Sem entrar no mérito do controle estatal da imprensa, proponho, através deste artigo, uma reflexão sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil. Segundo dois itens do artigo 5º da Constituição, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Um programa da MTV chamado Comédia MTV, valendo-se da livre expressão da atividade de comunicação, fez piada de mau gosto do autismo, uma disfunção que afeta 70 milhões de pessoas no mundo, segundo a ONU. Uma delas é meu irmão, que teve um dano moral difícil de ser reparado. Quem aguenta sofrer preconceito sem poder se defender?
No quadro “Casa dos Autistas”, a empresa ridicularizou de forma inconsequente os portadores de autismo, tratando essas pessoas como retardadas. Quem lida com elas e busca o seu desenvolvimento sabe que uma exposição assim contribui para o aumento da exclusão e destrói um trabalho constante e delicado, feito com dedicação e adversidades. Que tipo de informação e humor consta neste programa? Não venho aqui levantar a bandeira do moralismo e do politicamente correto, mas sim, chamar a atenção para a falta de sensibilidade e critério na hora de fazer brincadeiras. O autista não está no papel de agressor ou opressor social, e sim, de oprimido e vítima de preconceito. Portanto, merece um tratamento no mínimo respeitoso.
O problema fica mais agravado em se tratando de uma emissora de grande alcance nacional, voltada para um público adolescente, cujas opiniões estão em fase de formação. Na segunda-feira (25/4), a MTV emitiu uma nota em um de seus blogs, afirmando que “acredita na liberdade de expressão, sabe que autismo é uma coisa séria. Também sabe que humor é uma coisa séria, ainda que faça rir. Pedimos desculpas para qualquer grupo ou indivíduo que tenha ficado ofendido com o sketch Casa dos Autistas, veiculada no dia 22/03/2011 no programa Comédia MTV. A MTV Brasil sempre apoiou e continuará apoiando causas ligadas à inserção social de portadores de deficiência”.
Faltou grandeza
A nota soa hipócrita e não atende ao artigo 5º da Constituição. Indo um pouco mais a fundo nos nossos direitos, conforme prevê o artigo 220 do capítulo V (da Comunicação Social), a MTV não estabelece os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221 (respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família).
Pedir desculpas no canto de um blog apenas não adianta. Enquanto pessoas batalham para abrir associações e entidades em defesa dos autistas e lutam para fortalecer escolas que se preocupam com seres humanos especiais, um programa de televisão – cujo perfil é o entretenimento e a educação – colabora para o aumento da discriminação. Há nisso um claro abuso de poder, que deve ser levado à tona e combatido.
Até onde vão os limites da liberdade de expressão? Afinal, a imprensa é uma propagadora de ódios e preconceitos, ou um veículo que diverte e contribui para o crescimento das pessoas? A MTV deveria, em vez de pedir desculpas, abrir um debate sobre o autismo, reconhecendo o seu erro e atuando com grandeza para acabar com o descrédito da televisão.
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Jornalista do portal de notícias Terra