Parlamentares do partido governista e da oposição partilham uma prática controversa: a de destinar dinheiro do orçamento federal para organizações não-governamentais, instituições de ensino, empresas e associações comunitárias onde suas esposas, filhos e parentes próximos exercem atividade remunerada como funcionários, lobistas ou dirigentes. A revelação foi feita depois que jornalistas examinaram detalhadamente documentos do Congresso que registram valores “marcados” por parlamentares para destinação específica.
A investigação jornalística cobriu um período de dez anos, nos quais também se descobriu que 50 congressistas ajudaram a direcionar verbas públicas para melhorar cidades e bairros onde possuem residência ou interesses comerciais.
Um senador foi relacionado à liberação uma verba vultosa destinada à recuperação urbana do bairro onde fica um imóvel comercial de sua propriedade. Outro parlamentar usou dinheiro público para mandar recuperar a praia perto de sua casa de veraneio e outro providenciou a verba para construir uma ciclovia a poucos passos de sua residência particular.
Conhecimento público
A mistura entre projetos públicos para atender interesses privados tem sido muito discutida entre os legisladores, mas a preocupação principal dos sistemas de controle se refere ao favorecimento dos doadores de campanhas eleitorais.
O direcionamento de frações orçamentárias para projetos de interesse direto dos parlamentares não costuma chamar a atenção da imprensa ou dos órgãos de controle. No entanto, não se trata de prática ilegal: pelas regras internas de funcionamento do Legislativo, tais iniciativas são legais e feitas abertamente.
O que ocorre, segundo a reportagem, é que os valores específicos, relativamente pequenos em relação aos grandes volumes do orçamento federal, acabam dissimulados nas prestações de contas, porque os congressistas não são obrigados a informar onde possuem seus imóveis, os locais onde têm interesse particular, nem os empregos e atividades de suas esposas, filhos e parentes próximos.
Além disso, eles podem abrigar seus patrimônios sob os nomes de empresas administradoras, cujos controladores não precisam obrigatoriamente ser de conhecimento público. Sob o manto de sociedades anônimas podem ser dissimulados muitos interesses particulares.
Direito de defesa
A revelação poderia ser acrescentada ao extenso rol das falcatruas creditadas a deputados e senadores no Brasil. Acontece que essa reportagem foi publicada na quarta-feira (8/2) pelo jornal americano The Washington Post em sua edição digital, e se refere ao Congresso dos Estados Unidos.
Segundo o jornal, essa revelação vem a público num momento delicado para os parlamentares americanos: uma nova pesquisa realizada pelo Post indica que o Congresso dos Estados Unidos tem a aprovação de apenas 13% dos entrevistados – um dos índices mais baixos de sua história.
A reportagem também revela que as notícias sobre desvios de conduta de parlamentares, ainda que abrigadas sob as falhas da lei, têm estimulado debates sobre os sistemas de controle das verbas sob responsabilidade direta e individual dos congressistas.
O longo texto, contendo detalhes sobre alguns dos casos mais evidentes de autofavorecimento, é ilustrado por infográficos nos quais são identificados os autores das emendas, os lugares favorecidos e a coincidência das obras com seus interesses particulares. O leitor também pode se informar por meio de vídeos panorâmicos mostrando alguns desses lugares. Além disso, tem acesso a uma galeria com fotografias, nomes e perfis de cinquenta congressistas republicanos e democratas que destinaram verbas públicas para interesses privados.
Como exemplo, pode-se notar que a deputada Nancy Pelosi, líder do Partido Republicano, ajudou a direcionar US$ 50 milhões para um projeto de transporte público em São Francisco, na Califórnia, promovendo diretamente a valorização de um edifício comercial de propriedade de seu marido. O quadro inclui, logo abaixo da denúncia, a defesa oficial de cada parlamentar acusado.
O leitor brasileiro, habituado a reportagens escandalosas, parciais e pouco abrangentes sobre desvios de dinheiro público no Brasil, certamente ficaria surpreso com o cuidado do trabalho apresentado pelo Washington Post. Sem pressa e com a cautela de ouvir detalhadamente as justificativas de cada um dos acusados, o jornal provocou movimentações no Congresso americano, que discute formas de melhorar o controle do orçamento, por seu mero interesse no assunto, ainda antes de publicada a reportagem.
Jornalistas brasileiros que tenham vontade de conhecer como se faz uma investigação desse tipo podem encontrar o texto em inglês, em cinco capítulos, mais anexos, fotografias e vídeos, no site do jornal.