Muito foi dito na imprensa americana sobre ondas de violência que se espalharam por Nova Orleans durante e logo após a passagem do furacão Katrina. Na ocasião, veículos de comunicação se apoiaram em relatos de testemunhas – ou pessoas que alegavam ser testemunhas – de fatos horríveis como assaltos, brigas de gangues, estupros e assassinatos, principalmente dentro do estádio Superdome, que acolheu milhares de desabrigados. Em entrevista á apresentadora Oprah Winfrey, em rede nacional, o chefe de polícia da cidade falou em estupro de bebês, e o prefeito comentou sobre famílias que passaram dias dentro do estádio diante de pilhas de corpos, assistindo a bárbaros armados assassinarem e estuprarem pessoas indefesas.
Um mês após a passagem do Katrina, com a situação mais calma, uma série de matérias jornalísticas chamou a atenção do público durante a semana passada, afirma o ombudsman do Washington Post, Michael Getler [2/10/05]. Começou com o diário de Nova Orleans Times-Picayune, na segunda-feira (26/9): ‘Com a névoa do clima de guerra que ficou após a passagem do furacão Katrina dissipada, muitas informações sobre atrocidades cometidas por sobreviventes revelaram-se falsas, ou, pelo menos, de acordo com oficiais militares, médicos e civis em posição de saber, não há evidências que as comprovem.’
No dia seguinte, foi a vez do Los Angeles Times publicar manchete sobre o assunto. Na quinta-feira (29/9), a primeira página do New York Times sentenciava: ‘Medo excedeu realidade de crimes em Nova Orleans’. Segundo o conservador Washington Times: ‘Mídia, envergonhada, revê o Katrina‘. Getler diz que, até o fim da semana passada, o Post ainda não havia abordado a questão.
O ombudsman diz que há um artifício jornalístico que é informativo, preciso e seguro, mas não costuma ser usado. Deveria, neste caso de Nova Orleans. ‘É uma frase simples que diz: ‘Este dado não pôde ser verificado de maneira independente.’’
Despedida
Getler aproveita a coluna desta semana para começar a se despedir dos leitores – ele acredita que ainda publicará mais um texto na próxima semana, com observações pessoais. ‘Fiquei neste cargo por mais tempo do que antecipei quando o assumi em novembro de 2000’, diz. Sua sucessora é Deborah Howell, ex-chefe da sucursal de Washington da Newhouse News Service.
‘Hoje eu quero fazer duas coisas’, diz Getler. ‘Agradecer aos leitores do Post que me ajudaram a escrever cerca de 230 colunas de domingo e agradecer ao Post por continuar a tradição de um ombudsman independente há 35 anos.’
Ele conta que cada coluna aborda de uma a seis questões levantadas por leitores e, às vezes, por ele próprio. Além disso, foram distribuídos 230 memorandos internos semanais à equipe do jornal, cada um com 10 a 30 observações de leitores sobre outros assuntos. Isso significa que, em cinco anos, aproximadamente cinco mil comentários, críticas e elogios foram encaminhados às cerca de 700 pessoas que produzem o jornal.
‘Ombudsmans não têm autoridade. Eles não podem forçar o jornal a fazer nada. O que podemos fazer, como escreveu certa vez Richard Harwood, o primeiro ombudsman do Post, é fazer com que editores e repórteres pensem sobre o que fazem. É muito difícil medir se isso tem algum impacto real. O Post é um bom jornal. É também um importante jornal. Para continuar forte, precisa ser desafiado por leitores que demandam e valorizam reportagens objetivas, análises profundas e justas e altos padrões jornalísticos que garantem confiança naquilo que é reportado’, conclui Getler.