Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que a mídia não deve não chamar estupradores de monstros

“Uma mulher, esqueci quem, uma vez perguntou para um amigo homem por qual motivo os homens se sentiam ameaçados por mulheres. Ele disse que tinham medo que as mulheres rissem deles. Quando ela perguntou pra um grupo de mulheres por qual motivo elas se sentiam ameaçadas por homens, elas disseram: ‘Nós temos medo que eles possam nos matar’.”

As quatro jovens, com idades entre 15 e 18 anos, violentadas e abusadas sexualmente na tarde de uma quarta-feira (27/05) na cidade de Castelo do Piauí, localizada cerca de 190 km ao Norte de Teresina, foram vítimas não de monstros, mas de homens comuns. Uma das adolescentes, Danielly, não resistiu e morreu em um hospital público da capital no último domingo (07/06). Estar “muito drogado” não é capaz de amenizar o crime nem desumanizar os estupradores.

Nos programas policiais da TV e nas redes sociais, “monstro” é a palavra mais usada para classificar os homens que praticaram os estupros contra as jovens. Se nós, como sociedade, continuarmos a nomear os criminosos sexuais em alusão a uma fantasia, estamos fadados ao equívoco. Monstros são essencialmente desumanizados, distantes da realidade.

E a verdade é que os estupradores são pessoas comuns, geralmente conhecidos das vítimas, um vizinho, um parente. Estupradores podem ser doentes mentais, mas nem sempre são. Estupradores podem ser drogados sem consciência, mas nem sempre. Não existe punição de monstros porque monstros são seres que vivem no universo da fantasia. Na própria nomeação dos criminosos, o estupro deixa de ser reflexo de uma sociedade de gêneros desiguais para ser da esfera do irreal.

Objetos passíveis de uso

Logo após casos de grande repercussão, como esse, surge no tribunal da internet uma série de “dicas” para que as mulheres possam se proteger visando evitar serem estupradas. “Evite roupa curta”, “Evite contato com homens estranhos” e demais sugestões voltadas apenas para atitudes que a mulher deve tomar – todas pautadas pelo “não fazer”. Tudo gira em torno da vítima e de como ela pode impossibilitar uma agressão. É a culpabilização da vítima. A lógica se inverte porque quando há assassinatos, roubos, por exemplo, o foco está no criminoso.

Estupro, o assédio sexual, a violência doméstica e o abuso psicológico são crimes praticados, principalmente, contra as mulheres. A sociedade brasileira é punitivista, mas a ênfase das punições não é aplicada de modo homogêneo apenas pela gravidade do crime. O estupro é um crime de cunho social, no contexto macro a violência é de gênero. É um crime hediondo, que deveria ser de pena máxima, mas na prática quem comete um estupro sabe que ele é tido como um “crime menor” no próprio sistema judiciário, com penas que nem sempre chegam a serem cumpridas.

Mulheres são, para estupradores, objetos passíveis de uso. E esse pensamento é fruto de uma sociedade fundada sob as bases do patriarcalismo e da desigualdade entre homens e mulheres. Se as mulheres passarem a serem vistas como seres humanos, de igual para igual com os homens, dificilmente seriam brutalizadas porque não se brutaliza um semelhante. Respeito ao próximo e igualdade de gênero é discussão para pais e filhos, alunos e professores, toda a sociedade, em todas as camadas e esferas institucionais.

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Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa é jornalista e mestre em Comunicação