Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os perigos da desinformação

Há alguns anos, minha esposa foi abordada em um grande supermercado por uma jornalista que, informando estar escrevendo um artigo para um grande jornal, perguntou o que ela fazia em uma determinada seção. Minha esposa disse que não era nada especial, simplesmente fazia compras para nossa casa.


Qual não foi o nosso espanto quando, no dia seguinte, ao recebermos o jornal, o artigo da jornalista informava: ‘As compras para a comemoração do Dia dos Pais estavam em plena expansão’. A matéria estava ilustrada com uma foto da minha esposa com uma garrafa térmica nas mãos e que, segundo a matéria, era o presente escolhido para meu sogro.


Como isso não tinha grande importância, não tomamos medidas para desmentir o relatado no jornal. Mal sabíamos que aquilo era um prenúncio do que as inverdades da imprensa podem nos afetar, às vezes de modo bem radical.


No dia 12 de novembro de 2008, eu, analista de sistemas há mais de 30 anos, trabalhando em uma empresa sediada no prédio da antiga Bolsa de Valores do Rio, na Praça XV, resolvi ir até o banco pegar algum dinheiro. Eram aproximadamente 15 horas. Saí do prédio do trabalho e me dirigi até a agência do Banco do CCBB. Entrei na sala de auto-atendimento, saquei 40 reais e saí usando a Rua Primeiro de Março para retornar ao trabalho. Quando me encontrava na calçada, em frente à agência dos Correios, ouvi vários estampidos que pareciam ser de armas de fogo, tentei me atirar ao chão, mas como havia uma senhora à minha frente, fiquei sem condições de fazer o movimento e, quando me agachava, ocorreu um descontrole e, naquele momento, pensei que tivesse tropeçado ou escorregado em alguma coisa e caí violentamente no chão.


Ajuda para ir ao hospital


Na queda ocorreu algo muito grave com meu ombro direito, meu antebraço esquerdo, minha boca e meu nariz; tudo sangrava muito. Quando houve uma trégua nos tiros, entrei na agência do correio, meu braço esquerdo sangrava muito, assim como minha boca e nariz, mas a dor insuportável estava no ombro que batera contra a parede descontroladamente.


Na agência do Correio, pedi a uma pessoa que me deixasse ir ao banheiro lavar o braço e o rosto para tentar verificar o que havia acontecido e me acalmar. No banheiro, percebi que havia um buraco enorme em meu antebraço, os dentes pareciam fora de órbita e no ombro havia ocorrido algo muito grave porque doía muito.


Quando voltei para o saguão dos Correios, procurei ajuda de alguém para que eu fosse levado a um hospital. A senhora que estava à minha frente no momento dos tiros me disse que já havia chamado o 190 e estava a caminho. Neste momento, o guarda da segurança dos Correios me informou que ele já havia pedido a policiais que passavam na rua e eles me levariam ao hospital.


Nem médico, nem enfermeira


Chegando à calçada do CCBB, uma pessoa percebeu que meu braço sangrava muito e me informou que era paramédico e iria rasgar minha camisa para imobilizar o braço e estancar a hemorragia. Depois disso, o policial militar que apontava uma arma para um indivíduo que estava deitado no chão exclamou: ‘Esse aí é o ladrão’, empurrando a cabeça do tal sujeito com os pés. Neste momento, surgiu outro policial de dentro de uma viatura com arma em punho apontada para mim e ordenou que eu entrasse no carro da polícia militar. Então, o guarda da segurança dos Correios, percebendo que o policial me tratava como um bandido ou suspeito, informou ao policial que eu era vítima, tinha levado um tiro em frente aos Correios e ele havia acionado uma viatura da Polícia Civil para me levar ao hospital.


Minutos depois cheguei ao hospital Souza Aguiar. Sentado na sala de emergência, vi chegarem duas pessoas e informarem que um era um policial que estava na ocorrência, embora não estivesse fardado, e outro, que chegou em seguida, foi anunciado como o bandido. Nesse ínterim, um dos policiais que havia me levado ao hospital pegou minha identidade para preencher o boletim de ocorrência, segundo ele. Solicitou meu endereço, telefone e algumas informações a mais e se retirou.


Algum tempo depois, alguém me entregou uma solicitação e mandou eu me dirigir ao centro de radiologia no segundo andar. No momento em que deixei a enfermaria já contava com a presença de meu filho e minha esposa. Depois de alguns minutos de espera, fui levado à radiologia e ficou constatada uma fratura no úmero do braço esquerdo. O radiologista mandou que eu fosse ao ortopedista no primeiro andar. Chegando ao Setor de Ortopedia, não havia médico ou enfermeira para me atender. Neste momento, resolvi procurar um hospital particular.


Uma estória esquisita


Saindo do hospital, pegamos um táxi e solicitamos que fosse para o hospital Quinta Dor. Fui atendido por uma equipe composta de vários médicos, foram feitas todas as radiografias necessárias, meu antebraço esquerdo foi restaurado por um cirurgião e fui enfaixado por um ortopedista. Após o atendimento, a administração do hospital me informou que havia uma equipe da Polícia Militar querendo falar comigo. Aceitei receber os policiais que me indagaram o que havia ocorrido. Narrei exatamente como foram os fatos. Algum tempo depois, outra equipe, desta feita da Polícia Civil, solicitou que eu os atendesse. Desta vez, havia uma delegada e três agentes. Fiquei curioso com a situação. Contei a eles exatamente o que ocorreu e, para meu espanto, a delegada exclamou: ‘Mas foi só isso?!’ e, virando-se perguntou a um agente, ‘Isso bate com o relato da Militar?’ E o agente: ‘Bate, sim senhora!’ Parecendo insatisfeita com a minha história, ela retirou-se do hospital com desdém.


Comecei a desconfiar de algo errado no ar.


Por volta das 21 horas, recebi alta. Peguei um táxi de volta à minha residência, assustado e feliz por não ter passado para a estatística de mortos desta cidade. Ainda dentro do táxi, meu filho recebeu uma ligação de um policial, relatando que o plantão do jornal O Dia tinha publicado uma estória esquisita a respeito do ocorrido.


A quem dar credibilidade?


Chegando em casa, meu filho entrou na internet e deparou com a seguinte reportagem:






‘Empresário é baleado em tentativa de assalto no Centro


Rio – O empresário Luís Sérgio de Abreu Cardoso, 55 anos, foi assaltado na tarde desta quarta-feira nas esquinas da Rua Primeiro de Março com a Travessa Tocantins, no Castelo, próximo à igreja da Candelária.


Ele estava acompanhado do soldado da Polícia Militar Alexandre Batista da Silva, 38, que era seu segurança particular. O PM reagiu, trocou tiros com o bandido, que estava com uma pistola calibre 357 e os três foram baleados.


Eles foram levados para o hospital Souza Aguiar, no Centro. O policial está sendo operado. Ele levou tiro no ombro direito. O empresário também estava armado e assim que a polícia chegou no local largou a arma no chão, se dizendo vítima. Ele foi baleado no ante-braço.


O leitor Diego Mayworm Gomes enviou uma foto da hora do tumulto no local, próximo a uma agência bancária.


(Com informações de Bartolomeu Brito e Maria Inez Magalhães)’


O texto acima foi retirado nesta (14/07/2009) da internet. Veja em:


http://odia.terra.com.br/rio/htm/empresario_
e_baleado_em_tentativa_de_assalto_no_centro_212447.asp


Vejam os senhores o tanto que a imprensa não se importa em trazer notícias falsas e causar transtorno à vida de um simples cidadão. Esta reportagem, assim como aquela que fizeram com minha esposa, é totalmente inverídica, os fatos são completamente outros, soubemos tudo através do boletim de ocorrência, mais tarde conseguido por meu filho, que é advogado e está movendo uma ação contra o jornal.


Por conta disso, recebi telefonemas de ‘bandidos’ fazendo ameaças e a própria polícia, provavelmente baseada na reportagem, me enviou dois convites para comparecer ao comando central para depor no caso do soldado que fazia minha segurança.


A quem recorrer para saber se podemos dar credibilidade às notícias dos jornais? Será que esta é a função do Observatório da Imprensa?


Estou até hoje afastado do meu emprego por conta do acidente, com retorno programado para setembro, mas ainda hoje a inverdade continua da mesma maneira e o jornal não se dignou nem ao menos a investigar a sucessão dos fatos. Lamentável.

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Analista de sistemas, Rio de Janeiro, RJ