Os dois principais jornais paulistas de circulação nacional trazem como destaque um fato que poderia ter acontecido se não tivesse sido noticiado. Trata-se de um plano mirabolante que estaria pronto para ser aplicado pela organização criminosa chamada Primeiro Comando da Capital (PCC) para libertar quatro de seus principais líderes de um presídio de segurança máxima no interior de São Paulo.
O enredo tem detalhes dignos de um desses filmes de ação produzidos com efeitos especiais por Hollywood. As descrições oferecidas pelos dois jornais na edição de quinta-feira (27/2) são tão semelhantes e tão ricas em detalhes que o leitor crítico vai imaginar que as reportagens foram escritas pela fonte, não pelos jornalistas.
E quais seriam as fontes?
Uma das versões indica que a história foi vazada por ex-integrantes da Secretaria da Segurança Pública, ou seja, os dois jornais teriam se colocado a serviço de uma intriga interna no governo paulista. As reportagens relatam que o PCC vem planejando desde o ano passado a fuga espetacular de seu principal mentor, o traficante Marco Willians Herbas Camacho, e três outros chefes do crime organizado, que cumprem pena no sistema penitenciário de Presidente Venceslau (SP). O plano inclui o uso de dois helicópteros blindados, pintados com as cores e o escudo da Polícia Militar, um cesto também blindado para içar os presos do pátio, e um avião para transportá-los até uma fazenda no Paraguai.
Três integrantes da facção criminosa teriam recebido um curso de pilotagem de helicóptero, ministrado por ninguém menos do que o copiloto do aparelho que foi apreendido em novembro de 2013 com 450 quilos de cocaína numa fazenda do Espírito Santo. O aparelho pertence a uma empresa do deputado mineiro Gustavo Perrella (SDD), filho do senador Zezé Perrella (PDT). Uma casa teria sido alugada no noroeste do Paraná, para servir como quartel-general da operação.
O relato, mais detalhado no Estado de S. Paulo, que publicou uma primeira versão em seu site, na véspera, juntamente com o telejornal SBT Brasil, seria parte de um documento que vinha sendo guardado a sete chaves no comando da Polícia Militar. O vazamento pegou a polícia em plena operação para abortar o resgate, o que deixa a cúpula da segurança pública em situação embaraçosa, para dizer o mínimo.
História mal contada
Tudo indica que sete chaves não são suficientes para guardar segredos no centro da estratégia policial de São Paulo. Segundo o Estado de S. Paulo, uma equipe do Comando de Operações Especiais, com seis atiradores de elite munidos de armas poderosas, ainda permanecia, na quinta-feira (27), de tocaia na mata ao redor da penitenciária.
A publicação do documento vazado para a imprensa torna sem sentido a operação. Há duas hipóteses possíveis para explicar a trapalhada: a primeira, aventada pela Folha, diz que o documento contendo detalhes da investigação e o plano para abortar a fuga dos criminosos foram divulgados por integrantes de gestões anteriores na Secretaria da Segurança Pública, o que indicaria a falta de comando do governador sobre seus subalternos.
A outra hipótese, improvisada por este observador a partir da leitura dos jornais, é mais generosa: a polícia decidiu vazar as informações, diante da possibilidade de os criminosos sequestrarem pilotos de helicópteros para obrigá-los a participar do resgate.
Há outra questão que pode ser colhida nas reportagens: a polícia monitora há tanto tempo as comunicações dos operadores do PCC envolvidos no plano de fuga, que surpreende o fato de ainda não ter produzido um inquérito capaz de determinar sua prisão. Um aspecto adicional se refere ao verdadeiro poder de ação da quadrilha, que é apontada como responsável por todo episódio criminoso de grande repercussão em São Paulo.
Neste mesmo episódio, por exemplo, o Estado cita reportagem publicada em outubro do ano passado, na qual se afirmava que o PCC estava planejando cometer atentados durante a Copa do Mundo e às vésperas das eleições deste ano. Ora, se essa facção é assim tão poderosa, o que impede o governo de produzir uma estratégia definitiva para reduzir sua influência e impor a presença do Estado onde ela é necessária? Ou faz parte da estratégia manter a mística do inimigo perigoso, para justificar certas ações da polícia?
Como se vê, a reportagem sobre o acontecimento que não aconteceu ficou incompleta.