Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Por que a audiência quer colaborar?

Publiquei neste Observatório um pequeno histórico do jornalismo colaborativo na internet [ver ‘Uma rede de notícias criada por cidadãos comuns‘]. Estudar e pesquisar essas práticas, ainda desconhecidas por muitos, é de extrema importância para o próprio futuro da profissão. Premissas da relação emissor x receptor, até então tomadas como indiscutíveis, estão com os dias contados. A audiência, que por muito tempo teve seu canal de participação limitado a cartas, e-mails e raras inserções nas mídias ditas tradicionais, agora tem a real possibilidade de atuação ativa na coleta, produção e publicação de conteúdos jornalísticos. Mas o que está por atrás dessa colaboração? Por que as pessoas estão se envolvendo tanto com essa forma de fazer jornalismo? É o que eu tentarei elucidar.

Luís Carlos Nogueira, da Universidade da Beira Interior, Portugal, em seu texto Sashdot, Comunidade de Palavra, 2002, expõe quatro diferenciais trazidos pela rede que modificam o relacionamento da informação com o público: a ubiqüidade, a velocidade, a interação e a indexação. A ubiqüidade permite que a notícia esteja simultaneamente e constantemente em diversos pontos. A velocidade da circulação da informação no meio digital jamais foi atingida por outros veículos midiáticos. A interação relaciona-se com a troca de dados, opiniões entre pessoas de lugares e contextos distintos. Já a indexação remete aos desdobramentos que os fatos podem atingir. Com a hipertextualidade, o internauta escolhe o quanto quer aprofundar em determinado assunto. A partir desses pressupostos, Nogueira propõe duas motivações para a origem e prática do jornalismo colaborativo. A primeira evidencia a ‘necessidade de extrair do fluxo global da informação os temas e assuntos que especificamente interessam e a segunda relaciona-se com a necessidade de um fórum onde comentar as notícias de forma imediata e global…’ (p.01).

Procurar compreender os fatos

Já Shayne Bowman e Chris Willis, autores da obra We Media (Nós, a Mídia), de 2003, acrescentam que a oportunidade de qualquer cidadão participar de um processo jornalístico. seja no papel de editor, fotógrafo, comentarista, ou escritor, faz com que ele alcance um sentido de pertencimento a um determinado grupo e construa uma auto-estima através da contribuição. O reconhecimento e a possibilidade de desenvolver novas habilidades gerariam uma auto-realização. Os autores, então, listam uma série de fatores motivacionais para explicar o porquê da difusão e afirmação das práticas colaborativa na internet. O primeiro deles recai justamente sobre o anseio de o participante ganhar status e uma reputação em determinada comunidade. Mostrar autoridade e experiência sobre um tema estimula o ego e faz com que as pessoas procurem ainda mais informações sobre ele para se tornarem legítimos escritores. Aqueles que nunca tiveram voz ativa, seja por barreiras sociais, educativas, econômicas, culturais ou impedimentos físicos e emocionais, também encontram no diálogo e na interação a construção de uma reputação pessoal (p.41).

A teoria de Nogueira aproxima muito do segundo fator, que trata da criação de conexões com outras pessoas que tenham interesses similares. Bowman e Willis explicam que os cidadãos desejam ‘alimentar as suas obsessões e compartilhá-las com indivíduos de mente parecida. Isso é o que alimenta (…) muitas conexões sociais na internet’ (p.41). Coopera para isso o fato da web romper determinadas fronteiras espaciais e temporais. Podem-se encontrar grupos de interesses mútuos de qualquer parte do globo a qualquer instante. Os laços com conhecidos também se fortalecem.

Os próximos fatores citados são o sentido e o entendimento. O grande fluxo de informação e fontes faz com que haja uma constante procura por uma compreensão dos fatos nas comunidades online. Os meios de comunicação de massa, muitas vezes, privilegiam as fontes oficiais ou não identificadas com sua audiência, deixando esta à mercê de uma falta de confiança e sentido. Exemplos não faltam – basta ler, escutar ou visualizar os noticiários econômicos e políticos. A mensagem não é captada de maneira satisfatória pela maioria do público. Os blogs, os fóruns, as comunidades traçam o caminho oposto, procurando dar sentido a qualquer informação, funcionando até como mecanismos de perspectiva. A discussão ganha forma à medida que informações e solicitações geradas a partir dela são agregadas.

Expertos e conectivos

Segue a lista. Manterem-se informados e informar formam o passo seguinte. Os colaboradores necessitam de informações, notícias ou até conselhos que não encontram normalmente nas mídias tradicionais. Na internet, diversos assuntos e temas recebem um bom grau de contextualização e de aprofundamento com uma rapidez jamais vista. Bowman e Willis explicam que as formas colaborativas atraem duas categorias específicas de indivíduos, ‘os expertos’ e os ‘conectivos’, conceito de Malcolm Gladwell. Os primeiros são agressivos coletores de informação que estão motivados a compartilhá-la. Os ‘conectores’, pertencentes a diferentes mundos sociais, conhecem pessoas em diversas posições e lugares e sua motivação é reuni-las. A rede torna-se, então, um ‘canal para que os ‘expertos’ satisfaçam sua necessidade de compartilhar e adquirir informação e permite aos ‘conectores’ ajudar a aqueles que buscam informação encontrarem os ‘expertos’’ (BOWMAN E WILLIS, 2003, p.43). O entretenimento também é uma motivação para que haja colaboração. As discussões em torno de música, cinema, teatro, moda etc. não deixam de ser também uma fonte de diversão. Discussões políticas, econômicas e esportivas, por exemplo, podem ser conduzidas de forma humorada, com elementos que tenham o objetivo de entreter. O último motivador refere-se à criação. Criar é evidenciado como um mecanismo de auto-estima e realização.

Ao estudar todos esses fatores, fica claro que a resposta para as perguntas apresentadas no início do artigo é simples: a audiência só quer ter o direito de participar ativamente e de criar uma agenda que seja realmente de cunho público.

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Estudante do último período de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG