Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jeito é chamar a cavalaria

Por mais que se torça o nariz para a imprensa, a verdade é que há situações que só mesmo ela para fazer o papel da cavalaria. Ainda mais num país cujo povo tem fama de ser excessivamente cordato, ou indolente, inzoneiro e outros tantos eufemismos com que tem sido distinguido em nossas artes e letras.


Se não chega a ser o caso de invejarmos o sangue quente dos hermanos argentinos, por exemplo, cujos panelaços e piquetes para todos os efeitos nunca foram suficientes para exorcizar o país de seus males crônicos, estou entre os que acreditam que um pouco mais de combatividade, de brio, para ser mais exato, não nos faria mal. Mas como é o tipo da coisa que não se adquire facilmente nem se compra na farmácia, só nos resta delegar, passar recibo e, como se diz popularmente, seguir em frente que atrás vem gente.


Seguir em frente, como se fosse fácil. Só se fazendo de cego, surdo e mudo, como aqueles famosos três macaquinhos. Ou botando pilha na imprensa, como disse de início, já que ainda não inventaram instrumento melhor para colocar as coisas em seus devidos lugares.


Medida inoportuna


Lembro de uma seção de muito sucesso que o jornal A Tribuna, de Santos (SP), mantinha antigamente – o ‘Quem resolve?’ –, na qual uma foto e uma simples legenda geralmente eram suficientes para que o problema fosse resolvido num piscar de olhos. Coisa que hoje em dia se processa de maneira muito mais ampla e irrestrita, graças principalmente à abrangência da televisão, cujo olhar indiscreto e perscrutador é o terror dos malfeitores e transgressores em geral.


É, pois, mais uma vez basicamente com esse poder coercivo e intimidatório que a sociedade pode contar no sentido de brecar esse novo esbulho que os políticos, mais especificamente do Senado, ameaçam empurrar goela abaixo da nação, com a disposição de aumentar em mais de 7.000 cadeiras os quadros da vereança municipal. No afã de acomodar a turma de suplentes que sobrou nas últimas eleições, o Senado – exceção de cinco dissidentes e uma abstenção – aprovou a toque de caixa uma proposta que o TFE já havia rejeitado anos atrás, não só por considerá-la inapropriada como por contenção de gastos. Emenda que acabou empacando na resistência da mesa da Câmara de Deputados, que depois de aprová-la preliminarmente, implicou com a retirada por parte do Senado do dispositivo que previa um controle de gastos, safando-nos de sua promulgação imediata.


Engendrada ao apagar das luzes do ano legislativo, senadores de todas as plumagens comparecem em massa para, em regime de força-tarefa, aprovar quase por aclamação o dispositivo que prevê o inchaço do quadro de vereadores municipais sob o pretexto de reforçar a representatividade do eleitorado. Argumento que não seduziu o próprio líder governista Aloísio Mercadante, que fez questão de expressar sua discordância no plenário por considerá-la sobretudo inoportuna num momento em que o governo não mede esforços para evitar que a crise mundial contamine nossa economia.


Mercadante fez o que compete a um político responsável, lembrando do inevitável ônus que o inchaço das câmaras municipais trará, com a admissão de uma nova leva de políticos e seus respectivos aspones, mas poucas vezes se viu o plenário tão irmanado, com governistas e os santarrões da oposição – a expressão, roubei do candente editorial da Folha de S.Paulo – colocando os interesses partidários acima do bom senso e do próprio decoro parlamentar. Como bem lembrou a colunista Eliane Cantanhêde, do mesmo jornal, por estas e outras que as pessoas de bem se arrepiam e querem cada vez mais distância de políticos e politicagens. De fato, com a perpetuação desse círculo vicioso, não é bem os sapatos, como fez aquele iraquiano com Bush, que dá vontade de arremessar nessa gente.


Quem resolve?


Lula continua exortando a população a consumir, como receita para evitar que nossa economia seja contaminada pela iminente recessão mundial. Em contrapartida, os juros bancários continuam na estratosfera, indiferentes aos apelos presidenciais e à própria injeção de recursos promovida pelo Banco Central. Eis um vilão que nem a cavalaria dá jeito.


Nunca choveu tanto como atualmente em certas regiões. Não sei como Lula ainda não chamou São Pedro às falas.


Para alívio da torcida corintiana, ao contrário do que foi noticiado preliminarmente, o clube conseguiu colocar salvaguardas no contrato com Ronaldo, como uma multa de 25 milhões em caso de rompimento de contrato e até desconto no salário se não conseguir atuar por força de problemas físicos ou clínicos. Naturalmente, tamanha boa vontade pode ser vista como prova da certeza do jogador em dar a volta por cima. Só resta combinar com os adversários.


A imprensa deu tão pouco destaque ao encontro de líderes latino-americanos ocorrido na paradisíaca Costa do Sauípe que nem os humoristas se interessaram. E não é para menos, pois ninguém agüenta mais o discurso dessa gente, ainda mais com a moda de calote à dívida externa novamente em voga, e o que é pior: sujeito a sobrar para o Brasil. Bem que a cavalaria alertou.


Um ano atrás, o Titanic da economia global ainda marchava placidamente rumo ao iceberg da grande crise que os governos de todo mundo tentam agora a todo custo controlar. O problema, como se sabe, é que não há salva-vidas para todos, de modo que as previsões para o próximo ano não poderiam ser mais sombrias. Para a imprensa, de qualquer maneira, 2008 foi um ano rico, em que não faltou material em todos os setores. Tivemos as Olimpíadas, a eleição do primeiro negro à presidência dos Estados Unidos, não faltaram crimes hediondos, convulsões, atentados, desastres climáticos, enfim, jornalisticamente falando, um ano para ninguém botar defeito. O balanço disso, como de costume, compõe o inescapável cardápio de fim de ano, enquanto a cavalaria recupera o fôlego.


Nada mais justo. Ninguém é de ferro.

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Jornalista, Santos, SP