Precisamos entender, não apenas os lobos, mas especialmente o Lupi, Carlos Lupi, ministro do Trabalho, que disse à imprensa: ‘Julgo ser vítima de uma campanha bem articulada para me difamar’. O objeto da celeuma são 430 milhões de reais, do Fundo de Assistência ao Trabalhador, distribuídos a instituições ligadas a partidos políticos.
Lidos os livros de história, os contos de fada, as lendas e os episódios bíblicos que inspiraram narrativas que daqui a pouco serão referidas neste artigo, não resta dúvida de que o trabalhador é o melhor amigo do Lupi & seus blue caps. Mas será o ministro do Trabalho o melhor amigo do trabalhador?
Só se voltarmos a acreditar em contos de fada. Todos os dias eles estão na mídia. Uma professora vem anotando e somando na agenda, diariamente, denúncias ininterruptas de assalto aos cofres públicos. Semana passada, o total tinha alcançado 700 bilhões de reais.
Das duas, uma: ou isso é fantasioso, como os contos de fada, ou o Brasil meteu-se numa encrenca danada.
O presidente Lula, com insopitável tendência ao latim vulgar, já disse que ninguém aprende nada com porrada. Mas entre a porrada e a indulgência plenária a todos os que foram pegos com a boca na botija, quarenta deles já indiciados no STF, deve existir alguém que resuma ao presidente o Sermão do Bom Ladrão, aproveitando a celebração dos 400 anos do Padre Vieira, que conclui suplicando a Deus que não permita que os ladrões levem os reis ao Inferno.
Tons autobiográficos
Pessoas honradas servem ao presidente Lula. Outras tantas torcem para que seu governo dê certo. Diz o provérbio: ‘Dize-me com quem andas e eu te direi quem és’. Lula precisa livrar-se dos ladrões.
Quando viu que a coisa desandara, Frei Betto, então assessor especial da presidência da República, abandonou o governo e lançou dois livros aterradores sobre aquela experiência. Quinta-colunas, incrustados no governo, continuam fazendo das suas.
Entre 1984 e 1990, escrevi quatro livrinhos, agora reunidos com o título do primeiro deles: Os Segredos do Baú (São Paulo, Editora Peirópolis). Um menino quer saber o que o avô, de ascendência italiana, esconde num baú. Mas os segredos só poderão ser revelados quando ele aprender a ler.
O neto aprende a ler e procura o avô, mas fica desapontado. Tropeçando em famoso verso de Dante – ‘Lasciate ogni speranza voi ch’entrate’ – descobre que continua analfabeto em italiano.
A historinha tem fortes tons autobiográficos, conforme revelações feitas pelo autor ao jornalista Augusto Nunes, na TV JB, com pequeno trecho disponível aqui.
Contos modernos
O segundo foi Adão e Eva Felizes no Paraíso. É a narrativa do Gênesis pelo inverso. Começa quando a Criação já aconteceu, mas não foi ainda percebida pelo homem. A cada dia, Deus cria um sentido para sua criatura, que passa a descobrir o mundo por conta própria.
Veio a seguir As Maravilhosas Invenções de Seu Mané. Seu Mané chega a um povoado onde ninguém conhece rádio, geladeira, relógio etc e vai ‘inventando’ tudo.
O último foi A Melhor Amiga do Lobo. A mãe manda a filha levar um pedaço de bolo para a avó, então abandonada pelos familiares num asilo florestal. Adverte, porém, que há um perigoso Lobo no caminho que a menina deve percorrer. Que mãe faria isso?
Ao chegar enfim ao asilo florestal, a menina confunde o Lobo com a própria avó. Certamente ‘sofre das vistas’, como diz o povo. Não é possível que o Lobo de camisola se pareça com sua avó.
O diálogo que se segue entre os dois é sobre os sentidos. Para que orelhas, olhos, nariz, boca e mãos tão grandes?
Os lobos e o Lupi reclamam que nesses contos modernos todos os lobos foram difamados. Alguns, realmente, foram, mas não todos.
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de pesquisa e pós-graduação e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são Os Segredos do Baú (Peirópolis) e A Língua Nossa de Cada Dia (Novo Século)