Ações de grupos que distribuíram panfletos com ameaças de violência física contra “maconheiros” no campus da USP e picharam suásticas em muros nas suas imediações, como noticiado no sábado (19/11) por Mauro Malin, neste Observatório da Imprensa (ver “USP hostilizada, memória de Herzog agredida”), são indícios alarmantes de que a agressividade e a intolerância continuam a crescer em volume e audácia entre pessoas que têm discordâncias políticas ou ideológicas entre si no Brasil contemporâneo.
Esses sintomas vêm sendo constatados há muitos anos, em especial em setores mais intelectualizados de grandes metrópoles, e na escalada insensata de insultos e calúnias no espaço cibernético, inclusive em versões virtuais de veículos de comunicação originalmente impressos e em órgãos da internet que são formal ou informalmente patrocinados por partidos políticos ou governos.
O ódio disseminado nesses meios de comunicação evidentemente pode transbordar do meramente simbólico para o físico a qualquer momento, como não poucos incidentes de agressão contra homossexuais já demonstraram e os da semana passada na Cidade Universitária da USP e redondezas confirmam.
Respeito à diferença
Uma reação instintiva e primária a esse tipo de situação de aguçamento de hostilidades – quando ela se manifesta em jornais, revistas, blogs, websites, emissoras de rádio e TV – é o apelo à censura.
O problema com a censura é que os que pensam em recorrer a ela para impedir expressões que de fato atentam contra a integridade alheia raramente se lembram que a definição de censurável sempre caberá a pessoas que podem incorrer em erro ou agir com má-fé, e acabar por proibir conteúdos absolutamente legítimos de acordo apenas com sua conveniência, interesse, gosto ou impulso.
A censura nunca é solução positiva para impedir ou corrigir abusos do direito de liberdade de expressão. A única prática eficiente para diminuir (já que é impossível eliminar por completo) incitação a crime ou arroubo de ódio (além da sua punição nos termos da lei depois da ocorrência) é a construção de um ambiente social que estimule e pratique a tolerância coletiva a pontos de vista diferentes ou opostos aos de cada pessoa ou grupo.
As universidades e os veículos de comunicação constituem loci ideais para germinar a tolerância. Causa particulares consternação e desânimo testemunhar que, no entanto, é a intolerância que está dando mais frutos em algumas dessas instituições.
O debate de ideias com base no respeito mútuo deveria ser a prática hegemônica e corriqueira no cotidiano de salas de aula e redações. O produto do que ali se pensa e elabora deveria ser o mais diversificado possível para dar aos que o consomem a possibilidade de avaliar as alternativas de acordo com suas experiências e história e, com base em tudo, chegar às suas conclusões.
As diferenças manifestadas de forma respeitosa devem ser celebradas na democracia, nunca servir de pretexto para hostilidades ou para apelo à censura. Quem se expõe a opiniões divergentes da sua abre a mente e pode reforçar com argumentos mais fortes a sua convicção anterior ou até mudar, parcial ou completamente, a opinião que tinha antes.
Disposição antônima
O rancor e o sectarismo que são observados diariamente em veículos de vários pontos do espectro ideológico não podem levar a nada construtivo e vão resultar, cedo ou tarde, em tragédia.
O declínio da civilidade na discussão de temas públicos não é privilégio brasileiro, como se pode perceber em campanhas eleitorais atuais em diversos países ou no comportamento da mídia em todas as suas plataformas pelo mundo afora.
Mas cada um deve fazer a sua parte, e a nós no Brasil cabe a nossa: combater a intolerância com a disposição antônima de falar e ouvir, denunciar e cobrir de vergonha os que a praticam, prestigiar os veículos que abrem suas portas à diversidade.
Pedir censura, nunca.
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[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]