Os jornais começam a mostrar mais interesse pelo destino do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, de 47 anos, que desapareceu no dia 14 de julho, após ser detido por policiais e levado para a Unidade de Polícia Pacificadora da Favela da Rocinha, um daqueles postos comunitários criados pelo governo do Rio de Janeiro para ocupar as comunidades antes dominadas por traficantes.
Oficialmente, Amarildo foi apreendido “para averiguação”, o que indica que havia alguma suspeita, justificada ou não, contra ele. No entanto, tudo que se tem publicado aponta para um erro de avaliação dos policiais que o detiveram.
Pontualmente, o que a imprensa está fazendo é acompanhar a apuração da Corregedoria da Polícia Militar do Rio, que afastou da UPP os PMs que detiveram o pedreiro e iniciou um inquérito para investigar o que houve no interior da unidade policial. Na quinta-feira (1/8), informa-se que o sangue encontrado na viatura que o transportou não pertence ao operário.
Paralelamente às investigações policiais, o Globo apura a denúncia de que Amarildo foi morto e seu corpo levado para o centro de tratamento de resíduos no município de Seropédica, que recebe todos os dias dezenas de caminhões de lixo da capital fluminense. O Estado de S.Paulo também investe na possibilidade de que Amarildo esteja morto, com base em declarações da cúpula da segurança pública do Rio. A Folha de S.Paulo, o jornal paulista que costuma dar mais espaço para notícias do Rio de Janeiro, publica apenas uma pequeno nota de rodapé.
Nas redes sociais, uma campanha mobiliza milhares de pessoas em torno da pergunta: onde está Amarildo?
O assunto passa rapidamente das investigações policiais para as redes e das redes, como tem acontecido desde o mês de junho, transforma-se em bandeira de manifestações. Amarildo pode estar morto ou simplesmente escondido em algum lugar, com medo da polícia. Nesta altura do dia, é possível que tenha voltado para casa a qualquer momento ou que seu corpo tenha sido encontrado no meio do lixo.
Esse é o contexto que torna seu caso emblemático, neste momento em que parte da sociedade brasileira sai às ruas para denunciar certas mazelas que resistem ao processo de democratização do país.
Polícia e política
A pergunta que não quer calar ganhou espaço no New York Times, na segunda-feira (29/7), antes de se tornar destaque nos jornais paulistas.
Num país realmente democrático, a hipótese de Amarildo ter sido detido para averiguações e sua vida terminar em meio aos detritos de um lixão não poderia ser sequer considerada pela imprensa. O fato de essa possibilidade ser tratada com certa naturalidade pelos jornais e pelas autoridades justifica em grande parte a violência com que alguns manifestantes atacam a polícia durante os protestos que paralisam as principais cidades do país. As abordagens violentas são a rotina, com poucas variações, que enfrentam os jovens da periferia de São Paulo, do Rio e de outras regiões metropolitanas.
Ainda que Amarildo esteja vivo, escondido em algum lugar, a mera constatação de que possa ter sido assassinado por aqueles que deveriam protegê-lo demonstra que alguma coisa vai muito mal nas instituições. Não é de hoje que se observa como as políticas de segurança pública adotadas pela maioria dos estados refletem ainda a ideologia da repressão vigente no regime militar. Há uma espécie de guerra não declarada entre a polícia e a juventude, em especial aquela juventude ruidosa e de pele escura que insiste em sair dos guetos onde a pobreza foi enclausurada por décadas.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, conquistou o apoio da população com o programa das Unidades de Polícia Pacificadora, que leva a presença do Estado a lugares antes dominados por quadrilhas de traficantes.
As favelas pacificadas se transformaram em comunidades mais prósperas, onde se reduzem os indicadores de pobreza e aumenta o protagonismo dos jovens, com iniciativas culturais e educacionais que aceleram sua integração e reduzem o risco da marginalização.
A realidade anterior era muito pior, e o Globo já havia produzido, em 2007, uma série impressionante de reportagens demonstrando que, nos vinte anos anteriores, o crime havia causado a morte ou o desaparecimento de pelo menos 14 mil cidadãos.
No entanto, em muitos casos houve negligência por parte do governo na preparação dos policiais encarregados de consolidar o resgate dessas comunidades. Em muitas delas, a tirania do narcotráfico foi substituída pela ação nefasta de milícias formadas por agentes públicos e apoiadas por vereadores e deputados – e a violência apenas mudou de protagonistas.
Esse é o contexto que revolta muitos cidadãos.
Onde está Amarildo?
Essa é a pergunta que os jornalistas devem fazer em todas as entrevistas de que participarem, seja sobre futebol, economia, política, ou sobre a nova “periguete” da novela das oito.
Onde estiver Amarildo, estará potencialmente todo cidadão desfavorecido.