Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O suco que virou ácido

Sexta-feira, dita santa, e um assunto extinto na mídia tradicional insistia em ressuscitar nas redes digitais, assombrando os fariseus. Trata-se daquela história do suco que virou ácido. O tema veio a público no dia 13 de março, uma quarta-feira, e no sábado seguinte – três dias depois – já havia subido aos céus da imprensa.

Excelência na gestão da crise, por parte da Unilever, fabricante do suco contaminado?

A consultora Vera Lúcia Vieira, diretora da CostumerSat Consultoria, pesquisadora em comunicação e marketing, aponta indícios de que pode ter havido simplesmente um conluio entre os jornais e a empresa para ocultação do cadáver, quer dizer, do problema. Segundo o rastreamento feito pela pesquisadora, as primeiras constatações de que havia outro produto no lugar do suco de maçã da marca AdeS foram divulgadas nas redes sociais no dia 13/3. Quase imediatamente, ainda antes de a notícia sair nos telejornais, algumas redes de supermercados já estavam tirando as caixas de suas prateleiras.

Como a empresa fabricante demorou um dia para fazer esclarecimentos e providenciar o recolhimento dos lotes contaminados, foram retirados todos os produtos daquela marca. Quando os jornais deram as primeiras notícias, o assunto já “bombava” nas redes digitais, com relatos de outras ocorrências com alimentos da mesma empresa.

A ação da empresa foi rápida, mas dirigida apenas à imprensa tradicional: comentaristas de programas radiofônicos saíram assobiando e os bravos analistas dos telejornais apenas repassaram o já sabido. A Unilever não teve pressa para fazer o comunicado oficial à Anvisa, o que poderia reduzir os riscos de consumo involuntário do líquido ácido por alguma criança: o órgão de vigilância sanitária foi informado no dia 14/3 por uma funcionária, que ouvira a notícia no rádio.

A pesquisadora Vera Lúcia Vieira observa que os comentários foram intensos nas redes sociais, produzindo anedotas com a imagem da caixa de suco, num crescendo que, afinal, obrigou a fabricante a se manifestar. Até as 13h27 do dia 20/3, o site da empresa não havia publicado a informação oficial sobre o recolhimento do produto – mas a notícia já havia saído na edição online da Folha de S.Paulo.

Detalhe: o comunicado oficial no site unilever.com.br foi postado no dia 20, com data do dia 18. O mesmo texto oficial foi postado na Facebook ereforçado às 23h do dia 20/3, no perfil criado para divulgar o suco AdeS.

“Problema de qualidade”

A estratégia da empresa ficou clara no decorrer dos dias seguintes: conter o noticiário negativo na mídia tradicional e deixar que a onda passasse nas mídias digitais. Na análise da consultora, a prioridade foi reduzir o efeito negativo do incidente sobre a marca, e não defender o consumidor: nesse período, e até o final desta semana, as linhas do Serviço de Atendimento ao Consumidor da empresa permaneceram congestionadas e ainda não ficou suficientemente esclarecido o que ocorreu na linha de produção.

Uma investigação da Anvisa revelou que já no dia 6 de março, uma semana antes de o caso vir à tona, havia sido registrada uma reclamação no serviço de atendimento da Unilever, mas a empresa não se pronunciou nem informou as autoridades sanitárias.

A Lei de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor não pode colocar no mercado produto que sabe, ou deveria saber, que apresente riscos à saúde ou à segurança dos consumidores; caso isso venha a ocorrer, deverá emitir um comunicado de alerta através de todas as mídias (são citados TV, rádio, jornal, revistas). Embora as redes sociais e a internet não sejam citadas no texto legal, infere-se que sejam consideradas mídias da mesma forma.

O comunicado finalmente publicado pela Unilever afirma que a contaminação, que a empresa chama de “problema de qualidade”, contornando a gravidade do fato, “limita-se a 96 unidades de AdeS sabor maçã, 1,5 litro, lote AGB25, produzidas na linha TBA3G na fábrica de Pouso Alegre” (MG). No entanto, o comportamento errático da empresa reduz a credibilidade de sua estratégia de comunicação.

O assunto segue vivo nas redes digitais, mas praticamente desapareceu do rádio e da televisão, e, nos jornais, apenas pipoca eventualmente em notas curtas. Até onde se pode rastrear, a empresa não divulgou os prejuízos financeiros causados pelo incidente. A perda para sua reputação é incalculável, e ainda pode contaminar a credibilidade da mídia tradicional.