Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os partidos políticos e o controle da imprensa

Os meios de comunicação portugueses reagiram com firmeza contra a tentativa dos três maiores partidos políticos do país (PSD, CDS/PP e PS) de censurar a cobertura das campanhas políticas no país. Jornais, estações de rádio e TV uniram-se em um mutirão anticensura contra o projeto de lei que impõe a cada canal da mídia um “projeto de cobertura” para cada eleição. E o atrevimento dos políticos não para por aí.

O Partido Social-Democrata, o Partido do Centro Democrático e Popular e o Partido Socialista tentam aprovar uma lei que fere de morte a liberdade de expressão em terras lusitanas. Imaginem os senhores e senhoras as consequências da aprovação deste funesto projeto para a imprensa e para a vida política daquele país. O diário carioca O Globo (25/4, pág. 30) publicou uma reportagem de página inteira e incluiu um breve resumo das diretrizes do projeto de lei:

“Segundo a proposta, a cobertura da imprensa nas eleições legislativas e presidenciais seria controlada por uma comissão mista composta por membros do Conselho Eleitoral e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), alguns designados pelos próprios partidos majoritários. Jornais, revistas, rádios, TVs e até sites teriam que apresentar antes mesmo da pré-campanha um plano de como planejam cobri-la.”

E mais: matérias de opinião não poderiam ter mais espaço editorial que as notícias, órgãos da imprensa não poderiam mais criticar um só partido e deveria ser reservado espaço especial para os principais partidos. A multa pelo descumprimento da lei poderia alcançar 50 mil euros (R$ 160.500,00 em 26/5), informou o jornal. O absurdo da proposta foi demais para a mídia lusitana.

“Interferência abusiva na liberdade”

A reação dos meios de comunicação foi rápida e contundente. Um boicote está a ser estudado pelos principais jornais, revistas e outros canais da mídia lusitana. Na sexta-feira (24/4), o Diário de Notícias publicou o “comunicado conjunto de duas dezenas de diretores de jornais, rádio e televisões”, indignados com a ousadia da proposta que investe contra a liberdade de expressão: “O direito a informar dos jornalistas e o direito de os cidadãos serem informados não podem ser condicionados nem limitados pelo poder político”, lê-se no documento. “Este projeto de lei representa, em suma, uma ingerência inaceitável e perigosa do poder político na liberdade editorial, que repudiamos como profissionais e como cidadãos”, acrescenta.

O disparate dos maiores partidos políticos portugueses levou a uma reação furiosa dos meios de comunicação portugueses, que prometeram uma guerra sem quartel ao projeto de censura a ser proposto. O presidente do órgão regulador da mídia portuguesa (ERC), Carlos Magno Castanheira, enviou nota ao Globo prometendo renunciar se a lei for aprovada. A mídia portuguesa, como quase toda a mídia europeia, é regulada. Em Portugal, a autoridade reguladora da mídia começou a atuar em 2006, sucedendo ao órgão anterior de regulação dos meios de comunicação (a AACS) e tem como objetivo supervisionar todos os canais da mídia, independente do suporte ou plataforma utilizada por qualquer veículo de comunicação: jornal, revista, TV, rádio ou internet. Regulação não é censura. Ao contrário, é pré-requisito para uma imprensa realmente livre.

No país de Camões, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva a regulação dos meios de comunicação “procura encaminhar as questões e litígios de imprensa buscando a autorregulação do mercado”, explicou José Viegas. Poderia ser um bom caminho para ser seguido, com as devidas modificações e ajustes, pelo governo brasileiro. Mas aqui, infelizmente, além de não haver clima político para a discussão do assunto, a cada dia que passa os políticos aprofundam mais e mais entre a população a ideia da regulação como uma forma de censura de conteúdos. Eles não descobriram ainda que não há mídia sem regulação. Onde não há regulação estatutária ou autorregulação, prevalece e regulação dos oligopólios da mídia.

A reportagem de página inteira, escrita por Breno Salvador, foi uma peça de jornalismo bastante completa. Ao lado da matéria principal, o autor incluiu uma entrevista com Francisco José Viegas, ex-secretário de Cultura português. O entrevistado acredita que a interferência dos maiores partidos políticos na mídia nada mais é do que uma “interferência abusiva dos políticos em cima de algo que compreendemos como liberdade. Trata-se de uma instrumentalização absurda, ao colocar prazos e obrigando os veículos de comunicação a cercearem seu próprio conteúdo para atender a demanda de uma comissão fechada”.

Regulação como forma de controle

Viegas também é jornalista. Já trabalhou no Diário de Notícias e no Expresso, informou o Globo. E disse que “nunca viu um episódio de tentativa de controle da imprensa com esta magnitude”.

A reação da imprensa foi tão forte que deixou os propositores da lei de controle da mídia envergonhados. “É só um documento de trabalho ainda não formalizado num projeto de lei”, alegaram os defensores da censura das campanhas políticas. O mais curioso, entretanto, foi a postura do Partido Socialista – “o único a assumir envolvimento com o projeto”, de acordo com o Globo. A deputada Inês de Medeiros “afirmou que o modelo já existe em outros países”. Isso basta para que partidos políticos de agora em diante passem a controlar as coberturas das campanhas políticas do país?

Nem todos no Partido Socialista concordam com a deputada. O secretário-geral do partido, António Costa, é totalmente contra o projeto e garantiu que “não aprovará a medida”. A imprensa também não gostou da proposta. Paula Sá, editora de política do Diário de Notícias, analisou a inusitada situação:

“É um caso curioso a se viver como jornalista. A própria entidade reguladora não foi consultada e faz parte da comissão. É um pouco esquizofrênico. Mas creio que as pessoas terão o bom senso de se preservar a liberdade de comunicação.”

A lei, caso seja apresentada como tal ao parlamento, tem tudo para não ser aprovada: é absurda, inconstitucional, e visa sem nenhum pudor beneficiar os maiores partidos políticos de Portugal. Mas serve para ilustrar muito bem como o mundo da política sempre que pode tenta estender sua influência sobre os meios de comunicação. E isso é péssimo, porque acaba por reforçar a ideia de regulação como forma de controle ou censura da mídia exercida pelo Estado.

Postura do TSE ajudou a defesa da Veja

Em nosso país, não há órgão regulador de mídia e o Estado censura campanhas políticas. Janio de Freitas denunciou na Folha de S.Paulo (19/10) a censura aplicada pelo TSE à campanha do PT no segundo turno em 2014. Foram duas medidas que o tribunal não tem o poder de impor sobre nenhum partido político ou candidato, sob pena de ir além de sua competência. As duas atenderam ao pedido do então candidato Aécio Neves.

A primeira delas, explicou Janio, proibia a reprodução de reportagens de imprensa em programas de propaganda eleitoral. Segundo o jornalista (e eu concordo com ele) “a proibição incide, sobre a divulgação dos artigos e reportagens. Logo, restringe a liberdade de imprensa com antecedência. O que caracteriza censura prévia”. A lógica de Janio foi irretocável.

O segundo “corretivo” aplicado à campanha do PT proibiu que entrevistados demonstrassem apoio a críticas feitas na campanha. Outro abuso: acaso um cidadão não pode concordar com críticas feitas por uma campanha eleitoral? Ele é algum incapaz, alienado ou alguém que não tem o direito de declarar suas preferências, escolhas e opções? Ele é cidadão, mas não pode manifestar sua opinião em público?

Outro caso controverso de interferência do governo na mídia envolveu a infame reportagem oportunista da Veja, publicada na véspera do dia da votação para presidente ano passado (25/11). A punição do TSE chegou tarde demais e a publicação da reportagem causou grande estrago, antes que o TSE proibisse o uso da matéria para divulgação na imprensa. De nada valeu a medida. O estrago já estava feito. A revista Veja deveria ser punida por um órgão de regulação que envolvesse membros da imprensa para que ficasse bem claro que a revista pratica mau jornalismo. Já é lugar comum e todos sabem que essa revista há muito abandonou seu compromisso com fatos concretos e comprovados.

A revista jogou sujo e antecipou sua publicação em dois dias para tentar provar (sem provas) que Dilma e Lula “sabiam de tudo” sobre os escândalos de corrupção que atingiram o PT. Foi um ato irregular de imprensa, mas o TSE não é um mediador competente para lidar com a mídia. A postura do TSE só ajudou a defesa da Veja que, mais uma vez, usou a defesa da “liberdade de expressão” para amparar seu abuso. Melhor seria estabelecer qualquer tipo de regulação de mídia que punisse firme os excessos que ela de vez em quando comete. Dentro e fora das campanhas políticas.

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Sergio da Motta Albuquerque e  é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor