Uma coisa é criticar o livro didático que, num dos seus mapas, apresenta falhas inaceitáveis, como no caso dos dois ‘Paraguais’ que comentei neste Observatório (ver ‘A educação que não está no mapa‘). Outra atitude, bem diferente, é fomentar uma visão moralista, catando nas páginas de livros distribuídos nas escolas o mais leve atentado ao pudor, pinçando palavrões, esquadrinhando imagens impróprias, descobrindo insinuações criminosas…
O caso do poema de Joca Reiners Terron mostrou que, subitamente, nós nos tornamos pessoas delicadas ao extremo, temerosas de que nossas crianças leiam frases terríveis como ‘Nunca ame ninguém. Estupre’, ‘Tome drogas, pois é sempre aconselhável ver o panorama do alto’ e ‘Seja um pouco efeminado. Isso sempre funciona com estilistas’, quando sabemos que, pela TV e pela internet (ou na rua, ou no vizinho, ou no clube, ou em casa mesmo) nossos filhos com 7 anos de idade ou menos estão sujeitos à zorra e ao pânico total, bombardeados por convites tão ou mais assustadores, e por cenas de violência e erotismo explícitos.
Obviamente, o texto ‘Manual de autoajuda para supervilões’ não será o mais fácil de trabalhar em contexto educacional, numa classe de crianças, de adolescentes ou mesmo de adultos. Muitos professores terão dificuldade para interpretá-lo! O fato, porém, é que não foi avaliado corretamente e, chegando às escolas, serviu como uma luva para pôr em xeque a atuação da Secretaria da Educação de São Paulo. O governador José Serra já deve ter encontrado o bode expiatório…
Uma visão à la Savonarola
Mas agora está inaugurada a temporada de caça aos livros imorais! No Rio de Janeiro, na semana passada, uma ilustração da autoria do inocente editor e gravador Theodore de Bry (1528-1598) tornou-se motivo para que os pais e a mídia rasgassem as vestes em público (ver matéria de O Dia), desnudando, na verdade, o seu moralismo!
Tomemos cuidado com este escandalizado moralismo… atalho certo para a falta de ética, e de sensatez. Ou então sejamos coerentes – fechemos os bailes funks, censuremos programas de rádio e TV (inclusive os científicos e religiosos!), coloquemos sob suspeita as bancas de jornal, especialmente as que estão perto das escolas!
Se temos de assumir uma visão à la Savonarola, reivindico que se recolham todos os livros didáticos em que Tiradentes aparece obscenamente esquartejado, imagem de herói que é também advertência velada – viu o que pode acontecer com quem enfrenta as autoridades?
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br