Desentendimentos entre jornalista, nas redações, acontecem em várias partes do Brasil e do mundo. Em princípio, podem parecer questões pessoais, mas não necessariamente. Um episódio ocorrido no jornal Tribuna da Imprensa que, claro, envolve pessoas,remete a uma discussão sobre a ética profissional de quem ocupa cargos de confiança e os prepostos patronais.
Qual o papel de cada um na ‘hierarquia’ de um jornal? Em momentos de crise interna que envolve inclusive questões trabalhistas, qual deveria ser o papel do jornalista que ocupa um cargo de confiançada empresa? Estaria agindo corretamente se em um eventual acirramentoda crise tomasse partido apenas do lado do empresário, prejudicandoa maioria, não questionando o tipo de ‘ordem’ recebida? Teoricamente, o profissional que não seguisse esses preceitos, mesmo que fossem absurdos, perderia o cargo de confiança? Como deveria agir se, ao ‘cumprir ordens’, estivesse se voltando contra o coletivo?
Podem parecer perguntas difíceis de ser respondidas. No quadro atual de afunilamento do mercado de trabalho jornalístico, discussões desta natureza são, reconheça-se, incômodas. Há quem prefira passar ao largo desse debate ou então dar uma respostado gênero ‘depende de cada situação’.
Para melhor entendimento da matéria, vale uma comparação com um caso na área militar, ocorrido em 1968, no Brasil, e quecabe o mesmo questionamento: um oficial de menor patente quando recebe uma ordem de seu superior hierárquico deve cumpri-la, seja em que circunstância for? E se esta ordem for absurda? No futuro, se o oficial cumpriu a determinação sem questionamento afetando negativamente toda uma comunidade, o que poderá acontecer com eleno caso de uma mudança do quadro político? Teria o referido militar condição de não acatar a exigência,por considerá-la descabida e absurda?
Contra a impunidade
O caso envolvendo o capitão da Aeronáutica Sergio Mirandade Carvalho, o Sérgio Macaco, do Parasar, que se negou a seguiruma ordem absurda de um brigadeiro (João Paulo Burnier) que preparavaa explosão do gasômetro do Rio de Janeiro – fato que provocariagraves conseqüências à população civile seria atribuído a ‘esquerdistas’ –, enquadra-se perfeitamentenessa reflexão. Sergio Macaco não pensou duas vezes e deixoude cumprir a ordem superior, sendo por isso punido. Eram tempos de ditadura.Com o restabelecimento do processo democrático, depois de muitas marchas e contramarchas, a corajosa atitude do militar foi reconhecida pelo Estado, lamentavelmente só depois de morto – ou seja, recuperou a patente que perdera ao ser afastado dos quadros da sua corporação por ter procedido de forma correta e evitado uma tragédia de graves conseqüências.
O filme Amém, de Costa Gavras, também remete a esse tipo de discussão – no caso a história de um padre italiano que tentou, individualmente, passando por cima da hierarquia eclesial,contra tudo e contra todos, informar ao Vaticano as atrocidades que os nazistas cometiam contra judeus; e a de um oficial militar alemão que, correndo riscos, procurou fazer de tudo para levar adiante a denúncia às autoridades católicas sobre o que acontecia nos campos de concentração, mas não foi levado em conta nem reconhecido mais tarde pelas forças aliadas vitoriosas.
Todas essas ponderações, creio, devem servir de reflexão para os que hoje ocupam altos cargos em entidades ou empresas, sejam jornalísticas ou não. Em suma: pode-se servir cega e incondicionalmente a umdeterminado poder, sem questionamentos? Será que não fica cômodo dizer que a resposta neste caso fica apenas a critério da consciência de cada um?
A razão de ser dessas ponderações se deve a um fato grave ocorrido em uma pequena redação de jornal do Rio de Janeiro envolvendo o autor deste comentário. Pode ser visto, em princípio, repito, como um caso pessoal, mas, creio, na verdade não o é. Envolve pessoas e o caráter de pessoas, bem como posições políticas. Torno público neste espaço democrático o fato ocorrido [veja adiante comunicado enviado ao Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro]por entender que pode contribuir no sentido de se discutir um problema não tão incomum em ambientes de trabalho. Evidentemente, por sua característica complexa, a matéria remete a discussões de várias ordens. E, claro, não se encerra nestas linhas.
É possível que muitos acharão essa discussão fora de propósito e até inoportuna neste ou em outros espaços.Não creio, mas é um direito que assiste a qualquer um pensar da maneira que entender melhor. De qualquer forma, análises, discussõese reflexões sobre qualquer tema não devem ser tolhidos.Silenciar numa hora dessas contribui, na prática, para que esse tipo de problema seja perpetuado e favorece a impunidade. Como não se trata de um problema de corporação, ou seja, pode acontecerem qualquer atividade profissional, e por isso entendo ser válido a divulgação do fato.
Eis os fatos ocorridos nos dia 22, 23 26 de janeiro últimos, conforme comunicado enviado pelo autor ao Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro:
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Comunicação
Mário Augusto Jakobskind, membro do Conselho de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da Associação Brasileira de Imprensa e associado do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPRJ), comunica à diretoria da entidade e à Comissão de Ética um fato grave ocorrido no jornal Tribuna da Imprensa e que envolve questões trabalhistas e éticas:
Recebi uma comunicação, por escrito, do Departamento Pessoal, que estava suspenso de minhas funções de editor de Internacional por cinco dias, de 26 a 30/1 deste ano de 2004, ‘em conseqüência de falta ao trabalho sem comunicar à chefia, prejudicando-o sensivelmente, como é de seu conhecimento’. O comunicado prossegue com ameaças, inclusive a de que ‘recusando-se a assinar e tendo a empresa o cartão de ponto como principal testemunha, sua recusa será considerada indisciplina, caso não haja justificativa legal’.
A punição é totalmente descabida. Tendo sido a falta comunicada com antecedência, recusei-me a firmar o comunicado. Posteriormente tive um diálogo áspero com o editor responsável, Helio Fernandes Filho, e o chefe de redação, associado deste Sindicato, Fabio Grecchi. Apresentei meus argumentos, que não foram levados em conta, sendo a punição mantida. O chefe de redação, Fabio Grecchi, admitiu que o relacionamento entre ele e o editor de Internacional, Mário Augusto Jakobskind, não era ‘normal’, pois ambos ‘apenas se toleravam’. Ou seja, o chefe de redação da Tribuna da Imprensa nutre inimizade para com o editor, o que possivelmente pode ter tido influência no episódio em questão.
Grecchi mentiu. A telefonista confirmou que a informação sobre a minha ausência na quinta-feira, 22 de janeiro, foi repassada para Grecchi. Este, inclusive, confirmou ter recebido o recado.
Como é de conhecimento da diretoria do SJPRJ, a Tribuna da Imprensa nos últimos meses tem deixado de cumprir suas obrigações trabalhistas para com os seus funcionários, desde o pagamento do salário mensal com atraso, ao não pagamento de férias e da metade do décimo terceiro salário, além do não repasse do percentual do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (em atraso há cerca de nove anos), o que torna a situação de sobrevivência dos empregados insustentável.
No dia da minha ausência fui convidado com antecedência pelo site Fazendo Média a proferir uma palestra para estudantes de comunicação na Universidade Federal Fluminense, aproveitando a oportunidade para proceder a venda direta de recente livro de minha autoria, Dossiê Tim Lopes – Fantástico/Ibope. É a forma que encontrei neste momento para tentar cobrir meus compromissos rotineiros, desde o pagamento de alimentação ao de linha telefônica, luz, gás, condomínio e provedor da internet, absolutamente necessários para a prestação de serviços profissionais, para não falar do pagamento dos encargos de pesados juros do cartão de crédito em função dos atrasos decorrentes da falta de meios no prazo estipulado em contrato.
Ou seja, a ausência do trabalho no dia 22 de janeiro último foi absolutamente justificada, não tendo o editor de Internacional da Tribuna da Imprensa cometido qualquer tipo de irregularidade.
A arbitrária e injustificada punição pode significar o início de uma estratégia visando à demissão por justa causa do funcionário. Não há caso na imprensa brasileira, e possivelmente do mundo, de um editor ser suspenso de suas funções, e não demitido da função. Editor é cargo de confiança, afirmação confirmada pelo proprietário e editor responsável da Tribuna da Imprensa, Helio Fernandes Filho.
Teria esta punição algum tipo de relação com o não cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa Tribuna da Imprensa? Em outros termos: será que a ilegal punição sofrida por Mário Augusto Jakobskind teria na prática relação com as dificuldades financeiras que a empresa atravessa? As dificuldades financeiras não são negadas pelos proprietários.
No que diz respeito a questão ética, tenho a assinalar que considero o posicionamento do chefe de redação Fábio Grecchi totalmente aético pois, como já foi dito, ele próprio confessou que ‘apenas tolera’ o editor de Internacional, não sendo o relacionamento de ambos ‘normal’. Este fato pode ter interpretado como uma das causas da punição ilegal adotada pela empresa. Fui informado por terceiros que o chefe de redação declarou que o editor de Internacional é ‘defensor dos governos de Cuba e Venezuela’, um juízo de valores típico do discurso senso comum. Deixo claro que apesar disso nunca sofri constrangimento nesse sentido em mais de 14 anos do exercício profissional na Tribuna da Imprensa.
Grecchi justificou o seu posicionamento que levou o editor de Internacional à suspensão alegando que outras pessoas faltaram no mesmo dia, o que caractezaria ‘um movimento paredista’, opinião partilhada pelo proprietário e editor responsável Helio Fernandes Filho, como se paralisações fossem atos individuais e não coletivos. .
Grecchi está, por motivos pessoais, prejudicando um trabalhador associado deste Sindicato. Os fatos relatados, creio, são suficientes para dar início a uma tomada de posição da Comissão de Ética.
Além de informar à diretoria do Sindicato, exijo a convocação da Comissão de Ética para apreciar a ocorrência, um direito legal que me assiste na condição de associado deste Sindicato. Exijo ainda que a Comissão de Ética tome providências legais, ou seja, investigue o caso, ouvindo as partes envolvidas, este associado e Fabio Grecchi, se possível em sessão aberta, para chegar a alguma conclusão de tudo o que está sendo relatado. Em outros termos: o associado Mário Augusto Jakobskind espera que depois de apurados os fatos, com o direito democrático de defesa assegurado, seja adotada alguma providência legal que, a meu juízo, o caso requer.
Quando o caso parecia encerrado, o editor de Internacional, ao voltar à sede do jornal Tribuna da Imprensa, no dia 26/1, para receber a metade que faltava do salário do mês de dezembro de 2003, foi surpreendido com uma estranha agressão verbal e física por parte do editor do Caderno Bis, Antonio Caetano, em plena redação. Diante de tais fatos achei por bem apresentar no mesmo dia o registro do que tinha acontecido na 5a Delegacia Policial, sendo posteriormente encaminhado, por ordem do inspetor responsável para apurar a ocorrência, Alex Tavares, a exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal. O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Nacif Elias, fez questão de prestar solidariedade ao associado indo à delegacia e acompanhando-me ao IML.
Neste momento, devido ao constrangimento sofrido e da própria tentativa de agressão, tendo sido atingido em minha saúde física e emocional, tive de procurar assistência médica no Departamento Médico da Associação Brasileira de Imprensa, e recebido uma licença médica.
Estes são os fatos.
Atenciosamente, Mário Augusto Jakobskind
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(*) Jornalista
Nota do OI: A Redação da Tribuna da Imprensa,por intermédio do jornalista Fabio Grecchi, foi procurada para se manifestar sobre o caso. Até o fechamento desta edição,o OI não havia recebido resposta à mensagem [Subject: Observatórioda Imprensa/Para FABIO GRECCHI/importante # Date: Mon, 02 Feb 2004 09:12:52–0300 # From: Observatório da Imprensa