Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Pedras e pontes no caminho da democratização da mídia estatal

Muito se fala na necessidade de se democratizar a comunicação social no Brasil, onde há claramente uma proeminência do sistema privado sobre o estatal e o público, tornando sem sentido o princípio da complementaridade previsto na Constituição Federal. Portanto, a maior parte da carga de pressão se direciona às empresas de mídia, que deveriam ter um controle mais efetivo por parte da sociedade civil organizada, tanto no que diz respeito às concessões públicas quanto ao conteúdo veiculado, tendo em vista os interesses da sociedade como um todo.

É notório, especificamente em relação à radiodifusão, que o Estado brasileiro, nos idos do Estado Novo, passou à iniciativa privada (leia-se: algumas famílias) o poder de explorar o espectro eletromagnético, ou seja, o ar, como suporte para a transmissão de ondas, considerado constitucionalmente um bem público. Daí o entendimento de que é legítimo a sociedade civil poder interferir, inclusive, na definição da gestão e da programação dos canais controlados pelos empresários do setor.

Por outro lado, existe um foco de produção de valores simbólicos, neste caso controlado pelos governantes de plantão – a mídia estatal, que, numa primeira vista, parece não ter a mesma marcação cerrada dos movimentos pela democratização da comunicação.

A exceção que justifica a regra

Daí vêm algumas questões: por que esse tipo de mídia não tem sido objeto de uma busca de maior controle social, se é mantida com recursos oriundos de toda a sociedade? Por que não se cobrar mais oportunidades de participação do cidadão nos destinos das emissoras estatais? Talvez uma das razões para isto seja o pouco interesse dos governadores – a maioria desses veículos, entre emissoras de rádio e televisão, é mantida pelos estados – em gastarem dinheiro nelas e até o grande interesse desses mesmos governadores em investirem na mídia privada, o que garantiria maior audiência às suas estratégias de divulgação.

Tal círculo vicioso acaba criando estruturas que recebem historicamente poucos recursos e se apresentam, na maioria dos casos, em constante estado de sucateamento tecnológico e de recursos humanos. Pode-se inferir que a mídia estatal é, de certa forma, ignorada não só por quem deveria cuidar dela como patrimônio público e poderoso difusor de políticas públicas para o atendimento das demandas informativas e educacionais do cidadão. A própria população e as entidades da sociedade civil, que tenderiam a defendê-la nas respectivas instâncias, parecem deixá-la em segundo plano. Em tempo: ainda há muita confusão em relação ao que vem a ser público ou estatal. É preciso verificar objetivamente como é a percepção do brasileiro sobre esses dois conceitos.

A exceção que justifica a regra fica por conta da TV Cultura, mantida pelo governo do estado de São Paulo, mas operada por uma fundação com alguma autonomia gerencial, a Padre Anchieta. Não por acaso, a emissora apresenta um grau de gestão democrática muito acima das demais, graças à existência de um conselho curador atuante. Muitos dos seus produtos, principalmente os voltados para o púbico infantil e os jornalísticos, têm sido agraciados com importantes prêmios nacionais e estrangeiros.

Caminho vem sendo trilhado

A EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), que controla a TV Brasil, também tem o apoio de um conselho composto por representantes de vários setores da sociedade – porém todos são nomeados pelo presidente da República – e está ligada a um órgão do governo, a Secretaria de Comunicação, com status de ministério.

Já no Poder Legislativo, um dos braços do Estado brasileiro que há pouco mais de uma década também passou a gerir emissoras de televisão e rádio, começam a pipocar iniciativas para diminuir o caráter oficialesco da sua mídia. Recentemente, a Câmara Municipal de Taubaté, em São Paulo, foi a primeira casa legislativa a implantar um Conselho Público para acompanhar e interferir nos trabalhos do seu canal de TV. A Câmara dos Deputados federais e os vereadores de Porto Alegre estão em estágio avançado para a criação do mesmo tipo de colegiado.

Ainda há muito o que pesquisar sobre o tema. A princípio, nota-se que o caminho para a maior participação do cidadão na mídia estatal ainda tem vários obstáculos a serem superados. Entretanto, dá para perceber que, mesmo a passos curtos e iniciativas pontuais e não-sistemáticas, ele vem sendo trilhado, acompanhando o próprio ritmo da evolução do processo democrático brasileiro.

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Jornalista, mestre em Comunicação Social e especialista em Direito Legislativo