A Comissão da Verdade precisa ir mais fundo e mais depressa. As Forças Armadas precisam reconhecer o seu erro. Não adianta esconder: houve torturas e mortes nos quartéis. Quanto mais demora o pedido de desculpas, mais dificil será a reconciliação.
Quem faz estas afirmações não é um militante revolucionário, nem um guerrilheiro: é um matador arrependido que esteve a serviço da ditadura durante quase duas décadas. Ele executou gente, depois planejou atentados, falsos confrontos, assassinatos.
É dele a ideia de incinerar cadáveres de vítimas das torturas em fornos de uma usina de açúcar.
Liquidou pessoalmente companheiros que não respeitaram o “código de ética” da delinquência a serviço do Estado. Queimou arquivos, alguns deles com prazer.
Seu nome é Cláudio Guerra, delegado do Dops no Espírito Santo convocado pelo Serviço Nacional de Informações, o funesto SNI – o monstro, como o definiu seu criador. Cláudio Guerra hoje é pastor evangélico, já falou ao Observatório da Imprensa em junho de 2012 (ver aqui).
Quer falar de novo, está com pressa. Não porque esteja com medo de ser queimado, mas porque sabe que a Comissão da Verdade tem um prazo fatal: dezembro de 2014.
Quando o Observatório da Imprensa o ouviu pela primeira vez desfiando os crimes que cometeu, logo nos ocorreu o conceito de “banalidade do mal” criado por Hannah Arendt (1906-1975). Agora, ao ouvir sua exortação calma e serena, nos ocorre que a banalidade do mal só pode ser enfrentada com a simplicidade do bem.
Dinâmica mortal
O pastor Cláudio Guerra não fez sermões durante o depoimento ao Observatório da Imprensa. quer apenas buscar a verdade, não tem medo da verdade, pronto a encarar a justiça. Mas desta conversa de 60 minutos realizada no dia 3 de setembro, no município de Serra, ao lado de Vitória (ES), ficou claro que o erro não tem limites. Erra-se um pouquinho – sempre com bons pretextos – e o erro se acrescenta, cresce, extrapola.
O aparelho da repressão acreditava que poderia delinquir em defesa da segurança do Estado, logo descobriu que a delinquência não tem limites: o inspetor Fleury foi queimado porque não via erros no narcotráfico; Cláudio Guerra executou o tenente Odilon porque começou a matar em causa própria; o coronel do Exército Paulo Malhães, do Doi-Codi do Rio, assassinado recentemente, esteve ligado à contravenção. O malfeito, o ilícito, a corrupção e a delinquência têm uma dinâmica que não pode ser esquecida.