Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os muitos prós dos Jogos Pan-americanos

Há umas três semanas, o jornalista Anderson Gurgel telefonou-me para fazer perguntas sobre os Jogos Pan-americanos. Ele trabalhava numa matéria para a revista Forbes, alguém o avisou que eu estava terminando um grande livro sobre os Pan-americanos e então ele ligou não só atrás de informações, mas de minha opinião sobre alguns aspectos dos Jogos.

Por ele, soube que boa parte da imprensa tem diminuído a importância da competição, chegando a defini-la como uma ‘Olimpíada de terceira categoria’. Isso não me surpreendeu, mas me decepcionou.

Aprofundar-se nos fatos dá trabalho e custa tempo – eu que o diga! –, mas deveria ser atitude obrigatória para qualquer formador de opinião antes de arvorar-se a veredictos sobre quaisquer assuntos, ainda mais no caso de um evento com 56 anos de vida que já revelou mais de uma centena de deuses olímpicos e tem tanta história bonita e emocionante a ser contada. Não, positivamente os Jogos Pan-americanos não são uma competição qualquer. Ao contrário: trata-se da segunda maior competição poliesportiva do planeta e cresce a cada edição, a ponto de reunir 42 países e 5.500 atletas no Rio de Janeiro.

A cada edição de um Pan, heróis da América se credenciam a deuses do esporte. Isso ocorre desde a estréia, em 1951, quando Adhemar Ferreira da Silva (salto triplo) e Robert Richards (salto com vara) fizeram de Buenos Aires o prenúncio de suas conquistas na Olimpíada de Helsinque, no ano seguinte. Computando-se apenas modalidades individuais, cerca de 200 astros e estrelas do esporte já participaram dos Jogos Pan-americanos.

Nível cada vez mais alto

Alguns dos mais conhecidos são: Cassius Clay (1959), Mark Spitz (1967), Carl Lewis (1987), Adhemar Ferreira da Silva (1951/55/59), Al Oerter (1959), Bob Beamon (1967), Bruce Jenner (1975), Evander Holyfield (1983), Evelyn Ashford (1979), Felix Savon (1987/91/95), Frank Shorter (1971), Greg Louganis (1979/83), Jackie Joyner-Kersee (1987), Javier Sotomayor (1987/91/95/99), João Carlos de Oliveira (1975/79), Joaquim Cruz (1987/95), Sugar Ray Leonard (1975), Teófilo Stevenson (1975/79), Robert Scheidt (1991/95/99), Maria Esther Bueno (1955/63), Althea Gibson (1959), Aurélio Miguel (1987), Nélson Pessoa (1967)…

Se forem computados também os destaques dos esportes coletivos, a lista dobra, pois teríamos campeões olímpicos e/ou famosos profissionais do futebol, basquete, vôlei, beisebol… Carlos Alberto Torres, Jairzinho e Gérson, que em 1970 formaram a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos, sete anos antes foram campeões do Pan de São Paulo. E o maior jogador de basquete da história, Michael Jordan, ajudou os Estados Unidos a ganhar o ouro do Pan de Caracas, em 1983.

Há oscilações ao longo da história, mas a grosso modo pode-se dizer que a cada Pan-americano o nível técnico da competição se eleva. Quem tivesse o cuidado de comparar os resultados do Pan de Santo Domingo, em 2003, com a Olimpíada de Atenas, em 2004, constataria que uma parcela respeitável dos atletas que subiram no pódio na República Dominicana, repetiram a proeza na Grécia.

Em Atenas, todas as nove medalhas de ouro cubanas foram conquistadas por quem participou dos Jogos de Santo Domingo. Foram elas: Osleidys Menendez, lançamento do dardo; Yumileide Cumba, arremesso do peso; Yandro Miguel Quintana, luta livre, peso galo, e os pugilistas Guillermo Rigondeaux, peso galo; Yan Bartelemy Varela, mosca-ligeiro; Yuriorkis Gamboa Toledano, mosca; Mario César Kindelan, leve, e Odlanier Solis Fonte, pesado. A nona medalha veio da equipe de beisebol.

Dos Estados Unidos, a atleta Joanna Hayes (100 metros com barreiras), o lutador de taekwondo Steven Lopez e o barco oito com timoneiro bisaram em Atenas a vitória que obtiveram em Santo Domingo. O mesmo aconteceu com o dominicano Felix Sanchez, rei dos 400 metros com barreiras, e o brasileiro Robert Scheidt, soberano da classe Laser.

Tempo, paciência e análise

Outros dois norte-americanos ganharam em Atenas o ouro que não conseguiram em Santo Domingo: Gary Hall Junior havia perdido a final dos 50 metros nado livre para o brasileiro Fernando Scherer no Pan de 2003, ficando com a medalha de prata, enquanto Cael Anderson, da categoria peso médio da luta livre, tinha sido apenas medalha de bronze no Pan.

Se estendermos as comparações a medalhas de prata e bronze, então o copydesk do site vai ter de cortar metade do texto. Isso sem falar em recordes mundiais, dois deles estabelecidos por saltadores de triplo do Brasil: Adhemar Ferreira da Silva em 1955 e João Carlos de Oliveira em 1975, ambos no México. Só na natação de Winnipeg/1967, que contou com a presença do fenômeno Mark Spitz, foram batidos 14 recordes mundiais.

É óbvio que a Olimpíada, por reunir os melhores atletas do planeta, tem, obrigatoriamente, de ter um nível mais elevado. Porém, há campeões olímpicos, como o cubano Alberto Juantorena (400 e 800 metros em Montreal), que tentaram e não conseguiram ganhar uma medalha de ouro em Pan-americanos, enquanto atletas que passaram despercebidos no Pan acabaram vencendo a Olimpíada – caso do norte-americano Bob Beamon, prata em Winnipeg/1967, ouro e recorde mundial no salto triplo na Olimpíada do México/1968.

Chega a ser curioso descobrir, entre os medalhistas pan-americanos de prata e bronze, aqueles que na Olimpíada seguinte se tornaram deuses do esporte. Claro que para isso é preciso tempo, paciência e uma análise mais apurada dos resultados, e isso poucos querem fazer. O mais fácil é seguir o rebanho e afirmar que o Pan-americano pouco vale e que ‘os países enviam suas segundas equipes’ à competição, o que é uma grande mentira.

No mínimo 80% dos melhores

Cuba, que pode ser considerada uma potência do esporte, inscreve seus melhores atletas. Assim como Brasil, México, Argentina, Colômbia, Venezuela… Das 42 modalidades que compõem o calendário do Pan, os Estados Unidos são o único país que pode se dar ao luxo de ser representado em algumas por atletas que não seriam os titulares. Mas é importante frisar que os norte-americanos dominam também as Olimpíadas e que mesmo o seu segundo time estaria entre os mais poderosos da Terra.

Os Estados Unidos costumam inscrever atletas jovens, principalmente na natação e no atletismo, mas isso está longe de querer dizer que são atletas inferiores. Que se espere até a próxima Olimpíada para se ter certeza de seu potencial. Muitos estarão surpreendendo o mundo, como a história tem mostrado.

Li que um dirigente do Canadá desdenhou da possibilidade de seu país ser ultrapassado pelo Brasil no quadro de medalhas, perdendo finalmente o terceiro lugar que mantém desde 1967. Porém, tenho certeza de que o comitê olímpico canadense gostaria de reunir seus melhores atletas. Acontece que sua equipe de natação deve seguir outro calendário de competições, priorizando o Campeonato Mundial.

Competição que se basta

Esse problema – brigar com o calendário de cada modalidade e com o crescente profissionalismo no esporte – não é só do Pan, mas também dos Jogos Olímpicos, que, não conseguem agregar os melhores atletas do mundo em várias modalidades, como futebol, basquete, beisebol, tênis, boxe. Sem contar que não inclui em seu programa um dos esportes mais praticados no mundo, que é o rugby.

Portanto, que não se venha com preciosismos e comparações esdrúxulas. A Olimpíada é a Olimpíada, com sua importância ímpar. Ela reúne a força da Europa desenvolvida, a velocidade da África, a disciplina da Ásia, a versatilidade das Américas e da Oceania. Ela tem a obrigação de ser o sonho final de todo atleta de altíssimo nível. Mas nem por isso ela torna obsoletos os Jogos Pan-americanos.

Por sua história, pelo que representam para a grande maioria de seus participantes, os Jogos Pan-americanos têm uma importância única – e por isso são imprescindíveis. Pode-se dizer que a competição já faz parte da cadeia ecológica global do esporte. Sem ela haveria um desequilíbrio esportivo no mundo e as diferenças se acentuariam. Talvez o Pan seja apenas um degrau importante para atletas de um ou outro país, mas para todos os outros é o último degrau, o máximo do sonho.

Para dezenas de países, para milhares de atletas e para milhões de aficionados, o Pan-americano é a verdadeira Olimpíada, a Olimpíada real e viável. Olhe o quadro de medalhas e perceba que países como Paraguai e Bolívia jamais conseguiram ao menos uma medalha de ouro pan-americana. Para seus atletas, a Olimpíada das Américas é a única palpável.

Mas o Pan não serve apenas aos sonhos de esforçados coadjuvantes. O norte-americano Steve Prefontaine, ídolo de uma geração, atleta que revolucionou o estilo de correr provas longas – e que morreu aos 24 anos, vítima de um acidente automobilístico –, jamais conseguiu uma medalha olímpica. Apesar de bater vários recordes mundiais, uma de suas mais importantes vitórias internacionais aconteceu nos 5.000 metros do Pan de Cali/1971 (a vida de Prefontaine foi contada no filme Um nome sem limites, de 1996, nas locadoras).

Finalmente, não acredito no descaso dos Estados Unidos com relação ao Pan. O que acontece é que sabem administrar muito bem a liderança. Nem sempre foi assim. Depois de perder para a Argentina na primeira edição dos Jogos, em Buenos Aires, o país se mobilizou para ajudar na preparação dos atletas. A bela atriz Grace Kelly, filha do remador campeão olímpico John B. Kelly e irmã do remador John B. Kelly Jr., que participaria do Pan de 1955, no México, liderou uma campanha nacional para arrecadar fundos para o então pobre comitê olímpico norte-americano.

Grace convenceu os produtores do filme The country girl, no qual ela era a estrela, a doar a renda da estréia para os bravos atletas ianques. E assim, amparados pelo patriotismo de uma nação, os Estados Unidos iniciaram a hegemonia esportiva no continente que prossegue até hoje – e que só foi interrompida por Cuba nos Jogos Pan-americanos de 1991, em Havana.

Pontos positivos

O jornalista Anderson Rangel, da Forbes, queria saber se em outros Pans também houve atraso de obras e orçamentos estourados, como no Rio. Sim, houve. Infelizmente, é algo comum. Acredito que seja mais por má organização do que por má intenção, mas por via das dúvidas é bom contar com uma auditoria para acompanhar estes eventos. Não que eu não confie em dirigentes esportivos cariocas, mas…

Agora, algumas coisas, positivas, são certas:

** O Pan colocará o Brasil – a história prova – em um outro patamar esportivo, a caminho de ser o que muitos, como eu, sonham, que é o de se tornar uma potência olímpica.

** O número de praticantes de esporte no país crescerá a curto, médio e longo prazos.

** Está provado que a prática esportiva afasta o jovem da criminalidade. Neste aspecto, estou certo de que um evento como este salva muitas vidas.

** Está provado que a prática esportiva melhora a saúde e aumenta a expectativa de vida. E uma competição como esta, com a repercussão que terá, estimulará as pessoas a mexer o esqueleto.

** Especialistas em marketing afirmam que o mercado esportivo é o que mais crescerá neste início de milênio. O Pan pode acelerar esse processo no Brasil. Isso implica mais projetos, patrocínios, emprego.

** Muitas modalidades, hoje praticamente desconhecidas, terão uma grande chance de dar um salto de popularidade, engordando esse mercado esportivo.

** Sorrir é melhor do que chorar, e o Pan é uma Olimpíada que dá muitas medalhas de ouro ao Brasil. Não se compete com o mundo todo, mas se compete com grandes rivais, entre eles a Argentina, a qual, no cômputo geral de medalhas, ainda está bem à frente do Brasil. Na soma de todos os Pans, o Brasil está em quinto, 60 medalhas de ouro atrás da Argentina. Ainda não será desta vez que dará para fazer a ultrapassagem. Mas ao menos o terceiro lugar está no papo, para dor-de-cotovelo do Canadá.

Ficou interessado? Pois há muito, muito mais informações, além de lindas fotos, nas 400 páginas de Heróis da América, a história completa dos Jogos Pan-americanos, livro a ser lançado no começo de abril pela Editora Planeta.

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Jornalista e escritor