Pesquisa realizada no ano passado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) destaca que o uso do jornal na sala de aula traz mais benefícios ao sucesso escolar do que se imagina. Melhora nos hábitos de leitura, concentração e disciplina são alguns dos pontos positivos. O estudo foi realizado em sete capitais brasileiras.
Coordenadora executiva do programa ‘Jornal e Educação’ da ANJ, Cristiane Parente reforça ainda outro grande valor da interface jornal e escola: ‘Além do uso do jornal como ferramenta de apoio às disciplinas do currículo escolar e de estímulo à leitura, o jornal também deve ser objeto de estudo. Isso ajuda a formar leitores mais críticos, conscientes de que uma notícia é apenas um ângulo dos muitos possíveis de um fato’, frisa.
Em entrevista à revistapontocom, Cristiane diz como os jornais podem e devem se aproximar dos jovens leitores, analisa os suplementos infanto-juvenis e a transposição do jornal impresso para o meio digital.
Aos poucos, vão entendendo como é o jornal
O jornal brasileiro se preocupa em atrair a atenção de crianças e jovens?
Cristiane Parente – Sim, mas enquanto alguns têm tido sucesso e ganhado prêmios internacionais por seus projetos voltados a leitores jovens, como o Zero Hora (RS), outros não têm conseguido sair da preocupação e implementar algo, de fato, que possa atrair esse público. Creio que sem chamar crianças e adolescentes para participarem da construção de qualquer projeto, sem ouvi-los, sem mostrá-los nas páginas dos jornais e dar espaço a eles, fica mais difícil tê-los por perto.
Então o jornal pode ser um produto voltado para crianças e jovens?
C.P. – O jornal não é um produto voltado para o público infanto-juvenil. Na verdade, ele não é voltado especificamente para nenhuma faixa etária. É um produto para todos aqueles que querem ter informação. Mas o público infanto-juvenil pode ter o hábito de leitura de jornal também. Temos visto isso nos programas que envolvem jornal e educação, geralmente desenvolvidos em escolas. Aos poucos, as crianças vão desvendando o jornal, explorando editorias que não são aquelas que os atraíram inicialmente (esportes, suplementos, novelas…), entendendo a importância de serem bem informados, questionando e comparando as notícias com suas realidades. E o que é melhor, com auto-estima elevada, porque passam a ser detentores de informações. Com isso, também se sentem mais seguros para escreverem, serem autores, criarem seus próprios jornais, blogs, fanzines – que é um dos melhores resultados do uso do jornal com esse público.
Mas como transformar as crianças e os jovens em leitores de jornal?
C.P. – Para a criança ser leitora, é importante o exemplo, o estímulo. Primeiro, em casa. Depois, na escola. Eu diria até que na escola o uso do jornal acaba sendo mais preponderante na formação de leitores, porque é uma aprendizagem compartilhada, um hábito que nasce em grupo, o que é mais prazeroso. No início pode haver certo estranhamento, já que é um formato diferente, grande, com muitas páginas, textos, cadernos. Mas aos poucos crianças e jovens vão entendendo como é o jornal, seus gêneros, editorias e vão começando a criar intimidade com o veículo, com o formato das notícias e seu processo de produção, o contexto em que elas acontecem. A partir daí, quando já conseguem fazer o link de uma notícia com outra, conseguem ‘navegar’ bem pelo jornal, passam a entender o que antes parecia sem sentido. E isso muda a relação desse público com o jornal, seja ele em papel ou digital.
Respeitar as diferentes visões dos colegas
Mesmo diante das tecnologias interativas e digitais o jornal ainda pode seduzir?
C.P. – Creio que sim. Primeiro porque ainda temos uma exclusão digital muito grande e nem todas as crianças têm acesso a essas tecnologias. Depois, porque o manuseio do jornal, o recorte, o compartilhar o jornal com o grupo é fundamental e tem se mostrado uma atividade lúdica. Além disso, eles são estimulados a recriarem o jornal, fazendo jornal mural, fanzines… e tudo isso impresso. Sem falar nas possibilidades que o jornal permite, após sua leitura, para trabalhar a arte. No caso dos jovens, acredito que o apelo do jornal on-line pode ser maior, mas ainda assim, se é uma atividade desenvolvida na escola, junto ao seu grupo, os adolescentes acabam se envolvendo. Desse envolvimento podem nascer jornais estudantis ou escolares ou ainda blogs, o que é extremamente significante, porque estamos trabalhando com a noção de leitores que são, ao mesmo tempo, consumidores e produtores de informação. A leitura do jornal também estimula a autoria.
De que forma o jornal está presente nas escolas do país? Como ele é trabalhado?
C.P. – Muitos professores levam o jornal para sala de aula por intuição mesmo, por acreditar que é uma excelente ferramenta de estímulo à leitura e conhecimento de diferentes tipos de texto, além de levar o mundo pra dentro da escola pelas notícias que publica. No caso do programa ‘Jornal e Educação’, desenvolvido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), e seus associados, os jornais chegam às salas de aula em uma parceria entre as empresas e as escolas (com ou sem patrocínio e/ou apoio de empresas ou órgãos púbicos). Mas o projeto vai além disso porque não basta levar o jornal pra sala de aula e achar que está formando leitores críticos, cidadãos. Em nossas diretrizes, defendemos que cada programa ofereça capacitações, encontros e cursos com os professores e alunos ao longo do ano escolar, visitas de profissionais dos jornais às escolas para bate-papos e realização de oficinas com as crianças (fotografia, charge, jornal escolar), visita dos alunos ao jornal. Além do uso do jornal como ferramenta de apoio às disciplinas do currículo escolar e de estímulo à leitura, o jornal também deve ser objeto de estudo. Como se produz uma notícia? Qual a diferença entre fato e notícia? Como se escolhem as notícias que estarão na capa do jornal? Que fontes são ou devem ser ouvidas na matéria que estou lendo? Que informações existem nas entrelinhas daquela notícia? E o que não é notícia é porque não existiu? Que tipos de texto existem no jornal? Também é interessante a comparação entre jornais e entre jornais impressos e telejornais. Isso ajuda a formar leitores mais críticos, conscientes de que uma notícia é apenas um ângulo dos muitos possíveis de um fato. Essa percepção aumenta ainda mais quando eles são estimulados a produzirem seu próprio jornal. Como trabalham em grupo, precisam respeitar as diferentes visões dos colegas, aprender a editar e debater, entre outras coisas. Também acabam ampliando o vocabulário e preocupam-se com a clareza do texto e a ortografia. Por fim, a auto-estima se eleva, afinal, tornam-se produtores, autores, e não só consumidores de informações.
Escrever com crianças, e não para elas
Essas escolas trabalham com os suplementos infanto-juvenis ou com o jornal inteiro?
C.P. – Defendemos que o jornal seja trabalhado por inteiro. Claro que dependendo do assunto as crianças vão acabar se interessando mais por uma editoria ou caderno que outros, mas isso é normal, acontece com os adultos também. O trabalho com o jornal inteiro é importante porque tudo está entrelaçado. Há um contexto para que os fatos aconteçam, seja na política ou na economia. E é importante que elas compreendam isso. Além, é claro, de compreenderem a ‘arquitetura’ do jornal, como ele é dividido, que tipos de texto fazem parte do produto.
Você acha que os suplementos infanto-juvenis atendem realmente aos interesses das crianças e jovens? Eles são, de fato, instigantes e atraentes?
C.P. – É difícil generalizar. Na maioria, creio que sim. Mas sinto falta de uma maior participação das crianças no processo de produção desses suplementos. Não é só publicar o texto e a foto delas. O bacana mesmo é convidá-las a participar da produção desses suplementos. O que elas querem ler? O que acham do caderno? Como poderiam melhorá-lo? Criar conselhos de leitores que se reúnam e reflitam sobre o caderno. Fazê-las pensar criticamente sobre ele e agir sobre ele seria um bom exercício para as crianças e, ao mesmo tempo, um exercício de humildade para os editores, que muitas vezes acham que sabem tudo o que é melhor para seu público. Por outro lado, deve haver uma discussão conjunta e as crianças devem ser orientadas, instigadas a refletir sobre o que será publicado, porque o extremo também pode não ser válido, ou seja, colocar tudo do jeito que querem, mesmo que algumas coisas não sejam indicadas.
Você destacaria algum produto nacional? Algum bom exemplo internacional?
C.P. – De forma geral, acho que ainda falta uma maior participação das crianças e jovens na criação desses suplementos. Mas temos bons exemplos no Brasil, como a ‘Folhinha’, da Folha de S.Paulo. Em termos internacionais, cito os jornais Le Petit Quotidien e Mon Quotidien, da França. São jornais diários voltados apenas para o público infantil, cada um com sua faixa etária definida, e que contam com crianças todas as semanas na redação discutindo as próximas edições, fazendo críticas de livros, jogos, propondo uma ilustração, uma matéria, foto… Quando fui editora de um suplemento infantil, em 98, criei um conselho de leitores formados por crianças de 8 a 10 anos (público do caderno). Nos reuníamos todos os meses na redação do jornal para analisar as edições passadas e pensar nas próximas pautas. Eles também saíam comigo para fazer matérias, entrevistar pessoas, escrever… Passaram a compreender o processo de produção de uma notícia, de um jornal e, ao mesmo tempo, experimentaram a autoria, que para mim é extremamente importante. Não temos que escrever para crianças e jovens, mas com eles.
Alunos ficaram mais críticos
Há escolas que já estão trabalhando com o jornal digital em vez do impresso?
C.P. – Essa realidade é mais comum nos EUA. No Brasil, alguns programas estão se preparando para trabalhar de forma conjunta a versão on-line com a versão impressa.
Você acha que o jornal digital se aproxima mais da criança e do jovem?
C.P. – Por enquanto, o que tenho pensado é que se você simplesmente troca o jornal no suporte papel para trabalhar com a versão on-line, aquela em que você passa a página do jornal na tela do computador, há um empobrecimento do trabalho. Por quê? A vantagem da internet é justamente a interatividade, os links, os hipertextos, os blogs, os jogos, a possibilidade de autoria que levam a uma infinidade de possibilidades educativo-culturais. Se você vai para uma tela de computador só virar as páginas de um jornal, acho que perde uma série de vantagens do trabalho olho no olho e, ao mesmo tempo, da interatividade que a internet proporciona. Agora, um jornal que tenha um portal para a escola trabalhar é diferente. Você pode unir a versão impressa ou a versão on-line com o portal cheio de atividades, blogs, possibilidades criativas… Isso é enriquecedor.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) realizou uma pesquisa nacional sobre as potencialidades do uso do jornal na sala de aula. Quais foram os resultados?
C.P. – Verificamos que o uso de jornal em escolas, de forma contínua e coordenado por educadores capacitados para trabalhar com ele, gera os seguintes benefícios: melhora os hábitos de leitura, inclusive de jornal; as notas dos alunos; a assimilação dos conteúdos escolares; amplia o vocabulário e expressão verbal/escrita; a imaginação, interpretação e a criatividade; favorece o trabalho em grupo; o acesso ao jornal para os alunos e seus familiares; a concentração e a disciplina na sala de aula; a aproximação com a família; motiva o aluno a ir para aula; gera impacto positivo em avaliações nacionais e internacionais, como SAEB e PISA; serve de apoio ao livro didático; promove interdisciplinaridade e socialização entre os alunos e professores e uma integração dos alunos com necessidades especiais. Além disso, a partir dos depoimentos dos alunos verificamos como ficaram mais críticos e amadureceram seus argumentos. Não apenas opinam, mas sabem fazer uma crítica. Percebem que seus bairros (no caso de alunos de escolas públicas de bairros pobres) aparecem mais de forma negativa, ligada à violência, do que positiva. A pesquisa foi feita em 2008, pela consultoria John Snow Brasil, que utilizou a metodologia de grupos focais. Tivemos 14 grupos focais, de estudantes e professores, em sete capitais brasileiras (Fortaleza, Recife, Belém, Brasília, Rio, São Paulo e Florianópolis). Esses estudantes e professores pertenciam a escolas atendidas por algum Programa de Jornal e Educação e trabalhavam sistematicamente com jornal na sala de aula.
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Jornalista