Fardo que nem todos carregam com a mesma facilidade, o tempo é difícil de gerir. Passado desconhecido e um futuro vago, marcado por profecias exageradamente promissoras. Acostumado a ser eternamente jovem, com a memória zerada, o país enterrou nos arquivos os acontecimentos de cinquenta ou cinquenta e um anos atrás. Mesmo três décadas constituem um intervalo de tempo excessivo. Especialmente numa sociedade avessa às angústias e desatenta às tragédias que rondam nas esquinas.
A sexta-feira 13 de março, além de aziaga para os supersticiosos e os tementes das bruxas, nos remete ao calendário de 1964 quando o governo Jango Goulart, empolgado pelo espírito do “manda brasa, presidente”, organizou um comício-monstro em frente à gare da Central do Brasil, no Rio, para anunciar as primeiras reformas de base, por decreto, na marra. Os endiabrados Idos de Março dramatizados por Shakespeare em Júlio César estavam soltos. Dezoito dias depois, a quartelada e a sangrenta ditadura.
Exatos 21 anos depois, marcada para 15 de março de 1985, foi suspensa a posse de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil depois de cinco generais e uma junta militar. Novamente em cena, os Idos de Março não queriam festas: uma cirurgia de emergência e depois a impiedosa morte impuseram a posse do vice, José Sarney. Começava a Nova República consagrada em seguida pela Constituição Cidadã de 1988.
Luta pela democracia
Os organizadores das duas manifestações (a de sexta e a de domingo), talvez ignorando fatos, mitos e a dialética das repetições, ou talvez dispostos a enxotar de vez as crendices da nossa vida política, resolveram afrontar os fados: foram para as redes e as ruas a fim de reafirmar suas divergências diante da assombrosa enxurrada de revelações geradas pela Operação Lava Jato.
Tudo indica que o ciclo de passeatas da sexta-feira em diversas capitais não deixou sequelas. Embora sem expressar apoio incondicional ao governo do PT, os movimentos sociais foram firmes em repelir a loucura do impeachment. Condenaram a nova política econômica, defenderam a Petrobras, mas havia faixas proclamando que a corrupção só acabará com a reforma política. A militância é disciplinada, palavras de ordem são ordens para serem obedecidas.
As passeatas de domingo são uma incógnita, é real a ameaça de infiltração de provocadores de extrema direita, milicianos ligados ao crime organizado e baderneiros dispostos a produzir desordens que levem ao caos e justifiquem medidas extremas – inclusive o impeachment da presidente.
O segundo mandato de Dilma Rousseff tem sido lamentável: a vitória suada no segundo turno, a extrema virulência da campanha eleitoral, as promessas furadas, as garantias enganosas, a incapacidade de administrar a crise na Petrobras com uma imediata e rigorosa intervenção saneadora na empresa e, sobretudo, os efeitos da crise econômica estão produzindo legiões de insatisfeitos e indignados em todas as camadas sociais.
Como se sabe, a politização do mau-humor é um perigo porque passa ao largo do jogo político, da correta formulação das demandas, imune à prudência de lideranças amadurecidas na luta pela democracia. As multidões, sobretudo as ressentidas, não têm memória, compromissos. Têm instintos, apetite, voracidade. A manifestação esquecida, mas inadiável, é em defesa do Ministério Público.
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