Vamos ver com restrições o título dessa matéria, uma vez que a frase completa é: ‘A vontade da sociedade, ao longo da história, é sempre atendida’, com destaque para o trecho ‘ao longo da história’.
Essa foi a constatação do especialista em processo legislativo Ednilton Andrade Pires, durante o curso de Jornalismo Legislativo ministrado pela Câmara dos Deputados que teve início na segunda-feira (17/5). O palestrante acredita que as mudanças sociais acontecem e são acompanhadas, mesmo que com certa demora, pelas mudanças nas legislações. Para ele, esse processo é sadio, visto que a mudança de uma lei não pode ocorrer da noite para o dia, sendo necessário primeiro ouvir toda a diversidade social.
Por esse motivo, projetos polêmicos como aborto, a criação de dois novos estados (você sabia que podemos chegar a ter até 40 estados?) e até mesmo o adultério têm (ou tiveram) que esperar anos para serem estudados, debatidos com a população e transformados em lei.
O exemplo citado por Andrade Pires ilustra bem sua afirmação.
‘No início do século passado, o camarada votava com o jagunço do coronel em cima dele, era bafo na nuca. A sociedade não queria isso. Naquela época, você diria que isso nunca seria mudado. Hoje em dia, votamos de uma forma bem diferente. A evolução da sociedade estava presente, mas parecia não estar sendo atendida. Havia uma pressão e hoje em dia o parlamento corresponde a isso. Essa convergência entre ação parlamentar e vontade da sociedade tem que ser vista ao longo do tempo.’
‘Um parlamento mais eficiente’
Ele citou ainda o pagamento de convocações extraordinárias aos deputados – o que deixou de acontecer por vontade da população. ‘Todo ano, havia convocação extraordinária e remunerada, e agora mudou. A renovação dos deputados, no Brasil, é de quase 50%. É um julgamento que a sociedade está fazendo. Esse julgamento faz com que a vontade da população seja atendida.’
A teoria pode ter contestações dos mais imediatistas, porém a história mostra que as mudanças realmente ocorreram, não diria em saltos, mas cada uma a seu momento, e há muita coisa para acontecer ainda.
Isso tudo foi uma pincelada da primeira aula do curso, que teve ainda o secretário-geral da Mesa, Mozart Vianna de Paiva, introduzindo conceitos de medida provisória, decreto-lei, lobby, entre outros. O curso pode ser bem aproveitado pelos profissionais da comunicação, uma vez que os conceitos de processo legislativo e orçamentário vão ser ensinados por quem participa de sua execução, com foco na imprensa. Isso evitaria gafes no noticiário, ajudaria o profissional a tirar melhor proveito das entrevistas com os parlamentares e iria contribuir para a formação política, senão dos jornalistas, mas de toda a população.
Nesse caso, manchetes como ‘Câmara dos Deputados não vota projetos há um mês’, citada pelo palestrante, poderiam ser inseridas no contexto da real dimensão do fato, atribuindo as causas e efeitos do atraso na votação. ‘Essas manchetes estão ligadas ao desconhecimento da natureza política. Não vou dizer que o poder legislativo é perfeito; quem o aperfeiçoa é a sociedade, que rejeita pelo voto. Ela faz isso em busca de um aperfeiçoamento e está sendo educada cada vez mais. Isso é natural no processo de evolução do país e vai exigir um parlamento mais eficiente’, concluiu Andrade Pires.
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Lei não força mudanças comportamentais
O tripé para que uma lei caia no gosto público é formado por fato, norma e valor. Se essas três variáveis estiverem de acordo com a realidade social, é certo que a lei vai pegar, como afirmou o consultor legislativo Ednilton Andrade Pires na segunda aula de Jornalismo Legislativo da Câmara dos Deputados, no dia 21/5.
A lei que proíbe o fumo em estabelecimentos fechados é um exemplo disso. O valor é o juízo que a sociedade tem a respeito do fumante. O fato ocorre quando ele acende um cigarro em um local não muito apropriado, como um restaurante. A norma é a lei que proibiu o fumo em locais fechados e, dado o valor atribuído a esse fato, ela realmente surtiu efeito com sucesso (pelo menos é o que diz o balanço da Vigilância Sanitária paulista, que aponta a redução do número de autuações).
‘Se alguém descumprir essa lei, a própria sociedade vai exigir seu cumprimento. Você assume o seu direito e se sente ofendido [caso a lei seja transgredida]’, concluiu Andrade Pires.
A ideia foi complementada com a premissa de que quem determina o comportamento é a sociedade. ‘Impor comportamento não funciona’, disse, citando o exemplo da obrigatoriedade do kit de primeiros socorros dentro do carro. ‘Veio uma norma que não pegou.’
Projetos de lei privativos do prefeito
Daí em diante, a aula prosseguiu com muita teoria sobre o processo legislativo, a composição e o trabalho das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados e a iniciativa dos projetos, tudo embasado na Constituição Federal e no Regimento Interno da Câmara.
A propósito: durante a aula, foi levantada a questão do plano político em que as leis são concebidas. Por exemplo, a iniciativa de alguns tipos de lei cabe exclusivamente ao presidente da República, porém, alguns deputados acabam apresentando projetos dessa natureza para que o Poder Executivo se sinta forçado a por o assunto em evidência, providenciar sua regulamentação ou até mesmo acatar o projeto do deputado.
Transpondo essa realidade ao município, percebemos que nas câmaras municipais há vereadores que apresentam projetos de lei privativos do prefeito, mas com essa mesma intenção. Podem ser inconstitucionais, mas traduzem, muitas vezes, a necessidade da parcela da população que aquele parlamentar representa.
As aulas estarão disponíveis no site da Câmara. O curso teve início em 17 de maio e termina em 21 de junho, com duração de 30 horas.
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Repórter da Câmara Municipal de Taubaté, SP