Friday, 20 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O pulo do gato na TV

A vida sempre foi difícil para todo mundo, com raras exceções para alguns privilegiados. Fora isso, a vida é dura. Não existe almoço de graça. Agora, por conta da tecnologia, a vida do corrupto está complicando também.

Com um clique na internet o candidato a dedo duro, araponga ou chantagista encontra uma infinidade de aparelhos eletrônicos inimagináveis para gravar o esperto enfiando a mão no dinheiro.

Tornou-se fácil gravar a corrupção que antecede, geralmente, aquele sorriso largo do sujeito – ou da mulher – pegando o que não é seu por direito antes de esconder na bolsa, nas meias e até na cueca, como o fazem os bandidos brasileiros.

Até oração para agradecer a Deus já foi registrada por uma câmera escondida, enquanto a malta louvava ao Senhor pelo caixa dois. Logo para Ele que colocou ‘não furtarás’ entre os dez mandamentos.

Colunas sociais

Se levarmos em conta que o dinheiro é público, então, os que rezaram agradecendo a propina também pecaram ao não honrar pai e mãe, ou alguém conhece um pai orgulhoso que fale abertamente:

– Meu filho é um grande ladrão. Um sovina, um corrupto de primeira grandeza. Todo mundo está roubando mesmo! Imagina, se ele não pega a parte dele vem outro e mete a mão.

Em seu dicionário, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira qualifica corrupção como suborno, peita, devassidão, depravação, perversão, ato ou efeito de corromper, decomposição e, o melhor de todos, putrefação.

Portanto a corrupção, para o mestre lexicógrafo, é aquele momento em que o ser humano, gozando de plena saúde, inicia ainda em vida o apodrecimento do corpo em detrimento da ganância, da avareza e da fraqueza da alma.

O corrupto somente se iguala em canalhismo ao corrompido e ao funcionário fantasma. São o queijo e a goiabada. Fora isso, é um ser mais desprezível que o latrocida, o estuprador, o sequestrador e o traficante de drogas juntos. Esses que são pobres e achincalhados em programas policiais de televisão geralmente apresentados por quem não tem coragem de aviltar da mesma maneira quando o criminoso tem o colarinho branco.

O corrupto é tão personalista que não admite ser chamado de ladrão porque, em seu imaginário, ele não rouba. Desvia. Pobre mete a mão, corrupto comete peculato.

O bandido de rua, esse que vai para a cadeia e cumpre pena, sabe que é bandido e vive como tal.

Já o corrupto causa os mesmos danos que um ladrão que rouba seu carro ou casa apontando uma arma para sua cabeça só que um milhão de vezes pior. Seu dano é coletivo e arrasa hospitais, escolas, creches, merenda escolar, estradas, energia elétrica, ferrovias e para onde quer que aponte seu dedo em decomposição.

Ele é cínico, dissimulado, sorridente e faz questão de transitar livremente pela sociedade, muitas vezes como se fosse alguém do mais profundo respeito, freqüentando clubes, aeroportos, restaurantes, bailes, instituições públicas, cinemas e teatros.

Antes de o escândalo ir parar nas telas e nos jornais o corrupto é muito visto em colunas sociais e também dando entrevistas em programas de televisão da high society.

Ato gravado

O problema agora para essa gente é ter que conviver com a tecnologia. Os aparelhos de gravação estão de tal sorte sofisticados que, daqui um tempo, corrupto e corrompido terão que se encontrar nus, apenas com o saco de pão recheado de dinheiro para não serem pegos no pulo do gato.

Suas chances de aparecer na televisão estão proporcionalmente maiores na medida em que a tecnologia aumenta.

Hoje, um simples chaveiro de carro pode ser um espião. Já existem aparelhos assim em formato de alarme de automóvel, que tiram mais de quinze mil fotos, gravam vídeos com áudio e coloridos e são pen drives recarregáveis. E o melhor de tudo: você compra isso na internet com o frete grátis.

Esse é só um exemplo. Existem caneta espiã com filmadora, relógio, binóculos que gravam filmes, mini escuta, microfone direcional de longo alcance e uma infinidade de micro câmeras que podem ser colocadas até em urso de pelúcia, botão de camisa, bottons, relógio de parede, óculos, saquinhos de bolacha e onde mais for possível chegar a imaginação.

Ao que parece, agora complicou para o corrupto porque da polícia e da justiça esse povo já perdeu o medo há muito tempo.

Com tanto recurso há de se imaginar que muito ato de corrupção já foi gravado por aí, só que os filmes são guardados a sete chaves para serem exibidos de forma privativa e chantagista na base da moeda de troca.

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Jornalista, pós-graduado em Marketing e escritor; seu site