Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O prejuízo das drogas

 

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo na segunda-feira (27/2) informa o crescimento de custos na previdência social causados pelo afastamento de trabalhadores por abuso de drogas. No ano passado, já foram mais de 124 mil concessões de auxílio- doença a dependentes químicos e o número tende a crescer. Segundo o texto, o volume de pessoas que precisam depender do Estado por conta do uso de crack, cocaína, anfetaminas e maconha chega a ser oito vezes maior do que o dos que se tornam inabilitados para o trabalho por causa do abuso de álcool e cigarros.

Embora seja difícil chegar a um número preciso, devido a certas características dos processos patológicos relacionados a cada tipo de droga, e das prováveis associações entre o uso de algumas drogas e o alcoolismo, o jornal se arrisca a apostar em um número quando trata de avaliar o prejuízo para o Estado causado pela necessidade de prover a sobrevivência desses cidadãos e seus familiares.

Com um valor médio mensal pago a cada dependente calculado em R$ 861, chegou-se a uma despesa anual de, no mínimo, R$ 107 milhões em 2011.

Estado ineficiente

Em dois anos, segundo o jornal, a Previdência precisou liberar mais de 350 mil licenças de trabalho porque o uso de drogas se configurou como doença a impedir a atividade produtiva.

Um dos aspectos mais obscuros da reportagem é a constatação de que esse auxílio não está sendo destinado necessariamente às famílias dos beneficiários, mas que possa estar sendo desviado para a compra de drogas.

Não há qualquer exigência para que o trabalhador afastado comprove que usa o dinheiro para se tratar da dependência e, isoladamente, a Previdência não tem como fiscalizar. Portanto, o dinheiro do Estado pode estar sendo desviado diretamente para o narcotráfico.

O maior número de contribuintes afastados por causa do uso de drogas ocorre no estado de São Paulo, dado que remete às imagens fortes da Cracolândia que ocuparam as páginas dos jornais nas primeiras semanas do ano.

A reportagem também faz lembrar que o problema social, que se apresenta agora com sua grave repercussão na saúde pública e na economia do país, precisa ser atacado de maneira sistêmica e abrangente. Segundo o jornal, aumentou em 900%, nos últimos oito anos, o número de atendimento de usuários de drogas no Sistema Único de Saúde. No ano passado foram mais de 3 milhões de ocorrências.

As ligações de traficantes com policiais corruptos e suas incursões na vida pública por meio do financiamento de candidatos têm sido divulgadas pela imprensa. A constatação de que o descontrole sobre a ação do narcotráfico pode afetar as contas da Previdência coloca essa questão num nível de gravidade muito maior.

Trata-se de um sinal claro de como a ineficiência do Estado em relação a um problema social pode ser crucial quanto a suas chances de proporcionar um processo sustentável de desenvolvimento – o crescimento do número de usuários de drogas, principalmente entre os mais jovens, pode limitar as perspectivas futuras de milhões de brasileiros.

Além das manchetes

Sabe-se que traficantes atuam sem constrangimento em escolas públicas e universidades, muitas vezes cooptando estudantes como distribuidores de drogas no interior das instituições.

Há quase trinta anos, a mesma Folha de S.Paulo publicou uma reportagem demonstrando que as direções de algumas das principais universidades paulistas não tinham políticas de prevenção contra a circulação de drogas em seus territórios. De lá para cá, tudo indica que as coisas continuam na mesma.

Os rituais de recepção de calouros quase sempre incluem um processo de iniciação no álcool e na maconha, o que, para adolescentes imaturos, pode representar um marco decisório em suas carreiras acadêmicas e profissionais.

Essas são questões que não costumam frequentar os debates sobre descriminalização das drogas consideradas mais “leves”, embora o relato publicado pela Folha na edição de segunda-feira inclua usuários de maconha entre os brasileiros invalidados para o trabalho.

A reportagem merece uma extensão, com a ampliação dos debates e a divulgação das políticas públicas que precisam ser revistas, para evitar que o problema se transforme em desafio insuperável não apenas na Previdência Social.

Observe-se que o levantamento dos dados sobre trabalhadores afastados da atividade produtiva por uso de drogas foi realizado pelo Ministério da Previdência a pedido do jornal, ou seja, a questão não parece estar entre as prioridades da instituição.

Registre-se, então, que, quando quer, a imprensa sabe usar suas atribuições como gestora de certa agenda pública para levantar questões relevantes. Resta esperar para ver se o interesse se estende para além da manchete eventual.