos investigatórios não apontaram sua participação em qualquer das denúncias publicadas. Esclarece que à medida que os fatos eram esclarecidos, afastando seu envolvimento do referido desvio, ainda assim, a ré insistia em denegrir sua imagem, insistindo na sua participação, usando sempre de termos difamatórios e ofensivos nas várias reportagens publicadas, e que segundo o autor, afetaram sua reputação, credibilidade profissional e vida pessoal. Requer, ao final, a indenização pelos danos morais no importe de R$ 1.824.000,00 , a publicação no primeiro caderno da sentença condenatória nas mesmas condições das matérias ofensivas veiculadas e que seja inserida em caráter definitivo no site do Globo Online, junto às matérias ofensivas, o inteiro teor da sentença condenatória. A inicial veio acompanhada de documentos.
Regularmente citada, a ré apresentou defesa acompanhada de documentos .
Na contestação, a ré suscita duas preliminares: a primeira, nulidade dos atos processuais decorrentes da inadequação do rito procedimental escolhido pelo autor; e a segunda, de prevenção e conexão em relação à ação em curso na segunda Vara Cível desta Circunscrição. No mérito, inicialmente, suscita como matérias prejudiciais, a decadência e a prescrição. No mais, afirma que as matérias citadas na inicial foram divulgadas de acordo com a Lei de Imprensa. Alega que as várias reportagens eram baseadas nas investigações que os órgãos responsávies estavam realizando, em especial, o Ministério Público da União. Explica que o intuito das matérias era divulgar os fatos, objetivo da atividade jornalística. Informa que o autor não comprovou o dolo de ofender a sua imagem, e que todos os fatos noticiados eram de conhecimento público. Argumenta que as matérias eram divulgadas no exercício regular de um direito reconhecido, ou seja, a liberdade de imprensa, o que constitui um fato impeditivo ao direito pleiteado pelo autor. Arremata requerendo o acolhimento das preliminares suscitadas e, se ultrapassadas, o acolhimento das matérias prejudiciais ao mérito e, se rejeitadas, a improcedência do pedido.
Em réplica, a autora rebate as alegações feitas na contestação e reitera os termos contidos na inicial. Junta documentos.
Facultada às partes a oportunidade de produzir provas, a autora requereu a produção de prova testemunhal, e a ré, além do pedido de apreciação das preliminares suscitadas na contestação, requereu a produção de prova oral através de depoimento pessoal e oitiva de testemunhas, como também prova documental.
Em decisão interlocutória saneadora, foram rejeitadas as preliminares suscitadas pela ré, e foi deferida a produção de prova oral requerida pelas partes.
A ré agravou da decisão, a qual foi concedido o efeito suspensivo, no sentido de que não seja proferida sentença até que se julgue o mérito do recurso.
Em audiência de instrução e julgamento foi colhido o depoimento pessoal do autor, de uma testemunha e de um informante, conforme termo de fls. 875.
O agravo de instrumento acima mencionado teve negado o seu provimento .
O autor apresentou alegações finais.
É o relatório.
DECIDO.
Busca o autor ver-se indenizado pela ré em razão das diversas reportagens publicadas no Jornal O GLOBO e na revista eletrônica GLOBO ONLINE, todas ditas falsas e que teriam atingindo sua reputação, credibilidade profissional e vida pessoal, conforme investigações realizadas durante 5 anos pelo Ministério Público Federal, pela Receita Federal, pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal e pela Corregedoria Geral da União, sem que se tenha proposta qualquer ação de conhecimento contra sua pessoa, ou que tenha comprovada a veracidade das reportagens publicas, e já transcorrido o prazo decadencial de cinco anos para propositura de ação de improbidade administrativa.
Antes de apreciar o mérito, registra-se que as preliminares suscitadas pela ré foram devidamente afastadas, conforme decisão interlocutória proferida , atacada pelo Agravo de Instrumento também não provido, assim ementado:
‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VEICULAÇÃO DE MATÉRIAS NA IMPRENSA. PROCEDIMENTO ELEITO. PRESCRIÇÃO. I- O art. 57, § 4º, da lei de Imprensa dispõe que ‘não havendo contestação, o juiz proferirá desde logo a sentença; em caso contrário, observar-se-á o procedimento ordinário’. Além da Lei de Imprensa remeter à adoção do rito ordinário, a ré-agravante não experimentou prejuízo, pois teve 15 (quinze) dias para contestar, em detrimento do prazo exíguo de 5 (cinco) dias da Lei de Imprensa. Art. 250, parágrafo único, do CPC. II- Conforme art. 2.028 do CC/02, ‘serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade estabelecida na lei revogada’. III- As reportagens ocorreram em julho e agosto/2000. O CC/02 entrou em vigor em 11/01/03. O prazo prescricional da pretensão indenizatória foi reduzido (art. 206, § 3º, inciso, CC/02), contudo não transcorreu mais da metade do prazo previsto no Código revogado (art. 177 do CC/16). IV – Aplicação na espécie do prazo do art. 177 do CC/16 e não o prazo do art. 56 da Lei de Imprensa, neste ponto modificada pela C.F, de 1988. V – Agravo conhecido e improvido.’
Passo ao mérito.
Não se desconhece a liberdade de imprensa consagrada no inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal, que a destaca assim: ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;’. Por sua vez, o inciso X daquele mesmo artigo garante que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;’
Um dos pontos controvertidos tem sido a conciliação dos direitos à liberdade de imprensa e à privacidade, intimidade, honra e imagem das pessoas objeto das reportagens, isso porque, sendo livre a difusão de informações e idéias, independentemente de censura ou de licença prévia, poder-se-ia imaginar que a imprensa esteja livre para, sem controle, publicar aquilo que entendesse correto, sem o comprometimento com a verdade, o que a toda evidência não é admissível, mormente diante da tutela desses atributos da pessoa humana, e também porque a credibilidade das imprensas jornalísticas reside, unicamente, na fidelidade das informações transmitidas.
Darcy Arruda Miranda, in Comentários à Lei de Imprensa , discorre acerca do papel do jornalista na elaboração de uma reportagem, verbis:
’29. O jornalista
O jornalista, dentro da redação de um jornal, representa o papel do escultor que modela, no isolamento de seu atelier, com o buril e o escopro, para edificação da arte e difusão do belo, as mais perfeitas figuras da estatuária. Com a pena a serviço de seu pensamento, tem o jornalista à sua mercê, por vezes em plena amorfia, a opinião pública, que lhe cumpre modelar, no sentido do bom e do justo. E, do mesmo modo que o escultor pode construir mostrengos, deformando a arte da estatuária, pode o jornalista, com a distrofia do pensamento, deformar a arte de escrever, transformando-a em instrumento de corrupção e de anticivismo.
O pensamento – que é força em potência – através do qual os espíritos se comunicam com o exterior, quando veiculado pela imprensa, toma-se eficiente instrumento de cultura e, também, perigosa arma de destruição. Espíritos menos atreitos conquista das altas esferas do pensamento criador, podem transformar, impulsionados por idéias malsãs ou por apetites desonestos, a tribuna livre e nobre da imprensa em terreiro de macumba, onde fermentam e azedam as opiniões sem brilho, para formação do mosto da corrupção e da desordem mental.
Para coibir esses excessos, esses desvios da ética, esses abusos no exercício da liberdade de escrever e de pensar, foi que os legisladores de todos os tempos, fixando limites a essa liberdade, classificaram de delitos os desmandos dos autores.
Sem esse freio legal, a imprensa, de dínamo propulsor da civilização se tomaria, em mãos inescrupulosas, num látego da liberdade.
Tal a razão pela qual todas as Constituições dos povos livres, ao mesmo passo que consagram a liberdade de opinião, como normas estabelecem certas restrições à sua manifestação, restrições essas ditadas pela necessidade da paz social.
A nossa Constituição Federal, de 1946, com esteio na tradição, em seu art. 141, que tratava dos direitos e das garantias individuais, assegurava em o § 5º, a livre manifestação de pensamento, sem que depende de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar, pelos abusos que cometer.
O mesmo princípio se encontra na Constituição de 15 de março de 1967, em seu art. 150, § 8º, e na de 1969, art. 153, § 8º.
A nossa Constituição de 5.10.1988, desdobra esse princípio, mantendo-o, porém, nos arts. 5º, IV, IX, E XIV, e 220 e §§ 1º, 2º e 3º.’
Temos, ainda, na CF, em seu art. 5º, inciso X, a garantia de que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…)’.
Por sua vez, a liberdade de imprensa não é absoluta, como dito. ‘A sociedade como o indivíduo, tem os seus direitos condicionados a um mínimo necessário à convivência pacífica. A liberdade emoldura-os, nos regimes democráticos. A lei enforma-os. O poder assegura o seu exercício. A norma penal estabelece sanções para os abusos’, na lição de Darcy Arruda Miranda.
Nelson Hungria ressalta: ‘Liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação de pensamento pela imprensa; mas como todo o direito, tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios. A ordem jurídica não pode deixar de ser um equilíbrio de interesses: não é possível uma colisão de direitos, autenticamente tais. O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação do direito alheio.’
Entre as formas de excesso, de desvios da ética e mesmo de abusos no exercício da liberdade de escrever e de pensar, têm-se a informação falsa, a notícia destorcida, a calúnia, a difamação e a injúria e outras formas de alteração da verdade dos fatos noticiados e retratados, todos tipificados na Lei de Imprensa, destacando-se o seu art. 49:
‘Aquele que no exercício de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem fica obrigado a reparar: I – os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18, e de calúnia, difamação ou injúria’.
Por sua vez, entende-se por responsabilidade a obrigação que tem cada homem de responder pelos atos que pratica ou pelos praticados por outrem que dele dependem, de alguma maneira. Em outras palavras: ‘É responsável aquele que responde pela obrigação assumida’, na lição de Aguiar Dias.
Traçadas as responsabilidades das empresas de jornalismo, a teoria da responsabilidade, mister a verificação se as reportagens das rés violaram essas garantias constitucionais e/ou desviaram de sua obrigação de informar.
DAS REPORTAGENS DITAS OFENSORAS
A partir do mês de julho de 2000, a ré deu início a publicação de diversas reportagens dirigidas contra o autor, todas baseadas em informações falsas, distorcidas, conforme ficou amplamente constatado, todas envolvendo o autor com o desvio de verbas públicas e de enriquecimento sem causa.
Naquilo que interessa, foram as seguintes reportagens:
‘Ainda foragido da Justiça, o juiz Nicolau ‘Lalau’ dos Santos Neto tem boa memória. E é dele mesmo a versão de que o ex-secretario-geral do Planalto Eduardo Jorge foi quem mais o ajudou a liberar verbas para a construção da sede do TRT de São Paulo. Por razões institucionais, é claro’. Dia 08/07/2000, matéria intitulada Boa Fonte.
‘(…) Há gente importante e atilada achando que o juiz foragido Nicolau Neto está para aparecer. E acusar. Isso é que teria levado o ex-ministro Jorge a falar. Uma vacina’. Dia 08/07/2000, coluna Panorama Político, de Tereza Cruvinel.
‘Ele e o juiz Nicolau parecem ter conversado demais ao telefone para tão poucos juízes classistas nomeados. São relembradas aqui como sinal do poder especial conferido aos que tocam no dinheiro invisível das campanhas. Poder que inebriou PC FARIAS e produziu pequenas réplicas dele nos estados’. Dia 09/07/2000, matéria intitulada Função Fatal.
‘Eduardo Jorge, Eduardo Jorge… Não é o mesmo que usou o endividamento de deputados no Banco do Brasil para assegurar seu apoio ao Governo e aparecia com destaque nas conversas grampeadas sobre favorecimentos do Planalto na privatização das teles? Na época, estas e outras amostras da atuação, digamos, não ortodoxa do secretário-geral da Presidência não chamaram muita atenção. Foram notícias mas não passaram disso. Agora a revelação das suas ligações com o juiz Nicolau-Lau ameaça transformar-se em algo mais do que um embaraço, embora talvez menos do que um terremoto, para o Governo. Se o Eduardo Jorge é o mesmo, a imprensa é a mesma e o Governo é o mesmo, o que mudou para que o descaso de antes virasse as manchetes de hoje? O escândalo é maior, certo. Pelo menos em cifras. O mais espetacular exemplo de desvio de dinheiro público do fim do século no Brasil – se você concordar que o Proer pelo menos tinha um disfarce oficial convincente e a corrupção na Prefeitura de São Paulo é endêmica e crônica – tem uma das suas pontas ainda não explicadas no gabinete ao lado do gabinete do presidente da República, é mole? (…)’. Dia 11/07/2000, matéria intitulada O que mudou.
‘Em conversas gravadas publicadas em reportagem da revisto ´IstoÉ` que circula hoje, o juiz Nicolau dos Santos Neto disse que o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira o ajudava a liberar verbas para a obra superfaturada do fórum do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo…’ Dia 14/07/2000, matéria intitulada de Fitas ligam Nicolau a Eduardo Jorge.
‘A revelação, pelos jornais, de um pedido de crédito suplementar de R$ 25 milhões para o TRT paulista, com parecer favorável do ministro Martus, acolhido pelo presidente forçou o Planalto a dizer o inconcebível. Que o presidente não sabia o que assinava. Logo, algum subalterno foi descuidado, e este naturalmente é Martus. É possível que ele tenha vergado-se a pressões de Eduardo Jorge, conforme insinua Nicolau na gravação de uma conversa publicada por Istoé.(…) Mesmo assim, para todos os efeitos Martus tornou-se um operador de Eduardo Jorge a favor de Nicolau. (…) Eduardo Jorge administrou financeira e operacionalmente as campanhas do presidente, foi o homem forte dos fundos de pensão, onde ninguém era nomeado sem passar por seu crivo; envolveu-se na área de seguros ao ponto de entrar para o ramo, tornou-se o homem forte do então poderoso Luiz Estevão, e por fim, interlocutor do juiz Nicolau (…) Foi isto que fez o presidente, os ministros da Fazenda e do Planejamento, quando saíram com notas dizendo que era impossível ao Executivo favorecer o TRT paulista. Em outras palavras, que Eduardo Jorge não teria feito isso. Agora se vê que ele podia e fez isso, como conta em Istoé o próprio Lalau. Conta ainda que o juiz aposentado que as relações não eram institucionais. Tanto que esteve no comitê do presidente e encontrava-se com Eduardo Jorge num escritório reservado em São Paulo. Persistir em sua defesa, para o Planalto, será mais que um erro. Um suicídio.’ Dia 14/07/2000, matéria intitulada ‘Os raios caem’, assinado por Tereza Cruvinel.
‘A Procuradoria da República do Distrito Federal já tem fortes indícios de que o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas ajudou a liberar as verbas para a obra de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). A maior parte dos recursos – R$ 169 milhões – foi desviada dos cofres públicos. Em breve, Eduardo Jorge deverá ser indiciado por improbidade administrativa. Mas o eixo central da investigação dos procuradores agora são o que eles consideram coincidências entre o caso Eduardo Jorge e o caso PC Farias-COLLOR. Os procuradores acham estranho que, como no caso anterior, assessores próximos ao presidente estejam sendo acusados.’ Dia 15/07/2000, matéria intitulada Eduardo Jorge deverá ser indiciado.
‘O problema do governo continua chamando-se Eduardo Jorge, não Martus Tavares. Até aqui, o Governo fez a defesa indireta do ex-ministro nas linhas tortas das notas oficiais. Se os repasses ao TRT paulista eram imperativos, ele não tinha como favorecer a obra. Essa tese ruiu e dilatou as desconfianças. Mas não parece ainda o presidente disposto a acusar os erros do ex-auxiliar. (….) Se repartiram ou não [o dinheiro roubado], só eles sabem, mas que o juiz roubava foi provado pela CPI do Judiciário. Roubava e tinha como sócios Luiz Estevão e Fábio Monteiro. Evadiu-se. Se Eduardo Jorge o ajudou retribuindo os favores prestados ao Plano Real, pela negação de ressuscitar a indexação de salários, o fez isso sem informar seu chefe, abusou de sua confiança.(….) Mas por que não deixar que Eduardo Jorge pague pelo desvio do imenso poder que lhe foi dado? Um ministro próximo de FH é quem diz: É difícil, foram mais de 15 anos de convivência….’. Dia 15/07/2000, matéria intitulada O nome do caso.
‘Você eu não sei, mas eu prefiro um presidente pateta a um presidente cúmplice. A tese armada para defender o Éfe Agá, de que ele não sabia de nada e foi usado por Eduardo Jorge e os outros para jogar mais dinheiro no sumidouro do TRT de São Paulo, pode ser a pior para a auto-estima dele – ninguém gosta de chamado de bobo – mas é a melhor para a nossa. (….) Só não foi explicado se, quando aceitou o pedido de Eduardo Jorge para apoiar o Roriz e o Estevão nas eleições em Brasília, Éfe Agá também não sabia o que estava fazendo. Deveria saber quem era o Estevão e se não soubesse quem era Eduardo Jorge, apesar dos 15 anos de estreito convívio, deveria ter descoberto então. O entusiasmo de Eduardo Jorge por Roriz e por Estevão deveria ter alertado o presidente para, pelo menos, desconfiar de tudo o que seu secretário lhe dera para endossar durante 15 anos (….). Dia 15/07/2000, título: Torcendo pela inocência’.
‘O fato é que o Governo, até o fim do mandato de FH, viverá sob o suspense da caixa-preta de Eduardo Jorge.’ Dia 15/07/2000, título: FH perde a paciência na reunião.
‘(…) O imóvel, que o ex-secretário diz ter custado US$ 600 mil, mas é avaliado por profissionais do mercado em US$ 1 milhão, tem 600 metros quadrados, (….)Enquanto aguarda a reforma, Eduardo Jorge e sua mulher, Lídice, moram num apartamento de 350 metros quadrados alugado na Avenida Delfim Moreira, no Leblon. Ele admite estar gastando R$ 12 mil mensais e aluguel e taxas (….). A aposentadoria de Eduardo Jorge é de R$ 8.500. O ex-secretário afirma que o padrão de vida que leva hoje é compatível com seus rendimentos (….)’. Dia 17/07/2000, matéria Negócios e bens do ex-secretário.
‘Todos estarão a postos no início de agosto para ver, saber mais, esvaziar ou fazer crescer o tema Eduardo Jorge e seus colegas de obra, Nicolau e Luiz Estevão’. Dia 17/07/2000, matéria intitulada Rotina Abalada.
‘Mesmo solidário a Fernando Henrique, poderá lembrar que foi a CPI do Judiciário de Antonio Carlos que ignorou todas as evidências do envolvimento de Eduardo Jorge no desvio de verbas do TRT paulista.’ Dia 17/07/2000, título da reportagem: Capítulo à parte.
‘O primeiro borrifo deverá ocorrer na Sasse da Caixa Econômica Federal, onde o ex-secretário-geral da Presidência mantém dois sobrinhos em setores estratégicos.’ Dia 17/07/2000, título da reportagem: Lança Chamas.
‘Eduardo Jorge tornou-se uma Xilella Fastidioso [bactéria Xilela Fastidiosa]. Seu código genético é antigo. Trata-se de um colaborador do presidente em cuja família. Esse tipo de personagem é típico do que FFHH chamaria de Brasil Arcaico. Relaciona-se com a liberação de verbas para Lalau, recebimento de denúncias encapuzadas (uma delas chegou a ele em áudio e vídeo), e lubrificação do acesso às arcas públicas. Com suas ramificações, estendeu-se no atual mandarinato por boa parte da rede de privatizações. O tucanato preferiu conviver com esse anacronismo. Problema dele. Esse tipo fastidioso de cortesão para assuntos especiais é uma praga. Num determinado momento perde o tato, e Eduardo Jorge perdeu-o quando afrontou o PSDB de Brasília, alavancando a política pessoal de Luís Estevão e a eleição do governador Joaquim Roriz. Foi um pedaço do PSDB, e não da oposição, quem montou a grelha onde Eduardo Jorge está frito.’ Dia 19/07/2000, matéria cujo título foi A luz do sol é o melhor detergente, do jornalista Elio Gaspari.
‘O juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, principal acusado do desvio de R$ 169 milhões da obra do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), fez 256 ligações telefônicas para o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira, entre 4 de fevereiro de 1992 e 10 de fevereiro de 1999. (….) Cruzando os dados das ligações de Nicolau para Eduardo Jorge e daquelas feitas entre os grupos Monteiro de Barros e OK com os dos caminhos tomados pelos R$ 169 milhões desviados do TRT/SP, o Ministério Público está descobrindo que a maioria dos telefonemas era feita quando os recursos do TRT-SP tomavam o rumo de contas de empresas laranjas, pessoas físicas ou financeiras no Paraguai ou no Panamá. Ou seja, o juiz conversava mais com Eduardo Jorge nos períodos em que era acionado o esquema de desvio dos R$ 169 milhões da obra do prédio do TRT. Dia 20/07/2000, título: Uma rede de ligações.
‘Na família Caldas Pereira, antiga e respeitada em Brasília, todos estão pagando pelos atos de um dos seus, Eduardo Jorge’. Dia 20/07/2000, título: Dramas Correlatos.
‘Poucas vezes um cortesão de Brasília teve suas atividades tão vasculhadas quanto o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira.’ Dia 23/07/2000, título: As assessorias podem explodir.
‘(….) O esquema do TRT tem ligações com o esquema Collor-PC-Luiz Estevão e companhia. (…) Ainda há no governo quem acredite piamente que Eduardo Jorge não foi beneficiado pelo ‘Nicoduto’, como alguns já chama o esquema de desvio de verbas patrocinado por Lalau. A dinheirama que juntou nos tem em depoimento ao Ministério Público Federal que o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira teve participação direta nas negociações de tentativa de salvamento da empresa entre 1995 e 1997. Pedro Paulo também se disse vítima de uma trama para retira-lo do controle da empreiteira e insinuou que Eduardo Jorge estava envolvido no plano.’ Dia 28/07/2000.
‘Eduardo Jorge mandou no balcão do fisiologismo, controlando a distribuição de cargos aos políticos que aprovaram a reeleição; mandou nos fundos de pensão, que decidiram as privatizações; na área de seguros e em nichos importantes do Banco do Brasil, da CEF e outros órgãos. Usou o poder delegado em favor do projeto do chefe, mas também para alcançar objetivos pessoais. Abusou da confiança ou sentiu-se liberado. A lição é simples: delegar demais a um só súdito traz o risco da perda de controle sobre seus atos.’ 29/07/2000, reportagem intitulada de Dois verbos, de Tereza Cruvinel.
‘Eduardo Jorge tem complexo de superioridade intelectual, é arrogante e emocionalmente imprevisível (…) Este homem, que já foi tão poderoso foi triturado nas últimas quatro semanas, arrastou toda a família em seu infortúnio e viu afastarem-se os que já o afagaram’. Dia 3/08/2000, coluna Panorama Política, de Tereza Cruvinel.
‘Já que é inevitável meter a mão no monturo, dado o fascínio que a sujeira exerce sobre todos nós, da mídia, e sobre a opinião pública, sequiosa de conhecer os detalhes do tráfico de influência do Governo, vamos lá: o esperado depoimento do ex-secretario-geral da Presidência Eduardo Jorge não provou nada, mas deixou uma catinga pavorosa (…..) Para a oposição tratava-se, sim, de averiguar o grau de informação do presidente Fernando Henrique sobre as múltiplas atividades empresariais de um auxiliar que, em princípio, não estava no Palácio do Planalto para aumentar, como aumentou, o seu patrimônio e, ao que parece, fez isso o tempo todo. (….) Mas ficou evidente que o homem de confiança de Fernando Henrique é um advogado administrativo de múltiplas e antigos negócios. Cumpria uma dupla jornada de trabalho. Isto já se sabia e não foi explicado. Uma chatice sem fim.’ Dia 05/08/2000, título: Chatice sem fim.
‘Quando saiu que o Juiz Nicolalau tinha telefonado para o Eduardo Jorge no Planalto exatas 117 vezes, fiquei intrigado. Hoje sei que o número não é este, é maior, e me tranqüilizei. Pois vendo e ouvindo depoimento do Eduardo Jorge na subcomissão de pseudoinquérito do Senado, eu poderia concluir que ele é tão inocente de tudo, tão inocente, que eu é que acabaria tendo que explicar a minha participação, e a do 117, nessa história toda’. Dia 05/08/2000, título Coincidências.
‘O Código de Ética da Administração Pública, que FH lança hoje, proíbe tudo (ou quase tudo) que Eduardo Jorge fez dentro e fora do Governo. Melhor agora do que nunca.’ Dia 21/08/2000, autoria da jornalista Tereza Cruvinel.
‘Nos últimos cinco anos e meio auxiliares diretos do presidente Fernando Henrique feriram normas de conduta agora instituídas no Código de Ética da Administração Pública. O ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira seria um dos campões de infrações contra a ética pública, até então implícita no serviço público’. Dia 22/08/2000, título da reportagem: Ministros abusaram de atitudes impróprias.
‘O teor do disquetes de Eduardo Jorge, revelados ontem pelo GLOBO, vai além do caso do TRT paulista. Algo vulgarmente conhecido como fisiologismo, banalizado como um pequeno e natural desvão da política, quando em verdade é o seu abismo: um sistema político baseado na cooptação das individualidades por um Executivo que opera com a lógica do balcão. (…) A busca da maioria será objeto das trocas que os disquetes de Eduardo Jorge revelam. Haverá sempre no Planalto alguém tomando conta do balcão. Neste ofício terá poder e influência para fazer suas próprias trocas, seus próprios negócios.’ Dia 26/08/2000, título: Alma dos negócios.
Além dessas reportagens, a ré publicou os seguintes títulos: ‘Os três temores: Lulu, Dudu e Lalau’, onde Dudu é o autor acompanhado de Luiz Estevão, e do Juiz Nicolau dos Santos Neto; a outra aparece o autor, em companhia dos personagens citados, com a seguintes exclamação: ‘Posso servir ou vamos esperar o Wanderley Luxemburgo, e a última aparecem presos Luiz Estevão e o Juiz Nicolau, e na frente da cela, solto, o autor, com a seguinte exclamação: ‘Ei, Dudu, psiu! Quem é o seu advogado?’
Reproduzidas as matérias ditas ofensivas, mister discorrer acerca da responsabilidade civil da ré para constatar, cristalinamente, a sua obrigação de indenizar.
A responsabilidade civil subjetiva pressupõe, além dos elementos essenciais (autoria, dano e nexo de causalidade), da existência da figura do dolo ou culpa.
Assim, se na divulgação das notícias envolvendo o autor, a ré extrapolou seu limite de informar, se violou norma de direito que tutela os interesses do autor das reportagens, causando-lhe prejuízo à sua honra, imagem, vida privada, intimidade etc, certamente, incidiu em abuso no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação.
Simples leitura das notícias, notas e charges envolvendo o autor, longe de representar simples notícias informativas, bem configuram indiscutíveis ofensas à honra, conceito, reputação e imagem do autor.
Como se extraem das publicações, sem exceção, o autor é apontado como envolvido direto no gravíssimo crime de desvio de verbas públicas, o que, mesmo em se supondo críveis, coerentes e fidedignas as palavras das pessoas que transmitiram as informações aos jornalistas da ré, implicou frontal lesão ao conceito pessoal do ofendido, e foram publicadas sem que houvesse qualquer confirmação de sua veracidade, ou que se contivesse a versão do acusado. Nada disso ocorreu.
Por sua vez, a simples tentativa de ligar a sua imagem aos dos personagens citados reiteradamente – LUIZ ESTEVÃO E JUIZ NILOCOU DOS SANTOS NETO – na execução direta dos crimes praticados, como co-autor dos desvios de verbas públicas para construção do fórum do TRT-SP, sem nenhuma prova, unicamente, em notícias extraídas não se sabem de onde, desencadearam inúmeros procedimentos investigatórios, todos sem sucesso, conforme ficou provado nos autos, mormente em face da ausência de condenação criminal ou civil, ou mesmo a existência de apuração de procedimento administrativo para apurar ‘os inúmeros delitos’ praticado pelo autor durante o exercício de suas funções, e de irregularidade na evolução de seu patrimônio.
Sem querer ser repetitivo, trascrevo somente algumas das publicações:
‘(…) Mas o eixo central da investigação dos procuradores agora são o que eles consideram coincidências entre o caso Eduardo Jorge e o caso PC Farias-COLLOR.’
‘(…) Se repartiram ou não [o dinheiro roubado], só eles sabem, mas que o juiz roubava foi provado pela CPI do Judiciário. Roubava e tinha como sócios Luiz Estevão e Fábio Monteiro’.
‘O fato é que o Governo, até o fim do mandato de FH, viverá sob o suspense da caixa-preta de Eduardo Jorge.’
‘Eduardo Jorge tem complexo de superioridade intelectual, é arrogante e emocionalmente imprevisível (…) Este homem, que já foi tão poderoso foi triturado nas últimas quatro semanas, arrastou toda a família em seu infortúnio e viu afastarem-se os que já o afagaram.’
(….) Mas ficou evidente que o homem de confiança de Fernando Henrique é um advogado administrativo de múltiplas e antigos negócios. Cumpria uma dupla jornada de trabalho. Isto já se sabia e não foi explicado. Uma chatice sem fim.’
Ora, quando se afirma que a pessoa é acusada formalmente pelo desvio de dinheiro, sem que nada se prove, não é crível que acredite na tese de liberdade de informação.
Qual o limite dessa liberdade? De acreditar em uma fonte falsa, desmerecedora de isenção, que simplesmente lançou a idéia imaginada, supondo acreditar que EDUARDO JORGE agia como outro personagem de governo anterior, ou seja, de que pudesse ser PC de COLLOR, sem a existência de prova concreta.
Tanto é verdade que o Autor não chegou a ser processado civil, administrativa ou criminalmente pelo desvio de verbas no TRT-SP, após a intensa investigação pela Polícia Federal, TCU, Receita Federal, Banco Central, etc.
E o dinheiro: onde está a prova de que houve a repartição ou não do dinheiro, conforme afirmou a reportagem do dia 15/07/2000.
O mesmo se diz de ‘todas as evidências do envolvimento de Eduardo Jorge no desvio de verbas do TRT paulista.
E o esquema do TRT com as ligações Collor-PC – Luiz Estevão e companhia e a prova de que Eduardo Jorge tenha sido beneficiado pelo ‘NICODUTO’.
A toda a evidência, após todos esses anos, de 2000 até a presente data, nenhuma prova material foi apresentada.
Não se pode negar, portanto, ter havido nas inúmeras reportagens mencionadas, calúnia, injúria e difamação, cometidas com culpa e dolo, por tão tradicionais órgãos de imprensa, envolvendo o autor, porém, houve uma onda de denúncias, como dito alhures, sem nenhuma comprovação.
Mesmo que se tratasse de reportagens de cunho político, em que se admite sobrelevar a preocupação de chegar à frente com o furo de reportagens, cabia à empresa jornalística prudência e cautela na divulgação dos fatos a envolver o nome do autor, o que a toda evidência não ocorreu.
O certo é que a ré no afã de provar a ligação do autor com o desvio de verbas do fórum do TRT/SP, e com as duas personagens citadas supra, afirmou, entre outras denúncias contra o autor: o autor foi quem mais ajudou o Juiz Nicolau a liberar verbas para a construção do TRT; que o autor participou diretamente, e utilizando-se do gabinete ao lado do gabinete do presidente da República, no maior desvio de dinheiro público do fim do século no Brasil; que o eixo central da investigação dos procuradores agora é os que eles consideram coincidências entre o caso Eduardo Jorge e o caso PC FARIAS-COLLOR; que se o autor e dois outros personagens – Juiz Nicolau e Luiz Estevão – ‘repartiram ou não o dinheiro roubado, só eles sabem…’; que O Código de Ética da Administração Pública, que FH lança hoje, proíbe tudo (ou quase tudo) que Eduardo Jorge fez dentro e fora do Governo’.
Ora, todas essas afirmações (caluniosas) imputaram a prática de crime por parte do autor, nenhuma comprovada, nenhuma condenação, nenhum elemento de veracidade, inclusive, de difícil prova por parte do autor, mais que, dentro da limitação legal, foram feitas.
Com efeito, o autor acostou aos autos, consoante se extraem de fls. 52 usque 289, farta documentação que comprova o arquivamento do inquérito policial instaurado pelo Ministério Público para investigar sua participação no desvio de verbas do fórum do TRT/SP, a decisão proferida pela Secretaria da Receita Federal, no processo nº. 1016.008588/2001-08, comprova a inexistência de acréscimos patrimoniais injustificados a tributar; a inexistência de cheque, ordem de pagamento ou qualquer outro documento bancário destinado a crédito para terceiros, originado pela empresa INCAL S.A, isso em favor do autor e de todos os seus familiares e empresa relacionadas no documento de fls. 77/80, sendo certo que ‘até o dia 15 de dezembro de 2000, o nome dos requerentes constantes do parágrafo 2 acima não figuram nas planilhas elaboradas por esta Autarquia e encaminhada ao Ministério Público e ou Poder Judiciário, alusivas a operações decorrentes de pagamentos feitos pelo Tesouro Nacional, relacionados à obra do TRT-SP’.
Pode se afirmar, portanto, que não obstante o direito de informar, a ré extrapolou em muito esse direito, conforme se extraem das reportagens transcritas, afastando-se dos fatos, discorreu sobre o autor como se fosse responsável com duas outras pessoas pelo desvio de R$ 169 milhões do TRT/SP, fato suficiente para caracterizar o dano à honra do autor.
Dito isso, não vejo como acolher a defesa apresentada, de que não houve dolo por parte da ré, pelas seguintes razões: a uma, porque baseadas em fatos inverídicos; a duas, porque narram fatos sabidamente falsos, sem nenhuma consistência fática; a terceira, porque se as reportagens publicadas fiaram-se em opiniões de membros do Ministério Público Federal, a ré deverá arcar com sua imprudência e negligência, pois essas opiniões unilaterais, sem nenhuma prova, não poderão servir de fundamento para excluir sua responsabilidade, mormente porque esses membros do PARQUET não estão acima da lei, nem são magos para transformar os fatos imaginados em verdades.
Não se nega, por sua vez, que a ré, por intermédio de suas empresas, têm sido e continuarão sendo importantes para o país e para a democracia, mas não estarão livres, diante de notícias falsas, indiretas e presuntiva, de cometer excessos que, pelas conseqüências, devem ser corrigidas, e, não sendo possível, indenizáveis. Ao dar aos fatos versões não ajustadas com a verdade, isso porque a CPI do Judiciário não comprovou qualquer ligação do autor com o desvio de verbas, quando os jornais de propriedade da ré apontaram indevidamente o autor como partícipe do desvio do dinheiro, assumiu a ré o risco de responder pelo excesso e pela indenização por danos morais.
Não se pode, ainda, deixar de apontar o ataque sórdido ao autor quando afirma que o mesmo teria incidido em todos os artigos do Código de Ética, como seja, de forma dolosa injuriou sem que tenha apontado/comprovado qualquer ato administrativo praticado pelo autor que tenha incidido no referido código.
Da mesma forma, as notícias mostraram-se injuriosas, à medida que em diversos trechos faziam menção aos familiares do autor, fato que, pela sua natureza e teor de matéria, afeta a auto-estima de qualquer pessoa.
Não se pode deixar de reconhece o constrangimento que o autor, durante o período das veiculações na imprensa, enfrentou em seu ambiente familiar, de trabalho, nas ruas etc, ao ser apontado como co-autor de desvio de verbas públicas.
A lesão à honra, à moral e a imagem do autor foi inconteste. O dano moral foi indiscutível. A ninguém seria lícito negar o profundo sofrimento psicológico experimentado pelo autor, por ter seu nome envolvido nas inúmeras reportagens denunciativas, sacadas quase sempre pelos mesmos jornalistas. Grande, certamente, foi a sua humilhação, como enorme o constrangimento por haver passado de ministro de Estado, funcionário de confiança do presidente da República, por corrupto e criminoso em seu sentido lato sensu.
Destaca-se, ainda, a impertinência das alegações da ré quando afirma que, não se verifica nos autos qualquer conduta ilícita perpetrada pelo réu que tenha sido dirigida contra o autor, afastando o nexo de causalidade e a conduta ilícita do réu.
Todas as reportagens e as charges publicadas envolvendo o autor, diferentemente do alegado pela ré, trazem em seu bojo fatos típicos que se enquadram em calúnia, difamação e da injúria, lembrando ao autor, ofensa à dignidade ou decorre caracteriza a figura da injúria, e a imputação de fato ofensivo da reputação de alguém, caracteriza a difamação, e, por fim, a imputação falsa de crime, a calúnia.
Como calúnia e injuriam, destacam-se, entre outras:
‘… Se o Eduardo Jorge é o mesmo, a imprensa é a mesma e o Governo é o mesmo, (…) O mais espetacular exemplo de desvio de dinheiro público do fim do século no Brasil – (…) – tem um das suas pontas ainda não explicadas no gabinete ao lado do gabinete do presidente da República, é mole?’
Não precisa lembrar que o gabinete citado foi/era o de Eduardo Jorge.
‘…Em outras palavras, que Eduardo Jorge não teria feito isso. Agora se vê que ele podia e fez isso, como conta em Istoé…’ (aqui se referindo a participação direta do autor na liberação de verbas para o TRT/SP).
‘A Procuradoria da República no Distrito Federal já tem fortes indícios de que o ex-secretário geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas ajudou a liberar as verbas para a obra de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. (…) Em breve, Eduardo Jorge deverá ser indiciado por improbidade administrativa. (…) Mas o eixo central da investigação dos procuradores agora são o que eles consideram coincidências entre o caso Eduardo Jorge e o caso PC FARIAS-COLLOR’.
‘…Se repartiram ou não [o dinheiro roubado] só eles sabem….’.
‘Mesmo solidária a Fernando Henrique, poderá lembrar que foi a CPI do Judiciário de Antônio Carlos que ignorou todas as evidências do envolvimento de Eduardo Jorge no desvio de verbas do TRT paulista.’
‘(…) O esquema do TRT tem ligações com o esquema Collor-PC- Luiz Estevão e companhia. (…) Ainda há no governo quem acredite piamente que Eduardo Jorge não foi beneficiado pelo ‘Nicodouto’, como alguns já chamam o esquema de desvio de verbas patrocinado por Lalau. A dinheirama que juntou nos últimos anos seria fruto de seu trabalho de lobista. Que não é ilícito’.
‘Encol: MP vê indícios de tráfico de influência na atuação de Eduardo Jorge. (..)’.
‘Mas ficou evidente que o homem de confiança de Fernando Henrique (Eduardo Jorge) é um advogado administrativo de múltiplos e antigos negócios. Cumpria uma dupla jornada de trabalho. Isto já se sabia e não foi explicado’.
‘O Código de Ética da Administração Pública, que FH lança hoje, proíbe tudo (ou quase tudo) que Eduardo Jorge fez dentro e fora do Governo.’
‘O ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira seria um dos campões de infrações contra e ética pública, (…).’
Em todas essas reportagens é possível extrai a publicação de notícias falsas, de forma truncada e/ou deturpada, imputando ao autor a prática de inúmeros crimes, todos relacionados com desvio de verbas a que participado o autor, o que a toda evidência não ficou provado pela ré, nem pelo Ministério Público Federal, não sendo o autor acusado ou indiciado em nenhum processo criminal ou de improbidade administrativa.
O mesmo se diz em relação à advocacia administrativa a que teria praticado o autor durante o exercício de suas funções de Secretário-Geral da Presidência da República.
A conduta da ré não pode ser protegida pela liberdade de informações, isso porque, a toda evidência, não relatou fatos ocorridos com o autor, quando do exercício de suas atividades de servidor público, mas sim acusou o autor da pratica de crimes de desvio de verbas, e de corrupção, de advocacia administrativa e etc.
‘O problema do governo continua chamando-se Eduardo Jorge, não Martus Tavares. Até aqui, o governo fez a defesa indireta do ex-ministro nas linhas tortas das notas oficiais. (…) Essa tese ruiu e dilatou as desconfinças. (…)’.
‘O fato é que o Governo, até o fim de mandato de FH, viverá sob o suspense da caixa-preta de Eduardo Jorge’.
‘Na família Caldas Pereira, antiga e respeita em Brasília, todos estão pagando pelos atos de um dos seus, Eduardo Jorge.’
‘EDUARDO JORGE TEM COMPLEXO DE SUPERIORIDADE INTELECTUAL, É ARROGANTE E EMOCIONALMENTE IMPREVISÍVEL (…) Este homem, que já foi tão poderoso foi triturado nas últimas quatro semanas, arrastou toda a família em seu infortúnio e viu afastarem-se os que já o afagaram…’
Ora, é de se perguntar: as matérias publicadas pela ré em seus periódicos não foram dirigidas contra o autor? A resposta não pode ser outra. Todas tiveram a intenção deliberada de atingir a sua honra.
Pode-se, portanto, afirmar que as reportagens não se ativeram na divulgação tão somente de fatos verdadeiros, noticiados por toda imprensa nacional, como estaria, a princípio, a fazer, por força do art. 220 da C.F. O que se observa são ataques pessoais, deliberados e dirigidos a pessoa do autor, com vários propósitos, que não ficaram evidentes, para que pareceu ser atingir ao então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, e ao mesmo tempo a pessoa do autor, que diante das denuncias foi afastado de sua função de Secretário-Geral da Presidência da República, sob a acusado de participação ativa e beneficiário direto das verbas desviadas do fórum trabalhista de São Paulo.
O cúmulo das acusações caluniosas, divulgada de forma mascarada, foi ‘as coincidências entre o caso Eduardo Jorge e o caso PC Farias-Collor’, quando se sabe, de forma induvidosa, da conduta destes últimos personagens citados.
O afã de atingir ao autor com o desvio de verbas do TRT/SP a ré foi capaz de, dolosamente, ressuscitar o Paulo César Farias, vulgo PC, e visualizar suas ligações entre o autor Collor-PC, buscando, diretamente, causar danos ao Presidente da República da época (Fernando Henrique Cardoso), e quiçá desencadear novo processo para afastamento de outro presidente da República. É um absurdo, caso tivesse sido essa a verdadeira intenção da ‘fonte’ da ré.
A ré, por sua vez, nada viu de anormal nas reportagens, em seus propósitos, nas conseqüências políticas, jurídicas (civis, penais e administrativas) quando é capaz de afirmar, entre outras coisas que ‘Ainda há no governo quem acredite piamente que Eduardo Jorge não foi beneficiado pelo ‘INCODUTO’, como alguns já chama o esquema de desvio de verbas patrocinado por Lalau. A dinheirama que juntou nos últimos anos seria fruto de seu trabalho de lobista. Que não é ilícito.’
É um absurdo.
Não se nega, como dito alhures, o direito da ré em publicar fatos investigatórios, depoimentos colhidos em processos criminais ou mesmo em processo político, como é uma CPI. O que não se pode admitir é o juízo de valor, acusações levianas extraídas de fontes sigilosas e sem nenhuma comprovação. Assim fazendo assumiu a ré os encargos de sua conduta culposa e dolosa.
Assim, não vejo como deixar de condenar a ré.
O egrégio TJDF já teve oportunidade de se manifestar acerca da matéria, valendo transcrever a ementa proferida na Apelação Cível n. 2002.01.5.007848-2, Relator Des. João Egmont Lopes – reg. Acórdão n. 192548 – que assim decidiu:
Ementa:
‘CONSTITUCIONAL E CIVIL – LIBERDADE DE IMPRENSA VERSUS DIREITO À HONRA E À IMAGEM DAS PESSOAS – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – NOTÍCIA DIFAMATÓRIA E INJURIOSA – DEVER DE INDENIZAR.
1. Sé é certo que a Carta de Outubro proclama, reconhece e protege o direito à liberdade de imprensa, menos verdade não é que este direito não é ilimitado e por isto deve ser exercido com responsabilidade e em harmonia com outros direitos, especialmente com o direito que todos temos à honra e à boa imagem, não se prestando, portanto, a informação jornalística como instrumento para denegrir ou macular a honra das pessoas. 2. Doutrina. José Afonso da Silva. ‘O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação eventuais danos materiais e morais. Como salienta Miguel Angel Ekmekdjian, a proibição à censura prévia, como garantia a liberdade de imprensa, implica forte limitação ao controle estatal preventivo, mas não impede a responsabilização posterior em virtude do abuso no exercício desse direito. O autor, inclusive, cita julgado da Corte Suprema de justiça argentina no qual se afirmou: ‘apesar de no regime democrático a liberdade de expressão ter um lugar eminente que obriga o particular cautela enquanto se trata de decidir responsabilidades por seu desenvolvimento, pode-se afirmar sem vacilação que ela não se traduz no propósito de assegurar a impunidade da imprensa’. A liberdade de imprensa em todos os aspectos, inclusive mediante a vedação de censura prévia, deve ser exercida com a necessária responsabilidade que se exige em um Estado Democrático de Direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o cometimento de fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos prejudicados plena e integral indenização por danos materiais e morais, além do efetivo direito de resposta.’. 2.1. Alexandre de Moraes. ‘O texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia. Essa previsão, porém, não significa que a liberdade de imprensa é absoluta, não encontrando restrições nos demais direitos fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível, em relação a eventuais danos materiais e morais’. 3. Ao publicar ou noticiar qualquer fato deverá o veículo de comunicação social proceder a um juízo acerca do conteúdo da matéria, não se esquecendo que a liberdade que lhe é conferida pela Carta Magna tem limites e que outros direitos, de igual envergadura, ali também se encontram tutelados. 4. Nesta ordem de idéias, a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que, em certos casos, pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. 2.1. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. 3. Sentença modificada para julgar-se parcialmente procedente o pedido.’
Passo à fixação dos danos morais.
O dano moral, diferentemente do dano material, não se dirige apenas à recomposição do patrimônio do ofendido, como restabelecimento puro e simples do status quo ante. Visa, acima de tudo, compensar, de alguma forma, as aflições da alma humana, nas dores provocadas pelas mágoas produzidas em decorrência das lesões íntimas, apresentando um sucedâneo ao sofrimento das pessoas lesadas, como no caso do autor que foi acusado de praticar vários atos ilícitos – posteriormente não provados.
Seja em relação ao que é devido, seja no tocante ao quanto devido, tem-se reconhecido a impossibilidade, na prática, de transposição dos princípios atinentes à indenização dos danos patrimoniais para o campo dos direitos extra-patrimoniais, havendo na legislação, sabiamente, ausência de uma medida adequada ou um critério fixo para aferir o valor moral.
Todavia, para manter-me coerente, como em todas minhas decisões anteriormente proferidas, fixo os danos morais considerando, entre outros elementos: a) a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade do fato e sua repercussão; b) o grau de culpa do ofensor ou responsável, sua situação econômica; c) a conduta do ofensor após o fato buscando reduzir suas conseqüências.
O primeiro elemento – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade do fato e a sua repercussão – não tenho dúvidas que foram de grande repercussão na vida do autor, funcionário público de carreira, que galgou o cargo de ministro de Estado, foi fartamente acusado de prática de ilícitos administrativos, fiscais e penais, todas as acusações de gravidade incontestes, e feitas pelas empresas de informações de propriedade da ré, que culminaram com o seu afastamento do cargo então ocupado de ministro de Estado, com a obrigação de responder diversos procedimentos investigatórios, certamente causadores de aborrecimentos pessoais e de lesões à sua honra, todos provenientes do desdobramento natural decorrente, quando, ao final nenhum ilícito foi provado contra o autor.
Quanto ao segundo elemento – o grau de culpa da ofensora e a sua situação econômica – é cristalina a capacidade financeira da ré, a maior empresa de Comunicação e de Jornalismo deste País, possuiu uma boa situação econômica e financeira, o que não lhe desobriga a ser mais diligente para evitar fatos lamentáveis, como os ocorridos, conforme se extraem das acusações sacadas contra o autor. O culpa da ré também é inconteste. As reportagens publicadas associando o autor ao desvio de verbas e de enriquecimento indevido, algumas de forma deturpada, distorcida, indireta, tentaram ligá-lo a personalidades repugnantes do cenário nacional, tais como Nicolau de Santos Neto, Luiz Estevão, PC FARIAS etc. O ‘bombardeiro’ foi maldoso, e certamente escondeu um propósito não esclarecido.
O terceiro elemento – conduta da ré após o fato ocorrido e os procedimentos adotados para reduzir as conseqüências – não socorre à ré, que nada fez, pelo menos não alegou, que pudesse evitar a repetição desse fato, ou que tenha adotado alguma conduta para minimizar sua culpa, ao contrário, tentou imputar a terceiros a culpa pelo ocorrido, no que entendo incabível, apesar de reconhecer a publicação por parte de uma das jornalista Tereza Cruvinel acerca de seus erros acerca do autor.
Assim, em consonância com o preconizado pelo c. Superior Tribunal de Justiça, ‘a reparação por dano moral deve ser moderadamente arbitrada, com a finalidade de ´evitar perspectivas de lucro fácil e generoso, enfim, de locupletamento indevido` (REsp nº 8768-SP, Rel. Min. Barros Monteiro),’ e do alegado supra, fixo os danos morais em R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), isso porque, como dito anteriormente, as conseqüências foram imensas para o autor, que foi afastado do cargo de ministro de Estado, respondeu a diversos procedimentos investigatórios, e, ao final, nada ficou apurado, sem falar no número abusivo de imputações que lhe foram lançadas em tão pouco espaço de tempo (23 dias).
Por fim, registra-se, a fim de evitar a interposição de embargos de declaração somente para questionar o valor da indenização, que o pedido informado na petição inicial é meramente informativo e não vincula ao magistrado.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido formulado por EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA contra INFOGLOBO COMUNICAÇÕES LTDA para condenar a ré ao pagamento da importância de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), bem como ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do artigo 20, § 3º, do CPC, extinguindo o processo com fulcro no artigo 269, I, do citado Código.
Deixo de condenar a ré na publicação da sentença, como requerido nos itens II e III, eis que entendo que nenhum resultado praticado haverá para a honra do autor.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Brasília – DF, 15 de dezembro de 2004.
FABRICIO FONTOURA BEZERRA JUIZ DE DIREITO