A reportagem publicada no domingo (23/1) no Globo, apresentada como manchete do jornal, revela o quanto a ação determinada das autoridades pode mudar radicalmente a sociedade. Essencialmente, a reportagem conta que a Polícia Militar do Rio de Janeiro está ajudando jovens que estiveram envolvidos com o narcotráfico a encontrar um emprego na economia legal.
Segundo o Globo, dezenas de pequenos traficantes e outros jovens com idades entre 16 e 25 anos, que atuavam como auxiliares das quadrilhas, estão recebendo ajuda de integrantes das Unidades de Polícia Pacificadora para obterem empregos com carteira assinada.
Essa é uma informação importante para avaliar como a intervenção do Estado em áreas conflagradas ou submetidas ao processo de deterioração urbana precisa se estender a todos os aspectos da vida comunitária.
Não basta mandar a polícia combater o crime e colocar um limite na violência de traficantes, milicianos ou mesmo de policiais corruptos. É preciso dar prosseguimento ao processo de normalização da vida comunitária, até mesmo para que os moradores desses locais possam comprovar que é melhor viver sob a liberdade das leis do que sob a tirania do crime.
Sem armas
A imprensa costuma acompanhar com muito interesse os fatos mais espetaculosos das operações policiais, mas geralmente não considera interessante a volta da normalidade nessas comunidades. Sem tiros, vítimas e confusão, a reportagem fica menos vibrante e o pós-guerra na favela não costuma valer manchete. Por essa razão, convém registrar a iniciativa do Globo de chamar para o principal destaque da primeira página, no domingo, a atividade de policiais como agentes de recursos humanos.
Conforme destaca a reportagem, não basta tirar o poder dos traficantes – é preciso desmantelar sua força econômica e eliminar sua influência sobre a população. Sem qualificação para trabalhos mais sofisticados, jovens que desde a infância atuaram como meninos de recado ou como ‘soldados’ do tráfico não sabem o que fazer sem um fuzil na mão.
Segundo o jornal, muitos passam fome porque continuam refugiados e foram abandonados por suas famílias.
Tirania da corrupção
O trabalho complementar de atrair esses jovens para o trabalho formal faz parte de um processo de conscientização que ajuda a comunidade a valorizar a normalidade e o exercício da cidadania. Mas não deve ser realizado apenas nas comunidades esfaceladas pela violência explícita dos tiroteios e das execuções.
Em muitas outras partes do Brasil, bem longe das favelas do Rio, ainda existem bairros e cidades inteiras submetidos a outra espécie de tirania, formada pela composição entre o crime organizado e as autoridades corruptas.
Há muito se sabe, por exemplo, que nas cidades de Taboão da Serra, Carapicuiba, Jandira e Embu, na região metropolitana de São Paulo, muitos comerciantes são obrigados a pagar proteção a policiais associados a grupos criminosos.
No ano passado, um importante ‘empresário’, dono de postos de combustíveis, tentou se candidatar a deputado federal e foi impedido pelo fato – nada corriqueiro – de que é acusado de fazer parte da organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital. Ele chegou a ser preso e, durante a investigação, foi noticiado que teria associações com vereadores e prefeitos da região. Mas a imprensa paulista não voltou mais ao assunto desde novembro do ano passado.
Esforço de reportagem
O acusado ganhou habeas-corpus e segue desfilando em sua Ferrari pelas ruas da região. Os postos de combustíveis que administra – os quais, segundo a polícia, são uma forma de lavar dinheiro da organização criminosa – seguem funcionando e há informações de que empresas que se candidatam a se instalar na região são forçadas a fazer contratos de compra de combustíveis nos seus estabelecimentos, com apoio de autoridades municipais.
Noticiar confrontos entre traficantes armados de fuzis e forças policiais certamente sempre dá muita audiência às emissoras e leitura na imprensa, assim como noticiar as catástrofes com muitas vítimas.
Mas acompanhar os aspectos sutis da degradação da vida nas cidades é tarefa mais complicada, e exige o esforço da reportagem investigativa, que nem sempre vem premiado pelo sucesso de público.