Cresce, e preocupa, a chiadeira de presidentes latino-americanos com a imprensa e os jornalistas. Depois de Lula, que diz sentir azia após ler os jornais, agora é o presidente mexicano, Felipe Calderón, que, bem mais agressivo, contrariando sua aparência serena e controlada, parte para a clássica forma de retaliação: manda cortar, sem nenhuma discrição, a publicidade oficial das publicações pouco simpáticas ao seu governo.
Num artigo contundente publicado na segunda-feira (16/2) no jornal espanhol El País, o colunista e analista político mexicano Raymundo Riva Palacio, nome dos mais respeitados no país, denuncia sobretudo o temperamento de Calderón, ‘político de pavio curto, com baixos níveis de tolerância às criticas’, dando como resultado uma briga aberta com a imprensa – por ele acusada de catastrofista, inimiga do país, empenhada só na busca dos aspectos negativos da situação atual. Quando não é o próprio Calderón quem se manifesta, são os seus ministros, um mais desastrado e demagógico que o outro, segundo Riva Palacio.
Dor no bolso
Assim, em lugar de rebaterem com bons argumentos as críticas ao fracasso da política de emprego ou o combate mais drástico e eficaz ao narcotráfico, promessas maiores feitas em campanha, os ministros, sem qualquer jogo de cintura, na base do chicote no lombo, fustigam não só os jornalistas e os economistas: agora, até o maior empresário do país, Carlos Slim (no Brasil, dono da Embratel, Claro e Net), autor de observações recentes sobre os rumos do México, é chamado, em entrevistas iradas na imprensa ou em depoimentos ruidosos no Congresso, de ‘filho ingrato’, esquecido de que se tornou o homem mais rico do país, dono do monopólico telefônico entre outras atividades, graças ao fato de desfrutar plenamente dos benefícios e favores de governos anteriores, nos quais imperava o grande vício do poder mexicano, el compadrismo.
Slim, olímpico como sempre, nem se dá ao trabalho de responder. Na verdade, diz Riva Palacio, as ponderações do megaempresário, que, como cidadão responsável e produtivo, se confessa preocupado com a forma como país tem sido conduzido nos últimos três anos, ‘não eram lá tão novas, além de convencionais’.
O fato mais grave, porém, denunciado por Riva Palácio, é a prática, agora muito mais ampla que no passado, de simplesmente atacar onde mais dói, o bolso e o caixa das empresas jornalísticas.
Forma furibunda e autoritária
Ele cita o caso da revista semanal Proceso, fundada em l976, desde então sempre sabotada comercialmente pelos poderes em turno, e uma das de maior prestígio e circulação. Rigorosa, intransigente, não poucas vezes chegada num tom inflamatório em suas críticas e denúncias, não dá trégua aos de cima, publicando regularmente extensas matérias investigativas, de preferência revelando os focos de corrupção e ineficácia administrativa no sistema.
Criada por um periodista histórico, como a ele se referem seus discípulos e admiradores nos meios profissionais, don Julio Scherer García, hoje aposentado e autor bem-sucedido de livros sobre as mazelas mexicanas, Proceso continua firme em sua oposição sistemática ao regime e sua leitura, portanto, embora necessária, provoca um certo mal-estar. Tal insistência em revelar o que há de mais nocivo no país tem uma conseqüência muito séria: há muito tempo a revista, agora em boa situação financeira, não consta das listas de publicidade oficial.
Seus diretores atuais, forjados em tempos de censura férrea, sob o comando tenaz e corajoso de Scherer, parecem preferir administrar os prejuízos no caixa do que cortar matérias ou não publicá-las por inteiro, até porque os tempos são outros: no satisfatório clima de liberdade de expressão prevalecente hoje não mais funcionam as rotinas sombrias do passado – ameaças de empastelamento, telefonemas dos aspones do poder na hora do fechamento proibindo esta ou aquela informação, ofertas irrecusáveis a certos colunistas de caráter duvidoso (dinheiro, casa própria, automóveis, viagens ao exterior).
O inquietante em tudo isso, alerta Riva Palacio, não são tanto os crescentes ataques à imprensa, mas a forma furibunda e autoritária com que o presidente Calderón e seus auxiliares administram a situação, cada vez mais tensa entre o poder e os meios de comunicação.
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Jornalista, escritor e ex-correspondente de Veja no México e América Central