Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os bons tempos que nunca existiram

Há escândalos de verdade, escândalos que não são bem assim, escândalos que só são escândalos porque narrados pelos meios de comunicação em linguagem escandalosa (na hora em que se procura o fato, descobre-se que fato não há).


É ruim: primeiro, porque os escândalos de verdade tendem a submergir nos múltiplos falsos escândalos, a esconder-se entre factóides, a dissimular-se entre os editoriais enfurecidos, evitando que sejam destrinchados e tenham os suspeitos devidamente investigados; segundo, porque os escândalos, que já são muitos, somados aos escândalos que não são escândalos mas aparecem vestidos de escândalo, levam a opinião pública a subir o tom da indignação, a descrer das instituições democráticas, a pregar o voto nulo (ainda! Coisa mais fora de moda!)  e a lembrar com saudades da ditadura. Isso aparece claramente não apenas nas seções de cartas, mas também nos comentários de leitores nas colunas de internet.


Em parte, a culpa é da imprensa. O aniversário do movimento militar de 1964 ocorreu há poucos dias e não foi relembrado, a não ser por saudosistas ansiosos por um revival militar. E é preciso recordar sempre. É preciso recordar, por exemplo, que a melhor coisa da ditadura é que, naquela época, éramos todos quarenta anos mais jovens. E, se é verdade que os generais-presidentes não se locupletaram, é verdade também que houve quem se locupletasse, e não foram poucos.


Houve as pérolas de grande valor que vieram do Japão no voo inaugural Tóquio-Rio, houve a milionária e esquisitíssima concorrência para ampliar o sistema telefônico de Brasília, houve os milhões doados para o esquema de torturas, houve os desvios de praxe, tudo coberto sob o sigilo de segurança nacional. Entre os torturadores, alguns saíram com tanto dinheiro que puderam se estabelecer comprando pontos de bicho, dominando escolas de samba, virando empresários do crime.


Um exemplo bobinho, mas que exemplifica como os homens do poder, na época da ditadura, viam o patrimônio público: no governo havia muitos gaúchos, que jamais se acostumaram à carne de gado zebu servida em Brasília. Para seus churrascos, mandavam aviões da FAB buscar no Rio Grande do Sul a nobre carne de gado europeu, tudo pago com nosso dinheiro. Outro exemplo bobinho: em certas grandes obras, cobradas pelo sistema CLD (custo, lucro, despesa), algumas empresas estimulavam os empregados a gastar o máximo possível, pois com isso seu lucro, uma porcentagem dos custos, seria muito maior. Ninguém comprava um livro caro: era muito mais barato xerocá-lo e jogar o custo na obra.


Este colunista trabalhou na imprensa em toda aquela época. Aos leitores, ouvintes, espectadores, internautas que defendem o retorno ao passado, uma lembrança: não foi uma boa experiência. Para os meios de comunicação, que ecoam todas as más notícias, sejam reais ou não, também não foi uma boa experiência: mesmo para os que ganharam dinheiro e prestígio, censura é uma coisa terrível.


Citando Winston Churchill, a democracia é o pior dos regimes, excetuando-se todos os outros.


 


A lei, ora a lei


O governo federal anuncia com orgulho que a lista dos devedores da União inscritos na dívida ativa estará no portal da Procuradoria da Fazenda Nacional a partir de julho. Os meios de comunicação dão a notícia como se fosse algo normal – e, definitivamente, não o é.


É coisa que dá para discutir até do ponto de vista legal. O Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, diz claramente que o inadimplente ‘não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça’. E qual o objetivo de publicar o nome dos devedores na internet? Eles sabem que devem; e, se estão inscritos na dívida ativa, já estão carecas de receber avisos. O governo sabe que eles devem. Colocá-los na rede, portanto, parece ser apenas um constrangimento, o que é proibido. Que terão nossos meios de comunicação – alguns deles devedores pesados dos cofres públicos – a dizer sobre o caso?


 


Letras miúdas 1


É fácil de lembrar: o chefe da equipe de transplante de fígado do Hospital do Fundão, no Rio, foi preso, com notícia de primeira página e imagem na TV. O médico Joaquim Ribeiro Filho, um dos bons especialistas brasileiros em transplante de fígado, foi vítima da Operação Fura-Fila, da Polícia Federal, acusado de privilegiar alguns pacientes em detrimento de outros. Não era verdade; e, no dia 10 de março, Joaquim Ribeiro Filho foi absolvido pela Justiça Federal. Está inocente. Algum dos caros colegas viu alguma notícia com destaque sobre a absolvição? O caso não passou em branco: houve noticiário, embora sem destaque. E que é que teve algum destaque? A notícia de que o Ministério Público pretende recorrer contra a absolvição. Só vale destacar aquilo que é ruim para o réu.


 


Letras miúdas 2


Lembra do caso Colina do Sol? Ali, no Rio Grande do Sul, dois casais naturistas (e alguns de seus amigos) foram acusados de tudo, inclusive de abusar sexualmente de menores, e da acusação participaram autoridades e meios de comunicação. Era um novo caso Escola Base: desafetos lançaram as acusações, que foram aceitas sem maior análise, e houve gente que ficou presa por um ano sem julgamento. Afinal, eram naturistas, andavam pelados, e boa coisa não podiam fazer, não é mesmo? Um jornalista, Sílvio Levy, foi processado e durante seis meses não conseguiu saber do que era acusado (hoje ele já sabe: de ‘grave ameaça’ contra moradores da região, embora na época estivesse não apenas em outro país, mas em outro continente). Bom, Sílvio Levy acaba de ser absolvido.


Copiando Barbara Gancia, sempre agudamente divertida, este colunista aposta um picolé de limão em que a cobertura da absolvição será infinitamente menor, com muito menos destaque, do que a da condenação (isso se houver cobertura). Nossos meios de comunicação são muito melhores para acusar do que para reconhecer a inocência das vítimas da artilharia da imprensa.


 


Letras graúdas


Uma foto gigantesca, de uma moça bonita, com belas pernas à mostra. De acordo com a matéria, a jovem, casada, contou que numa filmagem havia feito sexo de verdade e consumido drogas. No dia seguinte, praticamente no mesmo espaço (embora sem a foto), a coluna se desmentia: dizia que a jovem não tinha praticado sexo de verdade nem consumido drogas durante a filmagem.


Ficou faltando um pedaço da história: se a moça não praticou sexo de verdade nem consumiu drogas durante a filmagem, como é que a história foi publicada? Alguém a inventou? Ou a moça falou, talvez de brincadeira, e depois viu que pegou mal? De onde surgiu a versão desmentida? Coisa esquisita!


 


Miau!


Comemore conosco: o programa mais antigo do rádio brasileiro, O Pulo do Gato (rádio Bandeirantes AM, São Paulo, diariamente às seis da manhã, transmitido para todo o Brasil pela rede Bandsat), acaba de completar 36 anos. É um recorde absoluto para um só programa, numa só emissora, com um só apresentador, José Paulo de Andrade (na verdade, Zé Paulo é o segundo apresentador: o primeiro foi Gióia Jr., que ficou uma semana no ar. E Zé Paulo está no Pulo do Gato da segunda semana de abril de 1973 até hoje).


Zé Paulo é um caso à parte: quando este colunista dirigiu o telejornalismo da Rede Bandeirantes, na época da tevê a lenha, constatou que as pesquisas indicavam José Paulo de Andrade como ‘a cara do jornalismo da Bandeirantes’, um caso de empatia total entre apresentador e telespectador. Esta ligação tem a mesma força no rádio: o ouvinte gosta do José Paulo de Andrade, confia nele, quer que ele seja seu porta-voz.


Assim que o gato mia, às seis da manhã, começam as informações sobre tempo, trânsito, imposto de renda, aeroportos, estradas, rodízio; há um bom resumo do noticiário do dia; e um canhão em defesa do consumidor, o ‘Boca no Trombone’, terror das empresas que não respeitam seus clientes.


Ficar no ar 36 anos consecutivos não é para qualquer um. Parabéns!


 


Preste atenção


Augusto Nunes, que já dirigiu o Estado de S.Paulo, Zero Hora e o Jornal do Brasil, que foi secretário de Redação de Veja, que nas palavras de José Nêumanne Pinto ‘foi abençoado com o dom da escrita’, está de volta. Na segunda-feira que vem, estréia no Veja.com seu blog, a Coluna do Augusto Nunes, com análise política, bastidores, comentários e muito espaço para a ação dos internautas. Deve dar samba.


 


Denso, mas agradável


Vale a pena fazer uma incursão pelo livro Ética, Jornalismo e Nova Mídia – uma moral provisória, de Caio Túlio Costa. Ex-secretário de Redação e ombudsman da Folha de S.Paulo, ex-diretor do UOL e do iG, Caio Túlio estuda o jornalismo antigo e o novo sob o ponto de vista da moralidade. É sua tese de doutorado, não uma obra literária; tem, portanto, uma série de obstáculos à leitura amena. Mas é muito bem escrito e defende idéias que vão provocar grande discussão, entre elas a de que, embora tenha mudado a forma de fazê-lo, o jornalismo não mudou. É leitura importante; e os jornalistas não devem perdê-la. Editora Zahar, R$ 39,90. [Veja a introdução do livro aqui e uma resenha, aqui.]


 


Como é mesmo?


De um grande portal noticioso:


** ‘Semifinais da Superliga Duelo de campeãs olímpicas tem Mari (e) ofuscada e Paula baleada’


Em especial, este colunista gostou do nome da moça: Mari (e).


 


E eu com isso?


Más notícias, azia, gastrite, pressão alta, dor de cabeça? Não, não precisa tomar remédios (nem é preciso, como aquela altíssima autoridade boa-pinta, deixar de ler jornais). Dedique uma parte do seu tempo àquelas coisas mais amenas; notícias, digamos, mais meiguinhas. Como estas:


** ‘Famosas revelam esquisitices na gravidez’


** ‘Luma de Oliveira protagoniza cenas quentes no mar’


** ‘Sylvester Stallone sai de carro pelo Rio de Janeiro’


** ‘Pintinhos de 5 dias sabem somar, dizem cientistas italianos’


Talvez esta notícia contenha algum engano. Quem conta não são eles, são seus donos, que não aguentam ficar sem contar.


 


O grande título


A concorrência é feroz. Há bons exemplares do gênero misterioso:


** ‘Crianças desaparecidas recebem ajuda de crianças prevenidas’


** ‘Passado da internet ganha aliado poderoso para pesquisa’


Há inovações biológicas das mais interessantes:


** ‘Filhote de beija-flor se instala em casa e ganha alimento na boca em São Carlos, SP’


Este colunista, veja só!, é do tempo em que boca de passarinho se chamava bico.


Há aqueles títulos que não cabiam e entraram assim mesmo:


** ‘Ronaldo supera primeiro susto – Divida forte mostra que seu joelho está 100%’


** ‘Sequestrador de Nova York está morto, reféns…’


O título acima saiu no mesmo portal, no mesmo dia, em outra versão, que também não cabia:


** ‘Sequestrador de Nova York está morto, reféns foram…’


No dia seguinte, quem sabe? Talvez dê até para publicar o título inteiro.


Há títulos esquisitos, talvez com erros:


** ‘Sérvia passa por cirurgia após fazer sexo com pinha’


Deve ser tradução errada. Em alguns estados brasileiros, a pinha é também chamada de fruta do conde. Mude o nome da pinha: a frase não ganha mais sentido?


E há o melhor título de todos, também envolvendo o astro do momento, o Fenômeno corintiano:


** ‘Revista `VIP´ procura modelo que teria passado noite com Ronald’


Ronald é o filho de Ronaldo com Milene, e tem 7 anos. Se já está passando a noite com modelos, ele é que o Fenômeno.

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados