Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo multimídia
de Míriam Leitão

A convidada do Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (21/08) é uma profissional multimídia: escreve uma coluna diária no jornal O Globo, é comentarista da rádio CBN, tem um programa de entrevistas na Globonews, faz comentários no telejornal Bom Dia Brasil e, agora, também no Globo Online. Míriam, especializada em economia e negócios, foi a primeira jornalista brasileira a receber o ‘Maria Moors Cabot Prize’, o mais antigo prêmio internacional de jornalismo, em 2005. Criado pela Universidade Columbia, ele é um reconhecimento entregue a profissionais de imprensa dos Estados Unidos e da América Latina cujo trabalho contribui para a liberdade de imprensa e o entendimento entre as Américas. Anteontem, em São Paulo, a jornalista recebeu o mais um prêmio: ‘Jornalista Econômico 2007’, concedido pela Ordem dos Economistas do Brasil.


Ao longo do programa foram exibidos depoimentos de jornalistas que trabalharam com Míriam. Sidney Basile, que a contratou no final dos anos 70 para a Gazeta Mercantil, contou que o ingresso dela do jornal ocorreu logo após o período em que esteve presa por motivos políticos. Basile também lembrou que a então repórter pediu demissão meia hora após começar a trabalhar porque não havia contado que estava grávida. Isso fez com que tivesse ainda mais certeza do caráter da jornalista. Para Luís Erlanger, que levou Míriam para a TV Globo, ela é a jornalista mais completa do país. Erlanger revelou que brinca com ela ao chamá-la de ‘multi-míriam’ e enfatizou que a colunista tem total liberdade editorial nos veículos em que trabalha.


Flávia Oliveira, colunista de Economia de O Globo, destacou a importância do premiado caderno ‘A Cor do Brasil’, idealizado por Miriam e escrito pelas duas jornalistas em 2003, dedicado ao problema da desigualdade racial. A transformação de uma excelente ‘repórter catadora de furos’ em uma analista, através do estudo aprofundado das questões econômicas, foi enfocada pelo colunista Ancelmo Gois, também de O Globo. Para o comentarista econômico Carlos Alberto Sardenberg, é importante lembrar que Míriam nunca se contentou com as explicações oficiais. Já Mariza Tavares, diretora nacional de jornalismo da CBN, destacou a sensibilidade de Míriam em relação às causas das minorias. O correspondente estrangeiro Mac Margolis, que a indicou ao prêmio da Universidade de Columbia, situou o prestígio do prêmio. Marcos Sá Corrêa exaltou a ligação da jornalista com a luta pela preservação do meio-ambiente.


Redações de jornal em extinção


Logo na abertura do programa, Dines questionou Míriam se ela é que não consegue parar de trabalhar ou se o jornalismo é que exige esse ritmo. Para Míriam, acontece um pouco dos dois: ‘O jornalismo exige e eu gosto.’ Mesmo quando não havia a idéia de que um jornalista deveria fazer vários produtos dentro do mesmo grupo de comunicação, ela já trabalhava desta forma dentro de um mesmo jornal. ‘Você não pode me deixar sozinha, descansando, que eu vou ter uma idéia’, afirmou. Para ela, os jovens profissionais de imprensa é que estariam sendo os maiores prejudicados com a exigência, pois passam muitas horas trabalhando no ritmo massacrante das redações e não têm tempo de viver seus sonhos.


Míriam revelou que sente falta do tempo em que os jornalistas trabalhavam diariamente nas redações. O ócio criativo da hora do cafezinho, por exemplo, levaria os colegas de trabalho a se encontrarem e a ter idéias, principalmente nos dias de hoje em que a notícia está ligada a diversas editorias ao mesmo tempo. Para Míriam, a redação é fundamental.


Dines perguntou se o destino da cobertura econômica seria o de ampliar e universalizar a pauta, ao contrário do modelo segmentado e estanque. Míriam concordou e acrescentou que a reportagem especial que fez com o fotógrafo Sebastião Salgado, publicada no jornal O Globo, poderia ter sido publicada tanto no caderno de economia, quando no de cultura ou na seção de meio-ambiente. Ela lembrou de um conselho do jornalista Sidney Basile quando cobria o Itamaraty para a Gazeta Mercantil, em Brasília: ‘Atravesse a Esplanada porque talvez a sua notícia tenha atravessado a Esplanada’.


A importância da luta pela democratização do país na formação de um profissional de imprensa também foi abordada na entrevista. Ao examinar a questão, Míriam afirmou que a geração a qual pertence passou por um período importante porque firmou valores e estabeleceu a diferença entre o essencial e o acessório. ‘A gente sabe que pode ficar muito irritado com o Congresso, mas a gente sabe que quer o Congresso aberto’, disse. E recordou do dia do seu julgamento: ‘Eu lembro do dia do meu julgamento em que eu estava na frente daqueles homens fardados e não togados – e eu preferia os togados aos fardados, com todos os erros do Judiciário’. Ainda sobre as conseqüências do regime militar, afirmou que o jornalismo investigativo é fruto do período pós-ditadura e que ajuda a consolidar a democracia.


Lições da crise


Dines pediu a Míriam que comentasse as lições que ficam da crise que os mercados de capitais vivem hoje. Para ela, uma das mais importantes é a de que o mercado financeiro, empresas imobiliárias americanas e os bancos foram irresponsáveis. Atrás de um lucro rápido, pois os juros estavam muito baixos, eles incentivaram quem não poderia pagar. Ela avalia que, apesar do Brasil ter mais reservas do que em outros momentos da história, nada garante que o país não sofra com a crise: ‘Não tem abrigo antiaéreo contra uma crise internacional num mundo globalizado’.


Ao ser questionada sobre a responsabilidade social das empresas, Míriam avaliou que a maioria das empresas brasileiras apóia projetos externos, mas, na realidade, não adota práticas de inclusão e sustentabilidade. ‘E canso de ver empresa com propaganda que tem um negro, um índio, um branco, uma mulher. Aí, você chega lá e vai falar com a diretoria e só tem homem branco’, exemplificou. Na opinião dela, o preconceito contra as minorias dentro das empresas não é explícito, são colocadas barreiras à ascensão destes grupos. A jornalista declarou que é a favor da política cotas raciais, mesmo pertencendo ao grupo Globo, que é editorialmente contrário à proposta da reserva de vagas. Míriam afirmou que, apesar das misturas de raças, existe preconceito racial não admitido no país e que os brancos, de fato, têm mais oportunidades.


Míriam falou sobre a herança que a família protestante deixou em sua formação, principalmente em relação à ética e ao trabalho. ‘Os valores religiosos são fundamentais na minha vida e eu os carrego com muito orgulho’, afirmou. Bem-humorada, contou que o fato de ter 11 irmãos determinou sua capacidade argumentativa.


Regulamentação


Outro tema da atualidade tratado no programa foi a crise do setor aéreo que o país enfrenta há quase um ano. Miram observou que o governo viveu em um dilema durante a crise da Varig com a necessidade de decidir se investiria cerca de 8 bilhões de reais para salvar a empresa. Mas a colunista ponderou que o Estado não poderia ter deixado a empresa que dominou o mercado durante cinqüenta anos falir sem antes traçar um planejamento estratégico para ocupar o espaço com outras companhias.


Para ela, a crise aérea está ligada à falta de regulação: ‘O governo Lula acha que, se tem um órgão regulador independente, ele perdeu o poder, ele terceirizou o poder. Quando, na verdade, o órgão regulador existe para que o investidor tenha o conforto de saber que as regras não dependem do governo, são uma opção do país’. Míriam também criticou a falta de prestação de contas das agências e avaliou as propostas de regulação dos meios de comunicação feitas pelo governo Lula. Na visão da jornalista, as duas propostas do governo pareceram de ‘controle da liberdade de expressão’ e não de regulação.


Míriam declarou-se contra a decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de colocar em audiência pública as alterações na regulamentação dos jornalistas que cobrem o mercado financeiro. A colunista disse que, uma vez que os profissionais de imprensa podem ser investigados como qualquer cidadão, não há necessidade de se ter uma legislação específica. ‘Para que tem que ter carteirinha para escrever sobre economia?’, questionou.


Dines e Míriam conversaram ainda sobre a compra do periódico de economia americano Wall Street Journal pelo empresário Rupert Murdoch, que será o tema do programa da próxima semana. Os jornalistas elogiaram a transparência com a qual a compra foi tratada pelo próprio jornal e o debate promovido pelos outros meios de comunicação dos EUA. Míriam situou o papel do leitor, do ouvinte e do telespectador como o fiscalizador e juiz da qualidade da mídia. ‘Se o jornal começar a perder qualidade ele perde leitores’, alertou.