Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo e o tição

O ex-governador Leonel Brizola foi perguntado certa vez por um repórter sobre sua possível decadência política. Tranqüilo e com voz firme ele respondeu: ‘Eu sou que nem o tição, é só soprar que eu incendeio’. O tição é um pedaço de lenha acesa ou queimada, um braseiro, colocado entre gravetos e lenhas nos fogões do interior do estado do Rio Grande do Sul para ajudar a fazer o fogo nas manhãs frias. Como disse Brizola, um simples sopro e a chama toma conta de tudo.


Pois o exemplo do ex-governador serve como uma boa analogia para explicar como jornalistas, estudantes de Jornalismo, professores, pesquisadores e a sociedade de uma maneira geral sentiu-se incomodada com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de abolir a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da atividade profissional.


Sopraram o tição e aumentam cada vez mais as manifestações em todo o país de legislativos estaduais, de deputados e senadores, bem como das entidades sindicais na luta pelo restabelecimento do diploma. A Fenaj e sindicatos de jornalistas de todo o país reuniram-se em São Paulo para estabelecer estratégias de ampliação e fortalecimento do movimento.


Efeitos de uma greve


O jornalismo não acabou. Está mais forte do que nunca. A decisão do STF, com todo o respeito que os ministros do Supremo merecem, mostrou pouco conhecimento do que é o jornalismo. Uma breve leitura dos livros publicados pelo pioneiro dos Estudos e das Teorias de Jornalismo no Brasil, Luiz Beltrão, pernambucano de Olinda, mostraria o impacto que o jornalismo produz na sociedade diariamente, seja em pequenos acontecimentos ou nos grandes.


A título de ilustração – e mais uma vez com todo respeito aos ministros do STF –, tomo um curso realizado por Beltrão no Centro Internacional de Estúdios Superiores de Periodismo para América Latina (Ciespal) para mostrar a centralidade do jornalismo no Brasil, isso já no começo da década de 1960. No estudo, ele apresenta e teoriza sobre a sua atividade no ensino de Jornalismo. O trabalho desenvolvido no Ciespal é transformado em livro, uma apostila com as conferências de Beltrão no Ciespal, ainda não publicado em português: Métodos de La Enseñanza de la Tecnica de Periodismo.


No livro, Beltrão aborda temas como os processos didáticos para aplicação da aprendizagem do jornalismo; o conceito de jornalismo, suas modalidades e características; o estilo jornalístico; a reportagem policial, entre outros. Da obra, vamos nos deter em três aspectos que, consideramos, trazem uma interessante reflexão sobre o jornalismo: a pesquisa, a bibliografia, o jornal-laboratório e a interdisciplinaridade.


Beltrão, sem dúvida, tem uma preocupação constante nas suas obras com a pesquisa sobre o campo do Jornalismo. Em Enseñansa del Periodismo, Beltrão apresenta uma investigação realizada no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, com a participação dos alunos, sobre os efeitos da suspensão da circulação dos jornais em função de uma greve dos gráficos.


Novos atores e novos processos


Como enfatiza Luiz Beltrão, a investigação foi à primeira do gênero no Brasil e, provavelmente, também a primeira na América Latina. O estudo mostra as conseqüências da falta de circulação de notícias sobre a sociedade durante o período que durou o movimento dos gráficos: de 21 de março a 9 de abril de 1963. A greve afetou os serviços públicos atingindo o interesse coletivo porque as ações governamentais que eram divulgadas nos jornais deixaram de ser comunicadas.


Beltrão mostra também que a área de diversão foi atingida resultando numa pouca procura aos cinemas mesmo com o lançamento, dias antes do término da paralisação, da superprodução Ben-Hur. Com a volta da circulação dos jornais, a pesquisa identificou que durante as seis semanas seguintes de exibição do filme as sessões estavam sempre lotadas. A investigação mostra ainda que até mesmo os acontecimentos sociais foram afetados. Festas e homenagens tiveram que ser adiadas em função da baixa assistência.


O estudo indica que a circulação das notícias é uma exigência da própria sociedade e a ausência das mesmas afeta fortemente o cotidiano de homens e mulheres. A interpretação da realidade como um conjunto de notícias responde a uma expectativa pública e a exigências técnicas. A instituição do jornalismo atua como uma mediadora entre a realidade global e o público ou audiência que se serve dela.


Uma breve leitura do livro de Beltrão, dentro da vasta bibliografia que temos sobre o campo jornalístico, contribuiria para uma melhor compreensão sobre o que é o jornalismo. É uma atividade que exige um profissional altamente qualificado. Por isso, o futuro jornalista deve estar preparado para os desafios das tecnologias digitais, do desenvolvimento da multimídia, das telecomunicações e da internet, com a convergência de meios e suportes que diluem as fronteiras tradicionais do jornalismo trazendo para a cena novos protagonistas, novos atores e novos processos (nova geração de jornalistas, professores e empresas jornalísticas).


‘A vista da Nação’


Mas o maior desafio é de natureza ética: ser fiel à destinação do jornalismo como serviço público sem perder de perspectiva as inovações tecnológicas que atualizam constantemente seus gêneros e formatos garantindo a plena integração com as demandas da sociedade.


Por fim, há seis meses, por estar participando da Comissão Superior de Especialistas em Formação Superior para Subsidiar a Revisão das Diretrizes Curriculares de Jornalismo, do Ministério da Educação (MEC), não vinha escrevendo artigos sobre a relevância do jornalismo para que minha opinião não se confundisse com a da Comissão e comprometesse de alguma forma o trabalho sério e ético que foi realizado.


Agora, que o trabalho acabou, sinto-me à vontade para me manifestar publicamente de novo. Desde já reitero minha defesa intransigente na formação superior em Jornalismo e na exigência do diploma para o exercício da atividade de jornalista. Respeito as opiniões em contrário, mas mais de 30 anos de luta como profissional, professor e pesquisador de jornalismo mostraram-me a centralidade desse campo de conhecimento nas sociedades democráticas.


É sempre bom lembrar as palavras de Ruy Barbosa em Imprensa e o Dever da Verdade: ‘A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, se acautela do que a ameaça.’

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Jornalista e coordenador do Núcleo de Jornalismo e Contemporaneidade do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE