Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O sono dos justos e a insônia dos torturadores

Independência, seriedade e destemor tem sido o compromisso da CartaCapital. Em seu nº 510, a revista não nos decepcionou.

Ao contrário de alguns de seus colegas de profissão, Mino Carta não aceitou o comando informal do presidente do STF para encerrar o debate sobre a punição dos torturadores. Fez bem e deveria servir de exemplo. Não há liberdade de imprensa quando o consenso é fabricado pela covardia, coação ou desprezo pelo sofrimento das vítimas dos torturadores oficiais do regime militar.

As incoerências dos debates no Clube Militar, expostos na matéria ‘Circo ou hospício?’, são dignas de nota. O general Figueiredo disse em discurso naquele antro de golpistas indignos que a Lei da Anistia proporcionou a ‘pacificação entre brasileiros de diversas tendências ideológicas’. Não há paz entre a vítima e o torturador enquanto este não for punido de maneira exemplar. A causa defendida pela CartaCapital é impopular entre alguns militares, mas nem por isto deixa de ser justa. E a justiça há de triunfar, nem que seja sob o risco de um novo golpe.

A tese defendida pelo ex-ministro do STJ de que os atos praticados pelos torturadores não são passíveis de punição esbarra na sua ignorância ou má-fé. O Brasil já era signatário de diplomas internacionais que coibiam a tortura quando foi dado o golpe de 1964. Todos os atos praticados por agentes do Estado dentro do território nacional que afrontam a legislação internacional podem e devem investigados e punidos (aqui ou no Tribunal Penal Internacional). É nosso dever fazer valer as regras internacionais às quais o país aderiu livremente. Caso contrário, o Brasil poderá ser considerado um Estado fora-da-lei (para usarmos o jargão de Bush e seus comparsas que aqueles militares aposentados certamente admiram).

Mirabolantes e rocambolescas

E já que estamos a falar da caserna, nunca é demais lembrar que o principal dever do servidor militar é manter a hierarquia e a disciplina. A sociedade pode e deve cobrar dos militares, cujo soldo paga com seus impostos, o mais estrito respeito às instituições democráticas em vigor. É preciso dar um basta no ‘anarquismo fardado’ que levou ao golpe de 1964 e que ainda tem a ousadia de se fazer ouvir no Clube Militar.

Segundo a CartaCapital, a reunião tinha a presença de dois militares da ativa. Portanto, o mínimo que o ministro da Defesa pode fazer é mandar investigar se aqueles oficiais da ativa apóiam ou não as intenções golpistas dos trogloditas que lá se manifestaram em favor do rompimento da legalidade. Caso sejam inocentes, devem ser mantidos nos seus cargos. Do contrário, merecem perder seus cargos conforme disposto no art. 142, da Constituição Federal de 1988.

No mais, a CartaCapital está coberta de razão. Os temas discutidos no Clube Militar beiram à insanidade. Os militares aposentados que lá se manifestaram não precisam ser confrontados – apenas e tão-somente ignorados (a única arma de destruição em massa que temos contra eles são as aposentadorias que lhes pagamos e que podemos suspender caso coloquem em risco a democracia). Os militares da ativa que lá estiveram precisam ser submetidos ao comando do presidente da República ou perderem os cargos. E os civis que lá expuseram suas teses mirabolantes e rocambolescas deveriam consultar psiquiatras. Mas se não o fizerem ninguém lamentará suas noites insones. Sua consciência pesada certamente os continuará privando do sono dos justos. Mas os justos não continuarão a dormir enquanto não levarem às barras da Justiça todos os criminosos de farda que se divertiram destruindo vidas durante a ditadura.

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Advogado, Osasco, SP