Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

O que a violência ensina

Já se tornou inesgotável a quantidade de notícias sobre violência dentro do ambiente escolar brasileiro. Entre o massacre de Realengo,em 7 de abril deste ano, e a tragédia de São Caetano do Sul, no último 22 de setembro, dezenas de outros episódios têm sido noticiados. E a situação tende a agravar-se.

Ao longo destes cinco meses, o que terá nos ensinado a violência dentro da escola?

Uma primeira lição é a de que alunos tímidos, “bonzinhos”, reservados podem revelar-se violentos. Em artigo de inspiração freudiana, Sérgio Telles (“O menino suicida”, em O Estado de S.Paulo, 1/10) deixa claro que um episódio como este, em que uma criança de 10 anos atira na professora e se mata, não foi algo gratuito, mera “brincadeira” infeliz. No caso de Wellington de Oliveira, as motivações, por mais ensandecidas que tenham sido, aparecem como inequívocas. Muito provavelmente o menino Davi sofreu calado, e acumulou, durante meses, inúmeras razões sem razão que o levaram ao gesto desesperado.

Uma segunda lição decorre da primeira: no ambiente escolar, é necessário que os conflitos (naturais) sejam observados, ventilados e acompanhados. Que se reforce o vínculo entre escola e família, para que cada uma cumpra seu papel. Nem tudo é responsabilidade da escola, e muitas habilidades sociais devem ser aprendidas em casa. Se há bullying (e sempre há), a escola deve criar formas de identificar os envolvidos antes que o caldo entorne. Expulsar as crianças problemáticas é fazer o problema mudar de endereço, só isso.

Uma terceira lição: chegando a violência escolar a certos níveis, é insuficiente contar apenas com a boa vontade da escola ou o esforço familiar. A sociedade precisa mobilizar-se, com apoio governamental. E não se trata de acionar a Secretaria de Segurança, mas tomar consciência de que a violência na escola tornou-se epidêmica e requer participação de todos.

O inevitável e o evitável

Uma quarta lição – de nada adianta “abafar o caso”. No caso de Realengo, em artigo publicado neste Observatório (“O impossível retorno“), expressei a opinião de que incentivar a maquiagem da escola Tasso da Silveira não apagaria a dor e o trauma, e seria desperdiçar uma chance de ouro: fazer daquele local um centro nacional de estudos sobre violência escolar. Também agora será atitude pouco responsável dizer que o aluno “bonzinho” pegou a arma do pai por acaso, atirou na professora sem querer e se matou sem pensar.

A violência dentro ou fora da escola é, infelizmente, inevitável. Mas tratar essa realidade como tema sigiloso não ajudará a impedir novos massacres e tragédias.

É evitável fazer vista grossa e calar-se. Devemos falar mais, saber mais, e pensar em formas concretas de elaborar soluções e estabelecer cuidados preventivos. Já naquele fatídico mês de abril, Ruth de Aquino publicou na revista Época carta de uma ex-professora da Tasso da Silveira, na qual se afirma que não fazemos ideia dos problemas que diariamente afligem nossas escolas. De fato, são constantes as brigas, as depredações, levam-se armas brancas e de fogo para a sala de aula, são muitos os alunos envolvidos com drogas e álcool, muitos os professores ameaçados, agredidos…

A mídia ainda não sabe da aula a metade.

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[Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br]