Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os segredos dos juízes

 

A transparência do poder Judiciário foi o tema do Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (14/2). Em sessão histórica realizada em 2/2, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o direito de iniciar investigações contra juízes por falhas disciplinares. No ano passado, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entrara com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF questionando a resolução 135/11 do CNJ, que aumentava o controle do conselho.

Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello concedera liminar restringindo as investigações sobre magistrados às corregedorias dos tribunais estaduais. O CNJ só poderia atuar em casos de omissão dos órgãos locais. O assunto levantou debates inflamados na magistratura, com trocas de farpas entre a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, e o presidente do CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso.

A celeuma teve grande repercussão e foi acompanhada de perto pela imprensa. Dos três poderes que compõem a República, o Judiciário sempre foi o mais reservado. Enquanto a mídia expunha as mazelas do Executivo e do Legislativo, os magistrados resguardavam-se em sigilos e sessões fechadas. Desta vez, a imprensa ofereceu amplo espaço ao assunto em reportagens e editoriais que defendiam uma maior transparência do Judiciário.

Para discutir este tema, o programa recebeu no estúdio de São Paulo Wálter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, e o diretor executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo. Maierovitch fundou e preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais e foi secretário Nacional Antidrogas. Graduado em Matemática pela Universidade de São Paulo (USP), Abramo é mestre em Lógica e Filosofia da Ciência pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em Brasília, Observatório contou com a presença de Cláudio de Souza Neto, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).

A mídia perde o medo

Em editorial, Dines ressaltou que a democracia brasileira avançou em direção à sua plenitude com a decisão do Supremo, pois consagrou os princípios de isonomia e de transparência: “Foi uma vitória da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, mas foi também uma vitória da imprensa, que de forma inédita lembrou-se da antiga galhardia, venceu antigos temores e mobilizou a sociedade para enfrentar a prepotência togada”. Dines sublinhou que o CNJ não é um órgão auxiliar, simboliza o equilíbrio dos poderes.

A reportagem exibida pelo programa entrevistou advogados e jornalistas. O professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão assegurou que o nível de transparência do Poder Judiciário está determinado pela Constituição: “O princípio é de publicidade total. É o princípio da democracia”. Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa, também defendeu que o Judiciário transparente é uma garantia de que as instituições do país sejam democráticas: “O Judiciário é chamado a decidir sobre questões essenciais da vida nacional, tanto no relacionamento entre as pessoas quanto no relacionamento entre as instituições. A transparência do Judiciário é decisiva para este ideal que perseguimos há mais de trinta anos, que é a construção de uma sociedade democrática”, disse Azêdo.

Na avaliação de Eliane Cantanhêde, colunista daFolha de S.Paulo em Brasília, o Judiciário ainda é uma caixa-preta. “Hoje, qualquer deputado e senador está muito exposto, a gente sabe da vida dele inteira. No Executivo, também. Caíram sete ministros e, agora, mais um ministro. Está tudo muito transparente. Agora, no Judiciário, não. O Judiciário sempre se autoprotegeu muito e era cercado de muralhas que estão caindo e eu acho isso muito positivo”, disse a jornalista. O corporativismo entre os juízes, na avaliação de Cantanhêde, não é benéfico para o país, para a democracia e nem para os magistrados, que em sua maioria são honestos e patrióticos.

Poder encastelado

Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do Grupo Estado – que está sob censura judicial há quase três anos por conta de reportagens sobre a família Sarney – disse que o antagonismo entre imprensa e o Poder Judiciário deve ser evitado. Para o repórter da editoria de Política do jornal O Globo, Chico Otavio, o controle do Judiciário não depende apenas das instituições. “É preciso transparência, acesso à sociedade. Acho que com a Constituição de 1988 houve um avanço muito grande, mas é preciso avançar muito mais. Os tribunais ainda são muito analógicos, tudo ainda é escravo do papel. A linguagem é extremamente cifrada e as pessoas são extremamente corporativas”, criticou o jornalista.

Joaquim Falcão classificou a postura da imprensa nesse episódio como um marco histórico. “O Judiciário também tem que ser enfrentado pela imprensa. Esse é o grande movimento que eu vejo e a grande mudança”, disse o professor. Chico Otavio comentou que, em geral, os magistrados acreditam que a imprensa está sempre disposta a condenar o Judiciário e a tentar fazer o papel da Justiça, mas que isso não ocorre na prática. “A imprensa quer só informar e esse papel dela de procurar as informações, de acompanhar o andamento de um processo, de entender decisões judiciais, é uma espécie de controle social da atividade judiciária”, ressaltou o jornalista.

Para Maurício Azêdo, a relação a mídia com a magistratura tem se alterado com o passar dos anos: “O poder Judiciário tinha representação nos principais órgãos de imprensa do país e estes eram temerosos de afrontar a opinião desses luminares do Supremo Tribunal Federal. Essa etapa foi vencida agora e nós verificamos que a imprensa criou coragem e não vacila em apontar os muitos erros, falhas e crimes do poder Judiciário que podem ser sintetizados em uma frase de um magistrado de um tribunal superior que, ao vender uma sentença, proclamou: ‘a minha parte eu quero em dinheiro’”.

O que a imprensa não vê

No debate ao vivo, Dines comentou que corporativismo impede que a maioria honesta dos magistrados puna os desvios dos seus pares. Para Wálter Maierovitch, esta é uma questão cultural. O desembargador avaliou que a euforia vivida pela sociedade com a decisão do STF está sendo prejudicial porque ainda há muitos problemas do Poder Judiciário que não foram discutidos com profundidade. Um deles é o fato de o STF não estar subordinado ao poder correcional do CNJ. “O que sobra em relação aos ministros do Supremo? O impeachment? Agora, será que os membros do Congresso Nacional teriam a necessária isenção para iniciar um impeachment?”, questionou Maierovitch.

Outro ponto pouco discutido pela imprensa foi a urgência da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello. Maierovitch chamou a atenção ainda para o fato de a imprensa afirmar que o CNJ é um órgão de controle externo: “Não é. É um conselho corporativista onde a maioria são magistrados. E como é a forma de eleição, de escolha dos conselheiros? A participação popular é zero”.

Desde a Constituinte já havia a proposta de criação de um órgão externo de controle do Poder Judiciário. Cláudio de Souza Neto explicou que à época a OAB propôs que fosse criado um órgão que abrigasse não só magistrados, mas também representantes da sociedade. “Já naquela época a magistratura se mobilizou por meio das suas associações e acabou por impor a sua vontade e impedir que da nossa Constituição, no seu texto originário, constasse o Conselho Nacional de Justiça”, relembrou o representante da OAB.

Jornalistas especializados

No Brasil, de acordo com o presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, as corregedorias locais não investigavam seus pares. Assim, com a decisão do Supremo de manter os poderes do CNJ, o país deu um importante passo em direção à transparência. Um ponto positivo na atuação da imprensa é o maior preparo dos profissionais de imprensa que cobrem a esfera jurídica: “Cada vez é mais frequente que haja jornalistas especializados na matéria jurídica e na análise do funcionamento dos tribunais, e penso que este é um dado fundamental para levar à sociedade decisões importantíssimas quanto o seu Poder Judiciário”.

Claudio Weber Abramo lembrou que durante décadas comentou-se nas redações de jornais que o Poder Judiciário era uma “dívida” do jornalismo brasileiro porque a mídia não o cobria. Abramo ressaltou que nas esferas estaduais e municipais a visibilidade do poder público, em geral, é precária. Em um país descentralizado como o Brasil, este problema torna-se grave.

“Para o leitor de jornal brasileiro, e por consequência os formadores de opinião, o que acontece de relevante no Brasil acontece em Brasília. O que é ridículo, absurdo. O Brasil é um dos países mais descentralizados do mundo, existe uma enorme autonomia político-administrativa nos estados e municípios e esses estados e municípios são escassamente cobertos pela imprensa”, criticou Abramo.

Conservadorismo e corporativismo

O representante da Transparência Brasil avaliou que é natural que o Poder Judiciário seja mais fechado porque é formado por pessoas de perfil conservador. Além disso, criou-se no Brasil a cultura de que apenas os operadores do Direito poderiam observar ou criticar os magistrados, e isso acabou contribuindo para o silêncio em torno da magistratura.

Abramo observou que alguns pontos essenciais sobre o Judiciário continuam sem receber a devida atenção da imprensa, e citou como exemplo a constatação do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo de que 45% dos juízes daquele órgão deixam de entregar ao tribunal as declarações de bens anuais. “A imprensa não se deu conta de que é um assunto muito mais grave do que ‘juízes individuais não entregando as suas declarações anuais de bens’. Tem uma repercussão muito maior que é o seguinte fato: o tribunal, ao aceitar que 45% dos juízes não entreguem as suas declarações de bens, está demonstrando que não faz nada com elas”, alertou Abramo.

Dessa forma, o tribunal acaba não verificando a evolução patrimonial do seus integrantes e um caso de venda de sentença judicial pode passar despercebido. A informação foi “dada de bandeja” para a imprensa, mas os meios de comunicação não investigaram os desdobramentos da denúncia. “No que diz respeito ao Judiciário, a cobertura é geralmente muito ruim e precisa melhorar. Tem melhorado, mas tem que melhorar muito mais”, disse Abramo.

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Vitória da democracia

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 627, exibido em 14/2/2012

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu manter os poderes do Conselho Nacional de Justiça para investigar e punir magistrados, a democracia brasileira avançou decisivamente em direção à sua plenitude.

O suado placar de 6 a 5 consagrou os princípios de isonomia e de transparência que devem marcar o Estado moderno. Em princípio, acabavam os privilégios, todos os cidadãos passavam a gozar dos mesmos direitos e obrigações.

Foi uma vitória da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, mas foi também uma vitória da imprensa que, de forma inédita, lembrou-se da antiga galhardia, venceu antigos temores e mobilizou a sociedade para enfrentar a prepotência togada.

A imagem dos juízes como figuras míticas vem da Bíblia, do Velho Testamento. O juiz era o salvador da pátria, instância máxima. O Império Romano fez do juiz o administrador de Justiça, o intérprete das leis e dos códigos. Em qualquer circunstância, o magistrado encarna a ideia de probidade. Porém, se a sua atuação não pode ser permanentemente verificada, de nada serve manter a tradição.

Precisamos reconhecer que houve uma crise no Judiciário e esta crise foi superada no momento em que ficou evidente a necessidade de contrabalançar cada poder com um contrapoder. O Conselho Nacional de Justiça não é um órgão auxiliar, é o símbolo do equilíbrio dos poderes, dispositivo nuclear da democracia.

A decisão da Suprema Corte não é definitiva, pode ser revertida através de liminares, mas a tenacidade vitoriosa uma vez tem todas as condições para tornar-se um paradigma. O papel da imprensa não se esgota, os desafios doravante serão ainda maiores.

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A mídia na semana

>> O que está nos jornais é o que efetivamente aconteceu? Na dinâmica da notícia entra também o modo como a imprensa faz o registro. em Pinheirinho, Vale do Paraíba, há denúncia de abuso de autoridade dos policiais na expulsão dos sem teto que ocupavam ilegalmente uma propriedade. Não transpareceu na cobertura nos jornalões de São Paulo. Já a cobertura nacional da greve de policiais baianos foi apresentada com tal destaque que a repercussão nacional foi maior do que os efeitos locais da paralisação. O resultado da excessiva valorização da greve dos policiais baianos funcionou como um bumerangue e acabou apressando a eclosão da parede de policiais e bombeiros no estado do Rio de Janeiro que estava em gestação.

>> Vitoriosa na cruzada contra magistrados corruptos e confirmada por uma votação no Supremo, a imprensa não está dando a devida atenção às chantagens dos marajás do Senado contra os repórteres do site Congresso em Foco, que estão revelando os seus supersalários. O ex-jornalista José Sarney, chefe do Legislativo, finge que não é com ele e ninguém reclama.

>> Na Espanha, a Corte Constitucional proibiu o uso de câmeras clandestinas na cobertura televisiva. Agora o entrevistado não pode ignorar que está na presença de um jornalista. A liberdade de noticiar é ilimitada, mas a maneira de uma obter uma informação pode anular a sua validade.

>> Transparência é outra coisa, é um atributo do estado democrático. Por isso não se entende porque o jornalista-médico Luís Mir não consegue a liberação dos documentos para explicar os procedimentos médico-hospitalares que culminaram com a morte do presidente Tancredo Neves. Se não foi erro médico a sociedade precisa conhecer as provas.

>> Jornalistas incomodam, a busca da verdade incomoda, por isso tantos profissionais de imprensa são liquidados. Nesta semana mais duas vítimas: Mário Randolfo, que comandava um site de informações em Vassouras (RJ) e Paulo Rocaro, do Jornal da Praça e do site Mercosul News, em Ponta Porã (MS). O Brasil é o oitavo país mais perigoso do mundo para jornalistas.

>> Símbolo da repressão do regime militar, a morte do jornalista Vladimir Herzog foi revivida 37 anos depois pelo fotógrafo que trabalhava para os órgãos de segurança em São Paulo. Ao contar o que sabe sobre a fotografia que foi obrigado a fazer comprova-se mais uma vez que Herzog não se matou, foi morto.