A ARTE DA POLÍTICA
Carlos Marchi
FHC se revê como político e sociólogo
‘O maior engano de um presidente é imaginar que, sozinho, pode tudo, afirma o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no livro A Arte da Política – A História
que Vivi, recém-lançado pela Editora Civilização Brasileira. E complementa o
ensinamento: ‘Por outro lado, se o presidente se entrega ao Congresso, está
perdido.’ No livro, ele funde em dosagem equilibrada as visões do político e do
sociólogo, num exercício de maturidade política e erudição.
Estruturado a partir de gravações que o então presidente fazia todos os dias,
com elogiável preocupação historiográfica, o livro é um manual indispensável
para os candidatos a cargos políticos, em especial os majoritários de qualquer
nível. Mas é, também, um testemunho cru da extraordinária complexidade do jogo
político que envolve um presidente. Por último, é uma base historiográfica para
consolidar, no futuro, as interpretações sobre a trajetória política do autor.
O LEGADO
Fernando Henrique escreveu preocupado com seu legado. Ele descreve ‘a
sensação agônica a pagar por quem se lança à vida pública: o juízo que conta é o
da História, e a ele os personagens não assistem’. Depois de uma introdução
vigorosa, o autor oferece ao leitor uma atraente proposta – a interpretação da
evolução política nos anos da ditadura militar, devidamente temperados por uma
deliciosa fusão dos conselhos de Maquiavel com os ensinamentos de Max Weber.
Ele analisa os fundamentos da prática política contemporânea e conclui que a
grande causa dos políticos de sua geração não é a estabilidade, mas o
compromisso com a democracia. E sugere que as novas formas de organização da
sociedade – com papel ativo para as ONGs e a internet – ampliam o foco da ação
dos governantes.
Descreve com paixão a lenta estruturação da luta contra a ditadura, realçando
sua inegável origem na esquerda. E, se não o fora como presidente, dá pistas de
que continua engajado como sociólogo: rejeita continuamente o rótulo de
‘neoliberal’ e dedica apostos críticos à alma do neoliberalismo, o mercado.
Chama-o de ‘demiurgo contemporâneo’; trata-o como ‘esse personagem de má
catadura’; adiante, como ‘essa fera temida’; e, por último, como ‘essa
enteléquia’ (enigma).
Fernando Henrique dá sua versão para contestar os episódios mais desgastantes
de sua passagem pela Presidência. No rumoroso caso da quebra do Banco Econômico,
subjacente ao relato está a preocupação em preservar-se ante a ação agressiva do
senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que comandou a tropa de choque contra
a liquidação do banco. O relato, no entanto, não menciona que o governo da Bahia
encampou o banco por R$ 1 e dias depois desistiu do negócio.
O livro chega a ensaiar conselhos, à guisa do Príncipe. O ex-presidente
sugere que a primeira tarefa do governante é definir o inner circle (o ‘núcleo
duro’). E aponta condições elementares para apurar o sentimento democrático de
alguém: ‘abertura mental’, comportamento tolerante, aceitação do outro e da
diversidade político-cultural.
O livro traz revelações deliciosas, como sucessivos e civilizados encontros
com o ex-ministro José Dirceu para discutir temas delicados. Ou o tratamento que
o ex-presidente Bill Clinton sempre lhe deu – ‘Henrique’. Ou a preocupação de
Clinton – o que podia fazer para ajudá-lo na eleição. Cavalgar, na campanha de
1994, não foi novidade, porque sempre soube montar bem. É ‘louco’ por um sonho
de padaria. Na primeira candidatura ao Senado, em 1978, teve o apoio de Lula.
Foi o candidato de Itamar, em 1994, sem que nunca tivessem trocado uma palavra
sobre isso.
Mas tem dois pecados veniais. Um é que a mixagem de teoria e prática
políticas, que impressiona no começo, acaba no capítulo 5 e o livro se torna um
relatório massudo dos posicionamentos do governo FHC.
Outro é que a opção de embaralhar a ordem cronológica tonteia o leitor leigo.
Luís Eduardo Magalhães, morto na página 317, ressuscita 40 páginas adiante como
ativo personagem da crise do Econômico. Na página 404 Gustavo Franco pensava
placidamente em sair do Banco Central para dirigir a empresa da mulher; duas
páginas depois estava sendo defenestrado pelo próprio Fernando Henrique, por
recusar-se a aceitar as minidesvalorizações do dólar.
É generoso com Lula ao atribuir relevo às greves do ABC para a
redemocratização, mas cortante ao lembrar que foi Benedito Marcílio, líder
metalúrgico de Santo André, e não Lula, quem lançou a idéia do PT. Revela que a
primeira discordância com Lula surgiu na eleição de Tancredo Neves. Lista, com
abundância, temas que o PT e Lula rejeitaram discutir e hoje, no governo,
aprovam e praticam. Lamenta ter sofrido o ‘risco Lula’ e diz que terminou o
governo rompido com as principais oligarquias. ‘Não poderia imaginar que o PT,
vitorioso, iria reerguer o prestígio de muitos anjos decaídos do
poder…’’
TV DIGITAL
EUA dizem que seu padrão de TV facilita fábrica
‘Os americanos enviaram uma carta aos ministros Dilma Rousseff (Casa Civil),
Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), Celso Amorim (Relações Exteriores) e
Hélio Costa (Comunicações), afirmando que seu padrão de TV digital, chamado
ATSC, atrairia mais facilmente uma fábrica de semicondutores para o País. Não
propõem, no entanto, nenhum compromisso firme. Europeus, com seu DVB, e
japoneses, com o ISDB, também evitaram fazê-lo.
O governo brasileiro iria decidir no mês passado qual padrão seria adotado no
País, mas adiou a definição. Atualmente, negocia com os detentores
internacionais das tecnologias a instalação de uma fábrica de chips. No ano
passado, as importações de semicondutores chegaram a US$ 2,9 bilhões.
‘De fato, na opinião do Fórum ATSC, seria mais fácil apoiar a instalação de
uma fábrica de circuitos integrados no Brasil se o padrão ATSC fosse adotado’,
afirmou Roberto Graves, presidente do Conselho do fórum, que assina a carta.
‘Isto porque o mercado maior e mais natural para as exportações brasileiras
seriam as Américas, onde são usados canais de 6 MHz, em oposição à Europa, onde
canais de 8 MHz são predominantes.’
Em sua carta, os americanos dizem que a européia STMicroelectronics, que
conversa com o governo brasileiro sobre estudos para instalação de uma fábrica,
apóia tanto o padrão americano ATSC quanto o europeu DVB para o Brasil, enquanto
se opõe ao japonês. A subsidiária brasileira da empresa, que faz parte da
Coalizão DVB, não tinha informações a respeito. ‘Além de sua atividade no DVB, a
STMicroelectronics é um integrante do ATSC e do Fórum ATSC’, destacou Graves na
carta.
Os americanos sugerem que o Brasil atraia ao País empresas de projetos de
circuitos integrados, que exigem investimento menor, no lugar de fábricas. A
Motorola tem um centro de projetos, ou Design Center, em Campinas. Na carta, o
Fórum ATSC questiona a viabilidade econômica de uma unidade fabril. ‘Se for
viável a instalação de uma fábrica, a STMicroelectronics se mostra muito mais
bem posicionada que fabricantes japoneses para trazer uma indústria vibrante e
competitiva ao Brasil.’’
Denise Chrispim Marin
Amorim se diz surdo ao lobby dos europeus
‘O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, devolveu com inusitada
indiferença as recentes pressões da União Européia para que o Brasil adote o seu
padrão de TV Digital. Logo depois de um almoço ‘cordial’ com o comissário
europeu para o Comércio, Peter Mandelson, o chanceler jurou ‘por Deus’ que não
ouviu o lobby feito por seu convidado.
Na semana passada, Mandelson apertou o torniquete contra o Brasil ao declarar
publicamente que o País acabaria internacionalmente isolado caso optasse por um
dos padrões concorrentes, o americano ou o japonês.
Na quinta-feira, o grupo interministerial que discute o tema não chegou a uma
conclusão sobre o padrão a ser adotado. Nos dias 9 e 10 de abril, os ministros
das Telecomunicações, Hélio Costa, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, deverão
desembarcar no Japão e na Coréia do Sul para verificar as vantagens do sistema
nipônico e negociar contrapartidas com o governo e empresas locais.
‘Ele falou, mas eu não ouvi. Esse é um assunto que o governo negocia e só
conversa de maneira coletiva, no grupo coordenado pela ministra Dilma Rousseff’,
disse Amorim. ‘Ele falou e eu não ouvi. Juro por Deus que não me lembro porque
eu não tinha interesse.’
Segundo o embaixador da União Européia no Brasil, o português João Pacheco,
Mandelson estava ciente de que a discussão vem sendo conduzida pelo grupo
interministerial e, portanto, não caberia uma negociação com Amorim naquele
momento. Entretanto, o comissário reafirmou a posição européia e aproveitou o
almoço para entregar um memorando ao chanceler.
A rigor, o encontro entre Amorim e Mandelson teve caráter bilateral, como
parte da visita oficial do comissário ao Brasil, cujo principal objetivo seria
reforçar o lobby de Bruxelas sobre o padrão de TV Digital. O governo brasileiro,
entretanto, mostrou-se indisposto a ouvir as demandas européias.
Mandelson não teve a chance de tratar do tema com nenhuma outra autoridade,
depois do o silêncio do Palácio do Planalto ao seu pedido de audiência com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua vinda ao Brasil, acabou restrita a uma
passagem por São Paulo e pelo Rio de Janeiro, onde hoje mergulhará nas
negociações da Rodada Doha.’
TELEVISÃO
SBT lança babá eletrônica
‘O SBT estréia hoje, às 20h30, o reality show SuperNanny. Mas é uma atração
diferente, pois não há competição e o prêmio para os participantes é ter um
filho bem-educado em casa. Serão 13 episódios que mostrarão famílias que têm
problemas com seus rebentos e estão dispostas a contar com a ajuda da educadora
Cris Poli – argentina naturalizada brasileira -, a SuperNanny em questão.
Com técnicas, que não são exatamente castigos – como garante Cris Poli -, a
SuperNanny resolve o problema dos pais que não têm paz porque seus filhos berram
demais, exigem muita atenção, não obedecem às regras… ‘Criança precisa de
limite. Não há nada que método e disciplina não funcione’, explica a educadora.
Em cada programa serão apresentados quatro ou cinco métodos de disciplina. E
essas técnicas precisam ser seguidas pelos pais. Caso contrário, não dão certo.
Para mostrar o trabalho da SuperNanny, o SBT mantém uma equipe de oito
pessoas na casa da família. Ninguém, a não ser Cris Poli, fala com as crianças –
tática adotada nos EUA e na Europa para que as crianças não se envolvam com os
profissionais e não mudem seu comportamento habitual, comprometendo a eficácia
da educadora. Primeiro, a produção filma o cotidiano da família. Depois, a
SuperNanny entra em ação e mostra suas regras para os pais e para o público.
Cris Poli fica uma semana na casa da família e depois volta para ver se as
regras foram seguidas e se o comportamento da criança melhorou. Em caso
negativo, ela retorna para uma segunda tentativa.
A atração pode ser útil para pais, mas quem não tem filhos vai se divertir
com as situações e com o tom dramático, típico do SBT. E já começa no slogan:
‘Não existem crianças mal-educadas; existem aquelas que ainda não conhecem a
SuperNanny.’’
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