O Observatório da Imprensa na TV, exibido na terça-feira (1/04) pela TV Brasil, debateu os resultados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), encomendada pela Central Única das Favelas (CUFA), sobre os pontos de vista de moradores de áreas carentes. Além de revelar que os entrevistados no levantamento classificam o trabalho da imprensa como sensacionalista, a pesquisa derrubou alguns mitos que grande parte da imprensa propaga, como o repúdio dos moradores ao uso de carros blindados na segurança pública, conhecidos como ‘Caveirão’.
Participaram do programa pelo estúdio do Rio de Janeiro a repórter investigativa Vera Araújo, de O Globo, e o antropólogo Julio Cesar de Tavares. O secretário de redação do Agora São Paulo, Antonio Rocha Filho, participou pelo estúdio da TV Cultura.
Vera Araújo
, jornalista há 20 anos, é repórter do jornal O Globo. Trabalhou no Jornal do Brasil e em O Dia. Atua na área de jornalismo investigativo. É co-autora da matéria ‘A Voz da Favela’ sobre a pesquisa encomendada pela CUFA – Central Única das Favelas.Julio Cesar de Tavares é doutor em Antropologia pela Universidade do Texas, em Austin e professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense. É um dos fundadores da CUFA.
Antonio Rocha Filho é secretário de redação do Agora São Paulo. Participou do processo de criação e lançamento do jornal. Trabalha há 18 anos no Grupo Folha, onde já exerceu várias funções.
Antes do editorial sobre o tema principal do debate, o jornalista Alberto Dines comentou os assuntos que estiveram em destaque na semana. A atitude de uma delegada de São Paulo que acompanha as investigações sobre o assassinato da menina Isabella Nardoni de chamar o pai da vítima de ‘assassino’ foi classificada por Dines como ‘justiça sumária’. O mesmo termo poderia ser aplicado às execuções – comandadas por traficantes cariocas – de pessoas que praticam crimes dentro da própria comunidade onde vivem. A situação foi retratada pelo repórter Mauro Ventura, na edição de sábado (29/3) de O Globo. O terceiro assunto da seção ‘A mídia na semana’ foi a cobertura dos meios de comunicação sobre a confissão de um rapaz de 16 anos, morador de Porto Alegre, que admitiu ter assassinado por encomenda 12 pessoas nos últimos meses: ‘O caso está chocando o Rio Grande do Sul e mal foi mencionado no eixo Rio-São Paulo. No Brasil, o horror é regional’.
Imprensa a reboque da polícia?
No editorial, Dines questionou se a mídia ouve os favelados. Para o jornalista, as eventuais incursões da imprensa em momentos de confronto com a polícia não são suficientes para entender o universo dos moradores de favelas. ‘Os resultados da pesquisa sugerem que o fracasso do combate ao crime organizado origina-se em grande parte em conceitos e doutrinas formuladas por pessoas ou entidades que desconhecem as reais necessidades das vítimas do terror. Este Observatório da Imprensa não quer tomar partido, quer apenas que iniciativas como esta tornem-se assíduas e regulares. O exercício do jornalismo pressupõe participação e envolvimento constantes. Jornalismo não se exerce à distância.’ [Ver abaixo a íntegra do editorial.]
A reportagem exibida antes do debate ao vivo ouviu a opinião do subeditor de Polícia do Extra, Fábio Gusmão. O jornalista se disse surpreso com a visão que os favelados têm do uso do chamado ‘Caveirão’ para a proteção dos policiais. A comunidade teria entendido que as forças de segurança precisam se resguardar. Para ele, o fato de a população ver a imprensa chegando ao morro juntamente com a polícia prejudicaria a percepção sobre o trabalho da mídia.
O coronel José Vicente da Silva, ex-secretário de Segurança Pública do Rio, frisou que as favelas são centros urbanos como os outros, com o mesmo tipo de convivência entre os cidadãos, e que isso não é mostrado pelos meios de comunicação. As exceções seriam as comunidades de Heliópolis, em São Paulo, e Rocinha, no Rio de Janeiro. A imprensa ajudaria a formar estereótipos, como o de que as comunidades carentes são ocupadas por criminosos.
A surpreendente aceitação do uso do ‘Caveirão’
Vera Araújo acredita que a pesquisa foi importante para quebrar o silêncio imposto aos moradores das áreas carentes pelos traficantes. Dos resultados apontados pelo levantamento, o que mais surpreendeu a jornalista foi a aprovação do uso do ‘Caveirão’, já que as informações que os líderes comunitários e religiosos forneciam era de que os favelados seriam contrários à utilização do blindado nas operações policiais. A repórter contou que já subiu em favelas e que após a morte do jornalista Tim Lopes – assassinado em 2002, quando fazia uma matéria sobre venda de drogas em bailes funk no Rio de Janeiro – as incursões têm sido realizadas com mais cautela, havendo um cuidado maior com as equipes.
Há dificuldade em aproximar-se dos moradores, na visão de Vera Araújo, porque os chamados ‘olheiros’ (integrantes do tráfico que vigiam a movimentação das comunidades) têm receio que sejam passadas informações sobre as operações do crime organizado. Uma dos pontos positivos da pesquisa é o fato de ter sido feita por telefone, pois os moradores ficariam mais à vontade com a proteção do anonimato.
Caso Tim Lopes, um marco na cobertura de favelas
Assim como no Rio de Janeiro, as áreas carentes de São Paulo seriam áreas de exclusão, afirmou Antonio Rocha Filho. As dificuldades para ter acesso às informações seriam semelhantes às encontradas pelos profissionais da imprensa carioca. O jornalista contou que participou de coberturas de áreas carentes, mas que a morte de Tim Lopes e outras ações contra jornalistas afetaram o relacionamento com as comunidades. Para ele, a imprensa não usa estereótipos nas matérias sobre a periferia, adotando os mesmos critérios jornalísticos das outras regiões geográficas. A preocupação em apresentar reportagens com informações de serviço à população e fiscalização do poder público seria igual tanto na cobertura dos grandes centros urbanos quanto das áreas carentes, segundo Antonio Rocha Filho.
A iniciativa do levantamento ficará marcada na história, na avaliação de Julio César de Tavares, por ser a primeira vez que os favelados expressam seus pontos de vista por meio de uma pesquisa. O antropólogo afirmou que os moradores das favelas desejam que as Forças Armadas entrem nas comunidades. Com o abandono do poder público, as comunidades carentes teriam ficado entregues aos traficantes de drogas. A recepção do policiamento para defender a comunidade teria avaliação positiva dos moradores. Julio César observou que a presença da mídia nas favelas ocorre sempre nos momentos de confronto e questionou o porquê de a mídia não mostrar também o cotidiano das comunidades. ‘Existe vida além do confronto’, disse.
A pauta positiva das comunidades carentes
A repórter de O Globo discordou da posição do antropólogo. Para ela, a imprensa não sobe o morro apenas acompanhando as forças de segurança pública. Os jornalistas entram em contato com as lideranças comunitárias e religiosas para cobrir aspectos do cotidiano, como o crescimento vertical das favelas, levantado recentemente por O Globo, e a atuação de organizações como o AfroReagge. Para ela, a imprensa não acha que a favela é um reduto de marginais e procura mostrar os valores da comunidade. Os moradores de favelas conhecem o poder público pela presença de policiais ou lixeiros, contou Vera Araújo. As áreas de saúde e educação são negligenciadas.
A localização periférica das áreas carentes em São Paulo faz com que estas áreas tenham menos visibilidade, afirmou Antonio Rocha Filho. O jornalista afirmou que é preciso incluir as demandas dessas comunidades na pauta dos jornais e que não se pode desprezar as necessidades dos moradores dessas regiões, estimados em 1,4 milhão de pessoas. O secretário de redação do Agora afirmou que a imprensa não cobre as periferias apenas pautada nas ações policiais, e citou como exemplo matérias sobre comportamento, cultura e economia. Reportagens com serviços gratuitos de ação social e matérias sobre a geração de renda nas comunidades também são freqüentemente encontradas nos jornais.
Dines perguntou a Julio Cesar de Tavares se os moradores de favelas têm o hábito de ler jornais. O antropólogo afirmou que os periódicos de perfil mais popular têm grande penetração nas áreas carentes. As notícias sobre violência garantiriam o consumo. Julio Cesar reafirmou que a cobertura dos meios de comunicação é apenas pontual, como o acompanhamento de obras públicas e questões ligadas ao meio ambiente.
Um telespectador perguntou a Alberto Dines se o uso dos meios de comunicação comunitária não seria positivo para as áreas carentes. O jornalista afirmou que a idéia de mídia comunitária é fantástica, mas que infelizmente a voracidade dos políticos está transformando o que deveria ser um veículo educativo em meio eleitoral. Dines lamentou que o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso Nacional para assuntos relativos à mídia, esteja parado desde novembro de 2005, pois poderia contribuir para disciplinar o meio.
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Mitos derrubados
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 455, exibido em 1/4/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A mídia cobre as favelas, mas será que a mídia ouve os favelados? Uma pesquisa publicada pelo jornal O Globo há 10 dias derrubou uma série de mitos sobre o comportamento e atitudes dos favelados do Rio e, por extensão, dos favelados nas demais metrópoles brasileiras.
Ficou evidente que uma eventual subida ao morro para acompanhar diligências policiais não é suficiente para entender uma parte da sociedade que vive na terra de ninguém, entre o estado e o crime organizado.
A pesquisa encomendada pela Central Única das Favelas (CUFA) desmonta estereótipos e clichês politicamente corretos que ninguém ousava questionar. Os moradores das comunidades carentes são contra a legalização das drogas e admitem que vivem sob o controle do tráfico ou das milícias. Querem a repressão policial e defendem a participação das Forças Armadas no combate ao narcotráfico.
Os resultados da pesquisa sugerem que o fracasso do combate ao crime organizado origina-se em grande parte em conceitos e doutrinas formuladas por pessoas ou entidades que desconhecem as reais necessidades das vítimas do terror.
Este Observatório da Imprensa não quer tomar partido, quer apenas que iniciativas como esta tornem-se assíduas e regulares. O exercício do jornalismo pressupõe participação e envolvimento constantes. Jornalismo não se exerce à distância.