Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O sucesso do presídio sem polícia

Em mais de 30 anos de jornalismo a céu aberto, nunca poderia imaginar uma cadeia sem polícia, como sonhava o advogado paulista Mário Ottobai. Em compensação, nunca duvidei de que a culpa de 80% dos presos soltos voltarem para o crime é do nosso caótico sistema prisional que, ao invés de recuperá-los, piora a sua conduta. Ou seja, os presídios brasileiros foram transformados em escolas de bandidos.

O sonho de Ottobai foi concretizado com a criação das Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs). Trata-se de um modelo de prisão que consiste na recuperação do preso através de um sistema de autogestão. Não há polícia, guardas penitenciários, circuito interno de televisão, armas, algemas e carcereiros. Os próprios recuperandos (é assim os presos da Apac são chamados) é que tomam conta da instituição. Eles cuidam das chaves e presidem o Conselho de Sinceridade e da Solidariedade. O conselho é responsável pela parte criminológica e disciplinar do sistema, deixando pouca coisa a ser resolvida pela administração e a Justiça.

Parece mentira, mas este revolucionário sistema prisional funciona maravilhosamente e é o caminho para a diminuição da criminalidade no país. Visitei, dias atrás, uma unidade da Apac em Nova Lima, cidade distante 22 km de Belo Horizonte. Fiquei maravilhado com o que vi. Fui levado ao local pelo juiz Juarez Morais de Azevedo para a diplomação de 40 dos 72 presos que concluíram cursos profissionalizantes no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Aliás, conheço o juiz há alguns anos e ele sempre me falou das maravilhas da Apac. À véspera da visita, talvez para convencer-me de suas convicções, Morais sugeriu que eu ficasse preso na instituição por alguns dias para testemunhar o que ele estava dizendo. Aceitei o desafio, mas não foi preciso a experiência.

Tornozeleiras eletrônicas

Bastou pouco mais de uma hora misturado entre os presos para perceber, com clareza, as verdades ditas pelo juiz. A solenidade de formatura foi no interior do prédio, que fica à margem da MG 030, na propriedade do antigo distrito de Honório Bicalho. Fui recepcionado pelos presos, que abriram as portas da instituição, grade por grade, até o meu acesso ao local da formatura, que ocorreu com a presença de todos eles.

Lá estavam, além do juiz Juarez Morais, o desembargador Joaquim Alves de Andrade, a promotora de justiça de Nova Lima, Elva Cantero, a ex-presidente da entidade, Neusa Barbosa, e o atual presidente, Leno Dias, que acabava de ser eleito para o cargo.

O que testemunhei é inédito para este velho repórter. Nada ali, além das grades, lembrava um presídio. Parecia um desses colégios internos do pós-guerra, com uma diferença: a disciplina rígida era feita pelos próprios internos, olho no olho, sem qualquer dificuldade. Visitei biblioteca, oficinas de trabalho, cozinha, padaria e celas. Chequei toda a parte física da instituição e fiquei impressionado com as estatísticas. O percentual de presos que retornam ao crime é de 6,6%, contra uma média nacional acima de 80%. O percentual de fuga não chega a 5% – mesmo assim elas ocorrem pela abstinência de drogas, já que a maioria dos internos vem desse flagelo. Não há briga de presos, não há cara feia, não há revolta.

Os 40 presos diplomados naquele dia estudaram no prédio do Senai que fica no centro de Nova Lima, para onde foram de ônibus comuns, sem escolta. Constatei que o juiz Juarez Morais, fundador da Apac de Nova Lima juntamente com o desembargador Joaquim Alves, que coordenou o Projeto Novos Rumos, da Execução Criminal do Tribunal de Justiça de MG, tinha total razão ao afirmar que os presos deixam a Apac melhor do que quando entraram.

Este modelo de prisão é tão eficiente que o juiz Juarez Morais aposta todas as suas fichas, também, no uso das tornozeleiras eletrônicas para monitorar os presos em liberdade condicional através do satélite. Ou seja, além de reeducar e ressocializar presos do regime fechado e semi-aberto, o juiz acredita que pode soltar condenados de bom comportamento para que eles possam cumprir as suas penas trabalhando normalmente, com total segurança para a sociedade.

Reduzir a criminalidade sem inflar os presídios

Antes desse benefício, o sentenciado recebe um mapa dos locais onde ele não pode ir. Essas informações vão para uma central do Fórum e da PM que pode, por meio desse recurso, vigiar o preso 24 horas. Digamos que o preso está em um local e necessita de sair de sua ‘ilha’ por algum motivo relevante; basta ele pedir ao juiz a autorização pelo microfone instalado no aparelho preso ao tornozelo e aguardar a decisão.

A eficiência da tornozeleira eletrônica está comprovada em vários países. Agora, que comprovei também o sucesso da Apac, posso afirmar, com certeza, que a solução para se reduzir a criminalidade sem inflar os presídios existe. Basta confiar nas pessoas que acreditam nisso e proporcionar condições para que elas possam levar seus projetos adiante, com uma grande economia para o país.

O custo-benefício da Apac é fantástico. O preso sai a R$ 500,00/mês, contra os R$ 2,2 mil do modelo convencional, fora a redução da população criminosa, na faixa de 60 a 80%. O Brasil conta atualmente com 500 mil presos e pode, a médio prazo, baixar esse quantitativo para 150 mil, mesmo com o aumento da repressão. Basta proporcionar a esses jovens uma segunda oportunidade, através da sua ressocialização, como determina, aliás, a Lei de Execuções Penais.

Eu, que vivi metade dos meus 60 anos frequentando cadeia e retratando a criminalidade, não poderia recomendar a Apac a ninguém se não tivesse a certeza absoluta de sua eficiência.

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Jornalista