Editorial publicado no Estado de S. Paulo na edição de segunda-feira (12/3) trata de proposta para transformar a Fundação Padre Anchieta, pessoa jurídica de direito privado, em entidade pública submetida diretamente à gestão do Estado (ver “A TV Cultura ameaçada”).
Na mesma segunda-feira, a Folha de S. Paulo publica reportagem sobre consulta a telespectadores sobre a qualidade do programa produzido pelo jornal e transmitido pela TV Culturano domingo (11), informando que a aprovação do público superou a média do horário. A pesquisa foi feita ao vivo, com os convidados assistindo o programa tendo um controle remoto na mão e monitorados por colaboradores do Datafolha. (O programa pode ser visto aqui).
Pode-se questionar a validade dessa sondagem, que ouviu apenas 60 pessoas, o que não representa uma amostragem suficiente para justificar a afirmação de que houve uma mudança na qualidade da programação no horário específico. Pode-se questionar também se uma fundação, ainda que de direito privado, mantida com dinheiro público, deveria ter esse tipo de associação com empresas particulares sem um critério transparente de escolha sobre quais delas terão o privilégio de usar esse espaço para veicular suas mensagens.
Ameaça permanente
Além da Folha, que se apropriou do horário nobre de domingo, quando faltam alternativas qualificadas de entretenimento na TV aberta, também a revista Veja terá seu espaço na emissora, às terças-feiras. Já foi anunciado que o Estado de S.Paulo terá direito a seu quinhão de exibição na TV Cultura.
Por que não estender essa possibilidade a todos os órgãos de imprensa paulista? Por que excluir os portais de internet, por exemplo?
Assim, parece que se fecha certo círculo de interesses que tem como eixo a emissora educativa mantida pelo governo paulista, o que tem grande potencial para gerar controvérsias, principalmente num ano eleitoral em que se considera a possibilidade da quebra de uma hegemonia de quase duas décadas do mesmo grupo político no poder municipal e no comando do Estado.
O editorial do Estadão alertando para o “risco” de a Fundação Padre Anchieta vir a se tornar uma entidade estatal, levanta justamente a constante ameaça de a estrutura de comunicação se transformar em órgão de propaganda político-partidária.
Essa é uma ameaça permanente, que apenas não se consolida porque o Conselho Curador da Fundação tem tradicionalmente se mantido fiel ao seu papel de resguardar a programação dentro dos parâmetros definidos como funções da emissora.
Cracolândia e Pinheirinho
Durante o governo de José Serra, uma série de mudanças na grade produziu um confronto entre o então diretor-presidente Paulo Markun e integrantes do Conselho, que acabou resultando em sua substituição pelo economista João Sayad.
Jornalistas que trabalharam na emissora comentam que as pressões sobre os editores aumentam durante as campanhas eleitorais. A gestão de Sayad tem se caracterizado pelos cortes de funcionários e redução da capacidade de produção da emissora.
A parceria com empresas jornalísticas privadas tem como vantagens anunciadas a terceirização da programação sem custo para a Fundação Padre Anchieta. Como vantagem adicional, vem junto a cumplicidade da imprensa tradicional de São Paulo, que evidentemente fica com as mãos menos livres para fiscalizar o funcionamento da instituição.
Quanto à possibilidade de a emissora educativa passar a veicular programas mais ou menos ao gosto dos atuais detentores do poder político no Estado, trata-se de observar o trabalho que fazem na mídia impressa seus novos parceiros.
No primeiro programa da Folha, as reportagens sobre a desocupação da Cracolândia e sobre o estado das caçambas na cidade de São Paulo foram bastante críticas, restando pouco espaço para qualquer afirmação de engajamento nos interesses eleitorais do prefeito Gilberto Kassab.
Da mesma forma, pode-se dizer que a entrevista com o especulador Naji Nahas, reproduzida também no jornal de papel, ajuda o telespectador a observar diretamente a personalidade do homem cujos interesses definiram a desocupação, por forças do Estado, do imóvel conhecido como Pinheirinho, em São José dos Campos.
A Folha parecia estar testando a tolerância do governo paulista e da emissora, mas essa primeira incursão da imprensa tradicional nas ondas da TV Cultura nãofoi suficiente para definir quem realmente ganha com o negócio.