Muitos jornalistas reagiram indignados à performance dos atletas brasileiros nos Jogos de Pequim e, como são formadores de opinião, convenceram uma multidão de descontentes e mal-humorados de que o esporte vai mesmo mal por aqui. Não é verdade.
Se o país ainda não pode se considerar uma potência olímpica, por outro lado está evoluindo solidamente em muitas modalidades e em mais duas ou três edições dos Jogos poderá figurar entre os dez mais bem classificados, o que já será uma maravilha diante do desprezo com que o esporte é tratado no Brasil.
Desprezo que parte da própria população, diga-se de passagem. O mesmo sujeito que fica enraivecido com a queda do ginasta Diego Hypólito, como se pensasse ‘quem é esse cara para me causar essa frustração?’, nunca foi a uma competição de ginástica, nunca deu aos filhos a oportunidade de acesso a uma cultura esportiva que ele próprio não tem.
Quando eu editava o ‘Divirta-se Esporte’, última página da edição de sábado do Jornal da Tarde, anunciávamos todas as atividades com entrada gratuita do fim de semana de São Paulo. Competições de natação, handebol, basquete, hipismo, atletismo, tênis de mesa, judô… Incontáveis vezes fui assisti-las e levei meus filhos. Um concurso de saltos no hipismo, por exemplo, é um espetáculo belíssimo, que as crianças adoram. Agora, me pergunte quantas pessoas acorriam a estes eventos? Como sempre, apenas parentes e amigos dos atletas.
Os piores torcedores
A triste realidade é que somos um país de analfabetos em cultura esportiva e a maioria dos jornalistas ‘especializados em esporte’ não foge à regra. Criticar os atletas porque não trouxeram mais medalhas, não subiram mais vezes ao ‘lugar mais alto do pódio’ é piada de mau gosto, é demagogia, é jogar para a galera.
Faça um exame de consciência: pergunte-se quantas vezes você assistiu a uma competição esportiva (sem estar cobrindo), quantas vezes aplaudiu ou ensinou seus filhos a aplaudir esses atletas que nos representaram em Pequim? Reconheça que só lembramos que a maioria deles existe quando há uma Olimpíada, ou um Pan-americano.
Que direito temos de exigir que eles sejam os melhores do mundo? Pior: que direito temos de criticá-los? Criticá-los porque caíram, porque choraram, porque fizeram isso ou aquilo? Ora, tenhamos vergonha de sermos tão mesquinhos, tão medíocres. Eles não tinham a mínima obrigação de ganhar nada, porque não lhes damos nada. Só pedimos. Queremos que vençam para que nos sintamos mais importantes, mais respeitados, cidadãos de primeiro mundo!
Mas se o Brasil em muitos aspectos é uma piada é porque nós, seu povo, ainda somos uma piada. Se houvesse uma Olimpíada para se avaliar o nível de conhecimento da imprensa esportiva dos países, ou o grau de respeito e envolvimento dos povos com o esporte, o Brasil certamente ocuparia a zona de rebaixamento. Somos os piores torcedores do mundo, pois não damos aos nossos atletas um apoio real e depois exigimos que nos façam felizes.
Enxergar além das medalhas
Tudo bem, consagrou-se contar medalhas. É mais simples. Qualquer um que não entenda nada de esporte pode contá-las. Então, criam-se teorias de graus de desenvolvimento de países e povos a partir das medalhas olímpicas conquistadas, como se uma coisa fosse diretamente ligada à outra (nunca li e ouvi tanta bobagem a respeito como nos últimos dias).
Por essa teoria assustadoramente simplista, a Jamaica, que tem cerca de 2,8 milhões de habitantes e ganhou seis medalhas de ouro, proporcionalmente é a nação mais desenvolvida do mundo, deixando para trás, por exemplo, Suécia, Finlândia, Áustria, Bélgica e Dinamarca, que para chegar a seis de ouro teriam de somar todas as suas medalhas ganhas em Pequim.
Alguém em sã consciência pode mesmo acreditar que o esporte jamaicano é mais desenvolvido do que nessas cinco nações européias que estão entre as de melhor qualidade de vida do planeta? Será que não dá para desconfiar que as vitórias da Jamaica vêm apenas de uma equipe invejável de velocistas, provavelmente favorecidos por uma constituição genética excepcional?
Uma vitória individual, às vezes fortuita, não pode colocar uma nação tão à frente de outras, como ocorre no quadro de medalhas. Se um dia quiserem mesmo fazer uma contagem olímpica mais justa, teriam de analisar o comportamento de cada modalidade, cada atleta. E, nesse particular, o número de participações em finais é o critério mais relevante.
O atletismo brasileiro, por exemplo, pode ter ganhado apenas a medalha de Maurren Maggi no salto em extensão, mas foram também importantes os quartos lugares nos revezamentos masculino e feminino dos 4×100, sem contar as participações de Fabiana Murer no salto com vara e Jadel Gregório no salto triplo.
O esporte brasileiro está em um estágio em que, mais importante do que a vitória esporádica, é consolidar-se em uma posição que tornará a vitória possível, sempre. Por isso, chegar a várias finais, para um planejamento a longo prazo, é o que realmente conta, e a equipe nacional chegou a 38 finais na China.
Aos 11 anos, quando me interessei pelas Olimpíadas ao ver imagens em videotape dos Jogos de Tóquio de 1964, frustrei-me amargamente com a performance da delegação brasileira, que voltou do Japão com apenas uma medalha, de bronze, no basquete masculino. Constatar que hoje o Brasil pode ser bem representado em tantas modalidades é gratificante.
Assim como me pareceu um sonho ver um brasileiro campeão da Fórmula-1, ou liderando o ranking mundial do tênis, maravilho-me com a nossa geração de ginastas, judocas, velejadores, nadadores, com as equipes masculina e feminina de handebol, com a turma do atletismo, pugilistas e lutadores de taekwondo, entre outros. Impossível não constatar a evolução.
O valor real do esporte
Não se pode ignorar que, bem mais do que relacionado ao nível de desenvolvimento, o esporte está atrelado à cultura do país. Em alguns, o esporte de competição não é prioridade. Um desses exemplos é a Índia, segunda nação mais populosa do mundo, com 1,08 bilhão de habitantes. Mesmo com uma economia em franco crescimento (líder mundial em ciência e tecnologia), com uma classe média de 200 milhões de pessoas, os atletas indianos só ganharam três medalhas em Pequim – uma de ouro e duas de bronze. Pelo critério das medalhas, o Quênia seria mais desenvolvido, pois abiscoitou 13 delas, sendo quatro douradas. Jamaica, então, nem se fala.
Outro aspecto a ser considerado é que o sucesso esportivo de um país nem sempre se deve a uma evolução natural. Alguns regimes políticos fechados investem demasiadamente no esporte menos pela preocupação com a saúde do povo, e mais pela propaganda proporcionada pela vitória de seus atletas. Cuba é o maior exemplo dessa estratégia.
Há 16 anos, nos Jogos de Barcelona, amparados pelo dinheiro e pela assessoria técnica que vinha da União Soviética, os cubanos ficaram em quinto lugar no quadro de medalhas, com 14 de ouro e 31 no total. Em Pequim ganharam 22 medalhas, apenas duas de ouro.
Há 20 anos, nos Jogos de Seul, União Soviética, Alemanha Oriental e Estados Unidos angariaram mais medalhas do que todos os outros países juntos. Agora, as conquistas são divididas entre um número maior de nações. Um dos motivos é que há realmente um número maior de nações, com o desmembramento da União Soviética e da Iugoslávia, por exemplo. Com mais competidores de bom nível, as provas obviamente se tornam mais disputadas.
Posso colocar mais uma pulga atrás da sua orelha? Ok. Você acha mesmo que uma medalha de ouro no arco e flecha, ou no taekwondo, com todo respeito a essas modalidades, tem o mesmo valor do que uma vitória no futebol, ou no basquete? Pois são conquistas tratadas da mesma forma pelo decantado quadro de medalhas, não?
Há quem multiplique o número de medalhas pela quantidade de atletas de uma modalidade coletiva. Exemplo: um time de vôlei tem seis jogadores, ok? Portanto, a medalha que o time ganhar é multiplicada por seis. Tem a sua lógica. Em 1979, quando cobri os Jogos Pan-americanos de Porto Rico, descobri que os cubanos contavam as medalhas assim.
Realmente, esportes coletivos deveriam valer mais. E os mais populares, como futebol e basquete, deveriam ter um peso maior. Não dá para comparar o beisebol, ou o pólo aquático, com o esporte que consagrou Pelé e Maradona. Dá?
Romper limites
Há muitos aspectos a serem analisados antes de engolirmos a primeira versão que nos querem empurrar goela abaixo. Antes de seguir o rebanho e reclamar do esporte brasileiro, pergunte-se o que você tem feito por ele.
Tem filhos pequenos? Então dê a eles a chance de se apaixonar pelo esporte, leve-os para ver as competições, mesmo aquelas que você não gosta. Não imponha suas preferências a eles. Não restrinja sua influência esportiva a convencer os pequenos a torcer pelo mesmo time que você. Você não quer viver em um país de primeiro mundo? Comece dando o exemplo, mereça viver em um país melhor.
E não dê tanta importância ao quadro de medalhas. Na verdade, a Olimpíada é uma competição de seres humanos, não de nações. Ao menos assim a idealizou seu criador, o barão Pierre de Coubertin. Ao romper os limites do homem, Michael Phelps e Usain Bolt conquistaram vitórias para a espécie humana, não apenas para o país onde nasceram. Esta é a única visão que deveria prevalecer.
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Jornalista e escritor, tem 13 livros publicados, dos quais 7 sobre esporte