A imprensa não pareceu sobressaltada na sexta-feira (9/9) com o atentado perpetrado contra um diário e duas rádios em Marília. Deveria: é muito grave.
Desta vez, a agressão ao direito de informar não se deu por meio de uma ação judicial (em princípio, legítima no Estado de Direito) nem visou determinada matéria, notícia ou opinião. Os terroristas – a qualificação é esta – pretenderam silenciar três veículos jornalísticos e, além disso, iniciaram um processo de intimidação que não encontra paralelo em nosso país desde a redemocratização.
Esta é a leitura que precisa ser feita, a dimensão que deve ser dada ao episódio. Qualquer avaliação mais branda equivale a uma contemporização com a bandidagem política agora voltada contra a liberdade de informação. O alvo imediato foi uma empresa jornalística, o objetivo real é o regime, as instituições, os poderes, as leis, a sociedade.
Esta Marília nada tem a ver com Dirceu (irrecusável a sugestão contida no celebrado poema de Tomaz Antonio Gonzaga), mas o ataque dos gangsteres a uma empresa jornalística não pode ser desvinculado da atual crise (ou turbulência, como a designa o presidente Lula). A reedição ‘moderna’ dos antigos empastelamentos de jornais não pode ser recortada do tétrico cenário onde há quatro meses desenrola-se a mais grave tensão política das últimas décadas.
Encapuzados e armados incendiaram o prédio onde funcionam o Diário de Marília, conhecido por suas posições críticas no tocante à política local, e duas rádios da mesma empresa. Mas é evidente que os mandantes aproveitaram-se dos escombros que fumegam na praça dos Três Poderes e adjacências.
Arengas contra a imprensa
Com o Executivo atarantado, o Legislativo desmoralizado, o processo eleitoral sob graves suspeitas, a imagem da República abalada e, sobretudo, com uma sociedade desencantada ante o espetáculo que lhe oferecem, não é descabida a hipótese de que um núcleo subversivo tenha se aproveitado da precariedade e volatilidade da situação para consumar o seu ataque. Mesmo que nada tenha a ver com a sucessão de escândalos e descalabros que emergem a cada dia.
Enquanto as autoridades policiais investigam o atentado de Marília, é indispensável fixar as atenções na conjuntura política a partir dele porque há outros indícios de desordem que não podem ser minimizados. A República de Weimar foi sendo paulatinamente esfrangalhada por sucessivas incursões de diferentes origens até o assalto final perpetrado em 1933 pelo nazi-fascismo alemão.
A imprensa costuma ser o primeiro alvo, é o radar capaz de antecipar e alertar a sociedade para os perigos que a ameaçam. Ferir a imprensa tem sido uma das opções preferidas do repertório clássico de coações, ainda mais agora quando o terrorismo elegeu a mídia como ferramenta básica para a propagação do terror.
O presidente Lula contribuiu inadvertidamente para a escalada antiimprensa com as tiradas dos últimos dez dias. Sentindo-se encurralado, serviu-se de desastrados e furibundos improvisos, primeiro em Quixadá e, depois, em Uberlândia, para fustigar a imprensa de forma generalizada, ampla e institucional. Não soube enxergar diferenças, singularidades ou nuances, entregue às emoções e retórica dos palanques. Esqueceu a prudência inerente à função de supremo magistrado.
A crítica a procedimentos jornalísticos incorporou-se ao debate político contemporâneo, a democracia moderna dispõe de um sistema de poderes e contrapoderes que constituem a sua força, é por essa razão que a Era da Informação pressupõe uma discussão constante sobre a veiculação das informações. No entanto, as inflamadas arengas presidenciais contra os meios de comunicação, longe de melhorar o ânimo da sociedade, só agravaram as desconfianças que envolvem o Executivo.
O presidente tentou uma reparação no encontro que teve com a diretoria da Associação Nacional dos Jornais, na tarde de sexta-feira. Mas enquanto mandou brasa não percebia as fagulhas que produziu. Com alguma delas os incendiários queimaram um jornal e duas rádios.